“25 anos do
Real: três lições
Por Gustavo H.
B. Franco
Escrevo sobre o
aniversário do real a cada ano, desde o primeiro, e o assunto não termina.
Sempre se encontra um jeito de trazer alguma lição importante para a atualidade
e desta vez me ocorre elaborar sobre três coisas que o Plano Real fez muito
certo, e que não são óbvias.
A primeira é
sobre como trabalhar com públicos hostis, no caso, irritados tanto com a
inflação quanto com o combate à inflação. Em lugar de panaceias como “pactos
sociais” e “controle social dos preços”, introduzimos a URV, um mecanismo
compatível com os incentivos das pessoas físicas e jurídicas diante dos riscos
introduzidos tanto pela inflação quanto pelo programa de estabilização.
Hoje temos um
nome para isso, consagrado em 2007, quando a Academia Sueca deu o Nobel de
Economia a três pioneiros da “teoria do desenho de mecanismos” (Eric Maskin,
Leonid Hurwicz e Roger Myerson). Trata-se de construir mercados, jogos ou
mecanismos cujas regras são tais que pessoas egoístas seguem seus piores
instintos, mas o resultado coletivo é o melhor para a sociedade.
A nossa URV era
exatamente isso, seus resultados foram brilhantes e a grande lição aqui tem a
ver com o alinhamento de incentivos.
Entretanto,
ainda que bem sucedida, a URV passou longe de resolver o problema inteiro. Em
julho de 1994, já com a nova moeda, a inflação foi de 6,8%, e em agosto foi de,
1,9%. Nesses dois primeiros meses, a taxa de inflação anualizada foi de 66%, e
nos primeiros 12 meses de vida do real o IPCA acumulou 33%. Números inaceitáveis.
Não há dúvida
que começava aí uma segunda fase do Plano Real, bem menos charmosa e festejada
que a reforma monetária. Tivemos sucesso na invasão da Normandia, mas tínhamos
um longo caminho, e muitos campos minados e metralhadoras inimigas até Berlim.
O segundo grande
acerto do Plano Real foi tratar da infecção e não tanto dos sintomas. Era a
diferença relativamente aos “choques heterodoxos”, a equipe do real acreditava
em antibióticos, cuja administração teve duas vertentes.
De um lado,
tratava-se da reconstrução institucional da moeda, o que começava pela
governança, continuava com o ajuste no sistema bancário privado, com a extinção
ou privatização dos bancos estaduais, com o conserto dos bancos federais e as
renegociações de dívidas e programas de ajustamento das finanças estaduais, dos
quais resultaria, alguns anos à frente, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma
agenda muito carregada.
De outro, a
partir de 1995, começam os antibióticos de natureza constitucional. Em seu
primeiro mandato, FHC enviou ao Congresso 27 PECs, 13 das quais foram
aprovadas, e mais 11 em seu segundo mandato, aprovando 6. É muito mais do que
todos os outros presidentes subsequentes somados (24 PECs apresentadas e 7
aprovadas), sem falar no peso de cada emenda.
Desde Castelo
Branco o País não experimentava uma combinação tão intensa de reformas
modernizadoras com impactos tão agudos para o futuro do País, graças à
estabilização, e em apoio a esta. É interessante como urgências e resultados
interagem com a política e ajudam a passagem de reformas.
O terceiro
acerto do Plano Real foi o de não ceder à complacência, e levar o trabalho até
o fim, pois não existe meia estabilização. Isso significava para o Banco
Central, que até pouco tempo antes era chamado (pelo presidente Itamar) de
“caixa preta”, cumprir a missão para o qual tinha sido criado em 1964, 30 anos
antes. Já era tempo.
Como se sabe, o
superávit primário só apareceu para ajudar em 1998, quando o trabalho já estava
praticamente completo, de modo que depois de julho de 1994 a Autoridade
Monetária teve de utilizar as políticas monetária e cambial em gradações
elevadas conforme necessário para completar sua missão, pois não se abandona o
crack parcialmente.
Esta segunda
fase levou vários anos. A inflação caiu abaixo de 20% anuais apenas em abril de
1996, 22.º mês da nova moeda, e abaixo de 10% apenas em dezembro, 30.º mês e
abaixo de 5% em janeiro de 1998, o 43.º mês. Em 1998 a inflação foi a menor
desde a criação do BCB: 1,6% anuais. Foi quando a estabilização se completou.
Como teria sido
a vida se, no meio do caminho, o presidente cedesse às pressões para o
afrouxamento das políticas de juro, câmbio e fiscal?
São muitos os
cenários possíveis, mas creio que na maior parte deles a abstinência parcial ia
arruinar o tratamento, de tal sorte que, muito provavelmente, não estaríamos
comemorando coisa alguma nesse momento.”
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