“Obsessão
POR MERVAL
PEREIRA
O
presidente Jair Bolsonaro tem uma fixação: não depender do Congresso para
governar. É o sonho de consumo de todo político populista com pendores
autoritários. Várias vezes ele já abordou o assunto, que ontem voltou a ser seu
tema, no encerramento do discurso no Comando Militar do Sudeste, na transmissão
de posse do General Andrade Ramos, que será o novo ministro chefe da Secretaria
de Governo da presidência.
O
presidente repete com constância desagradável que só deve “lealdade absoluta”
ao povo, numa visão de democracia muito peculiar, que coloca essa entidade, o
povo, acima de todas as instituições.
Ontem,
além de agradecer às Forças Armadas, que seriam responsáveis por tudo o que
alcançou na vida, Bolsonaro se dirigiu ao “povo brasileiro”: “Devo isso a
vocês, povo brasileiro. Que são muito mais importantes que qualquer instituição
nacional. Vocês conduzem nosso destino. A vocês, povo brasileiro, e somente a
vocês, eu devo lealdade absoluta. Contem comigo, que eu conto com vocês.”
Bolsonaro
parece não saber que “o povo brasileiro” tem seus representantes, eleitos pelo
voto popular tanto quanto ele, trabalhando no Congresso Nacional, onde ele
atuou por 28 anos. E que o presidente da República deveria representar todos os
cidadãos, mesmo aqueles que não votaram nele.
Mas ele
insiste em paparicar seu núcleo duro de eleitores, que o elegeram para mandatos
sucessivos de deputado federal. Mas, se bastava esse eleitorado, basicamente de
militares e congêneres, como guardas municipais, policiais militares, para
elegê-lo deputado federal, agora teria que ampliar o alcance de seus atos.
Mas não, e
o exemplo recentíssimo está na sua intervenção na reforma da Previdência para
abrandar as condições de aposentadoria dos policiais militares.
Essa
fixação em um apoio direto do eleitor não é de hoje. Em março, na cerimônia do
211º aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio, Bolsonaro disse que a
democracia só existe se as Forças Armadas quiserem. Ele fez o comentário quando
descrevia sua vitória nas eleições do ano passado :“A missão será cumprida ao
lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles
que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm
ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia. E isso,
democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o
quer”.
Recentemente,
em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, durante evento em memória ao
marechal Emilio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a
ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos
militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.
Bolsonaro
disse: “(…) Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para nosso
povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o
poder de forma absoluta”.
De lá para
cá, alguma coisa mudou, porque a democracia tem contrapesos que contêm o
eventual voluntarismo do incumbente. A aproximação com países com ideologia
semelhante à nossa nos afastaria da China, nosso principal parceiro comercial.
O que parecia uma ameaça da nova administração
não passou de bravata, que a certa altura o chanceler Bruno Araújo pensou que
era verdade. Mantivemos nossas relações com os chineses, e os interesses
nacionais superaram as idiossincrasias oficiais.
A
possibilidade de fazer parte da OCDE, que reúne as maiores economias do mundo
ocidental, e também o acordo do Mercosul com a União Européia, obrigará a que o
governo se enquadre em exigências como preservação do meio-ambiente e defesa de
parâmetros democráticos.
Defender a
ditadura militar é um mote caro ao presidente, que considera a instituição
militar sua segunda família. Não seria necessário fazê-lo, e é especialmente
perigoso quando a liga à ampliação do direito ao porte e à posse de armas.
Também
aqui as instituições colocaram um limite às vontades do presidente, e o
Congresso barrou os decretos, considerando-os inconstitucionais. Agora, outra
instituição da democracia, o Supremo Tribunal Federal, vai cuidar do tema.”
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