“Luz e
contraluz
Por
Fernando Gabeira
Trouxe o
livro de Steven Pinker para a estrada. Na forma papel, só é possível quando me
desloco de automóvel. Tem quase 700 páginas, o que pesa muito para quem vai
trabalhar com as mãos, ainda que levemente, todo o dia. “O novo iluminismo” é
uma defesa da razão, ciência e progresso. Há um imenso campo de discussão sobre
essas três palavras.
Recolhi
até agora algo que me estimulou a pensar sobre o momento. Pinker aponta a religião
como uma adversária do iluminismo. De fato, há dois momentos perigosos em
atitudes religiosas. Um deles é colocar suas regras morais acima da felicidade
das pessoas. Daí a dificuldade de aceitar o homossexualismo e as diversas
identidades sexuais. O “New York Times” perguntou como as pessoas se definiam.
As respostas foram múltiplas e variadas.
Outro
momento delicado é o questionamento da ciência a partir de uma visão da fé.
Pinker cita o caso do júri de um professor americano que ensinava Darwin, que
ficou conhecido como o julgamento do macaco. É histórico. Eu mesmo citei o
filme sobre aquele júri, “O vento será tua herança”, quando a ministra Damares
questionou o espaço que se dava a Darwin.
Pinker
considera também na base do contrailuminismo o que chama de uma tendência
tribal que se expressa também no nacionalismo, na hostilidade às iniciativas
globais. Referia-se mais aos Estados Unidos após a vitória de Trump. Mas esse
traço é diferente no Brasil. Apesar da ideologia antiglobalista, o governo não
só assinou como comemorou o acordo com a Comunidade Europeia. Na verdade, um
passo na integração internacional.
E o avanço
de um movimento muito amplo, apesar da resistência de Trump. É a marcha do
capitalismo com todas as suas consequências, nem sempre positivas, sobretudo
para os que vão sendo deixados para trás.
Bolsonaro
precisou aceitar o discurso que muitos dos seus seguidores questionam. Isso me
faz pensar em algo: como esquerda e direita são parecidas diante do
capitalismo. O discurso é crítico, mas nas grandes decisões têm de seguir a
corrente. É como se o capitalismo global avançasse sem travas, deixando a
possibilidade de mudanças sempre para o futuro. Não há volta atrás.
Bolsonaro
mantém seu discurso hostil à preocupação ambiental dos europeus. Minha
suposição é que, diante desse tema também decisivo em termos globais, ele até
possa seguir falando as mesmas coisas. Mas será julgado pela sua adesão prática
ao Acordo de Paris.
Tem a
solidariedade de Trump. Mas ambos me lembram um pouco a piada do papagaio que
foi jogado para fora de um avião, junto com um passageiro que reclamava do
serviço de forma inconveniente. Em plena queda entre as nuvens, o papagaio
disse para o passageiro ejetado com ele:
— Até que,
para quem não tem asas, você é bastante folgado.
A situação
do Brasil é muito diferente da americana. Bolsonaro é muito arrojado ao afirmar
que sobrevoou a Europa duas vezes e não viu florestas. Florestas existem,
algumas até encantadas, como a Hallerbos, na Bélgica; a Negra, na Alemanha; a
de Epping, na Inglaterra.
O problema
é que a Europa, depois de 17 anos de monitoramento, constatou, ao examinar 130
mil amostras, que em suas florestas há decadência crescente das árvores. Sem
contar que o alto nível de consumo de seus habitantes contribui também para a
redução de muitas florestas pelo mundo.
A Europa
reconhece o problema de suas florestas. No próprio relatório, a Comunidade fala
de suas medidas sobre a poluição, uma das causas dessa decadência. Se a
intenção for criticar a Europa, nada melhor do que se basear na sua própria
autocrítica.
Esse
acordo com os europeus, ao lado da reforma da Previdência, pode ser um estímulo
para novos investimentos. Uma tênue promessa para o futuro. Não creio que vamos
alcançá-lo dando cotoveladas.
O
Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirmou que houve um aumento de 88% em
áreas desmatadas na Amazônia. É um dado que compara junho de 2018 com junho de
2019.
Os métodos
do Inpe são transparentes. O governo disse que neles há ideologia, manipulação.
Aqui sim é
preciso falar de ciência. Por enquanto, o governo contesta os fatos apenas com
sua fé. Luz e contraluz.”
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