“Os
números que não mentem
Por William
Waack
Números e
narrativas não necessariamente coincidem e o Brasil é vítima de uma delas, com
relevante repercussão internacional, sobretudo diante do anunciado acordo de
livre-comércio entre União Europeia e Mercosul.
Exemplo
clássico de números absolutos que não conseguem “narrar” corretamente uma
situação é o da criminalidade. No Atlas da Violência do Ipea, verifica-se que
São Paulo, com 4.631 mortos, figura entre os primeiros na lista de homicídios
de 2017. Com menos da metade desse número – 2.203 casos – o Rio Grande do Norte
está “confortavelmente” lá no meio da lista. Mas, em termos relativos, o Rio
Grande do Norte apresentou uma taxa de 62 mortos (arredondando) por 100 mil
habitantes em 2017. A mesma taxa para São Paulo era de 10, brutalmente inferior
à do Rio Grande do Norte.
Vamos
agora a um dos pontos nevrálgicos da discussão que o governo brasileiro terá de
enfrentar ao tentar convencer europeus – governos e, especialmente,
consumidores de produtos agrícolas brasileiros – de que o País atende aos
padrões internacionais para o emprego de agrotóxicos. A narrativa consolidada é
a de que o Brasil é o campeão mundial de uso de agrotóxicos, e o número
absoluto não mente. Agrotóxicos são commodities, cotadas em dólares, e o valor
do consumo brasileiro é o maior do mundo (indicando, portanto, a quantidade de
toneladas compradas).
Mas,
considerados em relação à área cultivada, ao tamanho da produção e à média de
produtividade em função do uso desses agrotóxicos (um cálculo que leva em conta
o consumo em dólares de pesticidas em relação à produtividade média por hectare
de agricultura), os números da FAO, a agência da ONU para alimentação e
agricultura, colocam o Brasil em situação incomparavelmente mais confortável do
que potências europeias como França, Alemanha, Itália e Reino Unido (para
curiosidade, os grandes vilões nessa comparação são Japão e Coreia).
Em outras
palavras, é o Brasil que deveria acusar e não ser acusado de abusar do uso de
agrotóxicos. Mas o País está acuado no debate internacional e não foi capaz
ainda de encontrar uma fórmula para provar que os números que não mentem e
contam como são os fatos relevantes deveriam favorecê-lo nas negociações
duríssimas, com intrincados interesses cruzados (objetivamente, ambientalistas
e protecionistas, por exemplo), que estão apenas começando.
Nessa
questão específica, a do uso de agrotóxicos, sucessivos governos brasileiros
perderam a batalha de comunicação doméstica também. Projeto de lei tramitando
no Congresso para atualizar normas legais e permitir acesso a agrotóxicos mais
modernos (menos tóxicos e venenosos, e que podem ser aplicados em dosagem
menor) virou “PL do veneno”. O debate já se afastou dos argumentos científicos,
suplantados pelo berreiro ideologizado.
De fato, o
Brasil tem exemplos a dar para o mundo em energia renovável, biocombustíveis,
aumento da produtividade na agropecuária e é uma formidável potência produtora
de alimentos – sem, para isso, ter aumentada a área cultivada. Mas não é esta
sua imagem externa, uma situação apenas em parte criada por grupos organizados
vinculados ou não a interesses governamentais estrangeiros e comerciais. Diante
das avenidas que podem se abrir com o acordo entre Mercosul e União Europeia, o
governo brasileiro está diante da urgente necessidade de desenhar uma estratégia
que o tire da atual postura defensiva.
Proferir
frases contundentes em reuniões internacionais de cúpula, como o G-20, energiza
e mobiliza o público cativo interno. Mas é pouco.”
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