“O custo
da impotência do eleitor brasileiro
Por Fernão
Lara Mesquita
Os Estados
destinaram R$ 94 bi a 2,3 milhões de servidores inativos, gastando em média R$
40 mil por servidor. Já o investimento em toda a população de 210 milhões de
plebeus foi quase quatro vezes menor em números absolutos, o que põe o gasto
médio em R$ 125 por pessoa, 320 vezes menos do que o que se “investe” nos
aposentados da privilegiatura.
Esse é o
resumo desta crise e da própria História do Brasil.
Essa nossa
condição anacrônica de servidão semifeudal só pode perdurar graças à
“desorientação espacial”, digamos assim, em que anda perdida a imprensa
nacional. O mundo ficou menor, mas nem tanto. A Rede Globo, por exemplo, ainda
que enquistada em pleno Rio de Janeiro, tem a certeza de que vive numa
sociedade sexualmente reprimida. De frente para a praia, nunca reparou naquilo
que Pero Vaz de Caminha viu de cara e marcou toda a nossa História: um país
onde todo mundo anda pelado, naquela latitude abaixo da qual “não existe
pecado”. Por isso agasta tanto que ela faça cara de heroína da revolução ao
pregar a libertinagem na terra de João Ramalho, Caramuru e seus haréns de
filhas de caciques.
Não está
sozinha. Boa parte do resto da imprensa frequentemente também se imagina em
alguma França, ou sei lá. Encasquetou meramente por eco que mudar regras de
Previdência é sempre “impopular”. Daí ter permanecido afirmando até tomar o
desmentido na cara de que reduzir a diferença média de 35 vezes entre as
aposentadorias que o favelão nacional recebe e as que paga à privilegiatura
levaria os explorados às ruas para bradarem contra o fim da própria espoliação.
Nem é da
velha esquerda que se trata. Esta, de PT a FHC, não foi derrotada nem pela
direita, nem pela internet. Morreu de morte morrida. Perdeu o trem do 3.º
Milênio e sumiu. Não tem proposta nenhuma pra nada. Por isso só fala de sexo.
Mas dentro do universo do debate racional muita gente boa também tem boiado na
interpretação do que está aí. O que explica essa desorientação é o vício muito
brasileiro de excluir o povo de suas conjecturas. As “vitórias” e “derrotas”
são sempre dos demiurgos. Tudo acontece ou deixa de acontecer exclusivamente
graças a eles, e “é bom que seja assim” porque o povo brasileiro ignorante,
coitado, não sabe o que é bom para ele próprio.
Ficou para
trás do Congresso, que, vivendo de voto, logo entendeu que algo tinha mudado e
deu 379 a 131. 64% da bancada do Nordeste (74% da do SE) votou a favor.
Com isto
querem crer os mais otimistas que, por cima da Constituição e da lei, o Brasil
já é governado pelo povo, que tem encontrado os meios de dobrar os governos, as
oposições e as instituições alinhadas contra os seus interesses. Tem um remoto
fundo de verdade nisso. Mas não é realista relevar o quanto a falta de dinheiro
para pagar funcionários terá pesado para fazer finalmente subir a cancela com
que há mais de 20 anos a privilegiatura mantinha a reforma da Previdência
barrada na porta do aparato das decisões nacionais, assim como imaginar que
passado o sufoco ela jamais voltará ao ataque para nos impor o que não
conseguiu com os “destaques” tentados.
Todos os
problemas do Brasil, sem exceções, são consequência direta ou indireta da
absoluta independência do País Oficial em relação ao País Real, e toda vez que
esquecermos isso estaremos perdendo tempo (e vidas, muitas vidas). Na sequência
da aprovação dessa reforma de que foram cirurgicamente extirpados todos os
componentes revolucionários como a desconstitucionalização dos privilégios e a
instituição do regime de contribuição, houve quem escrevesse sobre “a lentidão
das decisões econômicas” e lembrasse que “foi preciso um impeachment e uma
crise asfixiante” para que fizéssemos a reforma com 20 anos de atraso, como se
essa lentidão não passasse de preguiça ou respondesse a dúvidas reais.
Sobre a
reforma tributária, há mais de meio século tida como “urgentíssima” por todos
os especialistas, há uma inflação de propostas no Congresso e nenhum sinal de
consenso. Mas não é só por vaidade dos economistas. A razão real do marasmo é a
de sempre: há dois Brasis e o País Oficial, que decide por ambos, não paga os
impostos que impõe ao País Real, logo, não tem pressa. A questão decisiva para
quem, mundo afora, optou por um ou outro sistema tributário é que onde o
sistema se apoia no imposto de valor agregado cobrado sobre o consumo o povo
tem a última palavra sobre as decisões, logo, o critério decisivo é o da
transparência e justiça do imposto cobrado; e onde o de transações financeiras
chegou a ser implantado o povo não participa das decisões e, então, o critério
passa a ser só o do volume e o da facilidade de arrecadação.
Martela-se,
ainda, no “mente quem diz que é possível baixar a carga de tributos no Brasil”.
Mas mente mais ainda quem não acrescenta a esse raciocínio o seu complemento
obrigatório, qual seja, “enquanto não se reduzir a farra do Estado”. Dar por
intocável o tamanho do Estado é dar por intocável o tamanho da miséria do
Brasil. É condenar mais uma geração que luta a viver no brejo e na guerra para
que mais uma geração que não ganhou os privilégios que tem trabalhando possa
desfrutá-los ao sol e em paz. O Brasil jamais poderá competir pelos empregos do
mundo com o Estado custando o tanto que impede que os nossos impostos sejam tão
baixos quanto os do resto do planeta, ou mais para compensar o handicap
educacional que pagamos.
Todos
esses raciocínios desviantes e desviados só podem ser abertamente defendidos no
Brasil porque o eleitor é absolutamente impotente passado o ato de depositar o
voto na urna. Eleições distritais, recall, referendo, iniciativa e eleições de
retenção de juízes são a única garantia jamais inventada de que o jogo será
jogado sempre a favor do eleitor. Essas ferramentas são as manifestações de rua
sistematizadas e instituídas como fator decisivo de sucesso de qualquer
proposta de solução. É como a bomba atômica. Não precisa ser disparada. Basta o
inimigo saber que você a tem para que passe a respeitá-lo.”
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