Por Carlos Sena (*)
Precisei ir ao centro do Recife
resolver broncas. De carro, nem pensar, pois onde estacionar? Então, movido
pelo senso prático, decidi ir de ônibus e foi uma viagem tranquila. Ao
retornar, igualmente de ônibus, tudo estava normal, mas eis que de repente um
tremendo agito se fez no recinto do coletivo. Sentado na minha cadeira junto à
janela, confesso que me assustou aqueles gritos de “para, motorista”, “para,
motorista”! “Cobrador, pede para o motorista parar”! Mas o motorista nem o
cobrador se lixavam pra nada e isto irritou ainda mais os passageiros, menos
eu. “Perdido por dez, perdido por mil”,
pensei comigo no meu canto quieto. Mas as pessoas começaram a se enfurecer e,
batendo na lataria do ônibus, as pessoas voltaram com mais ênfase: “filho da
puta, tá moco, motorista?”. Pare “essa porra motorista, pois tem um homem com a
mão presa na porta”! Nisto, a mulher que estava atrás de mim, mais parecia uma
gralha: “meu Deus, o homem está com a mão presa na porta, abre a porta
motorista!” O motorista seguia naturalmente seu rumo. Na parada seguinte,
finalmente o ônibus foi parado e o motorista do alto da sua cadeira, deu uma
olhadinha pra traz, fez beicinho tipo “o que está mesmo acontecendo?” e foi
embora.
Nessa altura da viagem, o pobre
do homem que ficou com a mão presa na porta já tinha se desvencilhado e, pelo
que tudo indicava, não sofrera alguma queda ou coisa parecida. Mas o povo não
deixou por menos. Aí ficou a lamúria dos passageiros uns com os outros: “viu,
eles são todos iguais, o homem morria e ele não liberava a porta”! “Olha a cara
do cobrador”. “Ele é tão culpado quando o motorista. Queria ver se fosse o pai
dele”! Motorista e cobrador continuavam sem dar a mínima para os comentários.
Eu mesmo achei esquisita a atitude do motorista e do cobrador tão indiferentes
ao pobre homem que, segundo os que viram, estava com a mão presa e com o corpo
pelo lado de fora do ônibus em pleno movimento.
Meu vizinho de cadeira estava
cochilando, mas logo acordou. Quando o burburinho acalmou ele ligou o seu
celular com musicas bregas em alto volume. Mas a mulher da cadeira atraz de mim
não se fez de rogada: quem porra tá com esse rádio ligado tão alto? –Eu
senhora, mas já vou desligar. –Acho bom, pois já não basta essa irritação desse
ônibus? Meu vizinho de cadeira cumpriu o prometido: desligou o rádio e encostou
a cabeça como que ignorando a senhora do lado que falava mais do que o homem da
cobra; era uma matraca ambulante daquelas da semana santa. Mais parecia uma
gralha, coitada.
Uma parada antes da minha, uma
voz no interior do ônibus, calmamente invade o ambiente: “esse que vocês
pediram para o motorista abrir a porta é um espertalhão. Ele todo dia faz isto
só pra conseguir a piedade dos passageiros. Então quando o motorista abre a
porta, ele entra e, na condição de vitima, começa a pedir dinheiro a todos. Foi
por isto que o motorista não abriu a porta, pois esse truque dele já é
conhecido”, concluiu o passageiro do fundo do ônibus. Um silencio profundo se
instalou no ambiente! Discretamente, dei uma olhadinha do lado e vi a cara de
bundão da mulher que mais gritava feito uma doida no meu pé do ouvido para que
o ônibus parasse. Parecia uma lambisgoia! Sabendo então que se tratava de
armação, ela desconfiada, cochichou no ouvido da outra: “a gente não pode mesmo
confiar em ninguém; a humanidade tá perdida, pois todos só querem levar
vantagem em tudo, meu Deus, a gente não pode mais confiar em ninguém”...
Desci na minha parada, ou no
ponto como dizem os cariocas. Por curiosidade olhei o roteiro daquele coletivo,
quero dizer, a placa de destino dele: AEROPORTO! Saí voando pra casa, mas
gostei da odisseia...
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(*) Publicado no Recanto de Letra
em 29/08/2012
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