“Quando as luzes se apagam
Por Fernando Gabeira
Vivemos momentos desoladores. O
apagão do Senado é um fato simbólico que nos provoca a pensar sobre como
sobreviver no escuro.
Nos apagões em estádios de
futebol as luzes nunca voltam de uma vez só, o campo vai se iluminando aos
poucos. Creio que as luzes só voltarão totalmente no Congresso depois das
eleições de 2018.
Daqui até lá teremos de nos
acostumar com a penumbra. A realidade histórica obrigou-nos a derrubar
presidentes com uma frequência maior. A repetição nos obriga também a um
espetáculo constrangedor, os deputados se sucedendo na tribuna: voto sim pela
família, pelos netos, pelo marido, por sua cidade natal e o pelo coronel
Brilhante Ustra.
Estamos no caminho dessa desse
velho enredo. Sempre se diz no final que a sociedade se surpreendeu com o nível
de seu Congresso. A chance de evitar as surpresas que se repetem, apesar de
tudo, está concentrada na capacidade social de mudar o quadro em 2018.
Outro dia alguém me perguntou o
que esperava do eventual sucessor de Temer nesse período de transição. Nada,
respondi distraidamente. Aos poucos fui obrigado a precisar esse nada. Basta
que toque a máquina do Estado, num momento em que muitos setores ameaçam entrar
em colapso.
E basta que o Congresso tenha
aprovado a reforma mais negociável, que é a do trabalho. Na política, que ao
menos reduza o número de partidos.
No quesito tocar a máquina será
preciso considerar emergencial a crise da segurança pública. Talvez por uma
visão limitada e pessoal eu destaque esse tema. Vivo no Rio de Janeiro e viajo
semanalmente pelas estradas do Brasil. O Rio vive um clima trágico: crianças
mortas, balas perdidas, tiroteios. E as estradas agora estão menos policiadas,
pois faltam recursos à Polícia Federal.
Não sou favorável à tese do
Estado mínimo, penso como John Gray que o Estado tem vários tamanhos possíveis,
dependendo das circunstâncias históricas.
Se Rodrigo Maia for presidente,
terá chegado ao cargo com 53 mil votos. Em algumas configurações partidárias
esse número não chega a ser suficiente para eleger um deputado. O ideal,
portanto, seria tocar as obrigações cotidianas, sem muitas marolas.
O Congresso ficaria na penumbra,
o que não significa opacidade, porque a transparência é uma conquista. Seria
apenas uma forma de não atrapalhar mais a recuperação econômica, evitar os
sobressaltos dedicando-se a projetos que não tem mais legitimidade para aprovar
Isso talvez possa liberar alguma
energia social. Perdemos muito tempo ouvindo discursos, dispersamo-nos muito
com as nuvens da política.
Toda semana o PSDB se reúne para
decidir se sai ou não do governo. Como dizia Cazuza, vivemos num museu de
grandes novidades.
As próprias discussões sobre o
destino do Temer, embora tratando de crimes diferentes dos atribuídos a Dilma,
têm a mesma monotonia jurídica. O relator Sergio Zveiter afirmou que os
indícios eram suficientes para autorizar que fossem investigados. Disse que,
nesta fase, não se trata de afirmar que in dubio pro reo, algo que se aplica ao
julgamento. E concluiu que, nesse caso e etapa, a dúvida é pró-sociedade.
O advogado de Temer questionou a
tese em abstrato, afirmando o direito do indivíduo. Algo louvável. No entanto,
a sociedade é feita de indivíduos que ocupam lugares diferentes, arquitetos,
cozinheiros, encanadores e um presidente da República. No caso de denúncia
contra o presidente da República, a sociedade tem o direito de conhecer as suas
consequências.
O enigma de todo o processo é a
própria sociedade. Embora atenta, não parece ter ânimo par ir às ruas. No “fora
Dilma” havia emoção, confrontos.
A oposição a Temer revela-se mais
nas pesquisas de opinião do que nos movimentos de rua. Tornou-se algo do
cotidiano, inspirou até a marca de uma cerveja artesanal Fora Temer. Como toda
bebida algo alcoólica, imagino que sugira também moderação para evitar uma
ressaca brava.
A liquidação do grupo de Temer,
amigos presos, assessores presos, é mais uma etapa da derrocada de um
gigantesco esquema de corrupção. O que restava do grupo dominante vai deixando
a cena e em seu lugar um apagado Congresso deve tocar o País num regime
parlamentarista não escolhido como resultado de um de debate sobre o rumo da
política. Um parlamentarismo acidental, que deveria ter o cuidado de um zelador
noturno que trabalha apagando as luzes lentamente.
Até que amanheça. Com sol ou
nublado, radiante ou cinzento, mas amanheça. Foi muito longo o período de
decomposição do processo político-partidário, ele tende a anestesiar, como os
tiroteios do Rio e a sucessão de mortes de crianças alvejadas em casa, na
escola, no carro e até na barriga da mãe.
As eleições em período de
desencanto político costumam marcar novas etapas. Na Dinamarca o desencanto foi
devastador para os partidos dominantes, na França surgiu como um movimento por
fora deles.
Não sei o que acontecerá aqui,
mas duvido que continuaremos nessa sequência de quedas de presidentes e
deputados votando pela mãe, pelos netos. Presidentes e deputados serão
possivelmente melhores. Com um nível de informação como nunca teve antes sobre
o universo político, a sociedade deve se manifestar.
Ainda aí, nas eleições, poderá
surgir de novo a questão: vale a pena dedicar alguma energia a essa mudança? A
resposta negativa pode perpetuar esse horror, em nome da mãe, dos netos, da
cidade natal e do coronel Brilhante Ustra.
Já se discute muito no Rio se a
cidade não se tornou impraticável. Muitos brasileiros se deslocam para Portugal,
que exerce grande fascínio. Mas 517 anos depois na dá para voltar todo mundo
para Portugal e encobrir o Brasil. A saída só se encontra por aqui. Mesmo
depois de resolvida a escassez de passaportes.
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