“Em causa própria
Por Eliane Cantanhêde
O Congresso Nacional já está
levando palmadas da Lava Jato, broncas da opinião pública e notas baixas nas
pesquisas, mas aproveita o recesso para fazer mais peraltices. Como o Estado
vem antecipando, os parlamentares tentam usar a reforma política e a reforma do
Código Eleitoral para favorecer os alvos da Justiça, do Ministério Público e da
Polícia Federal.
Um dos exemplos mais lustrosos é
a tal “emenda Lula”, que aumenta de 15 dias para oito meses o prazo em que os
candidatos às eleições já de 2018 não podem ser presos, a não ser em flagrante
delito. Oito meses é uma eternidade. Principalmente para cometer crimes
impunemente.
Quem assume a ideia é o relator
da comissão especial da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), e
fica evidente a intenção de garantir duas blindagens para o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o único nome que os petistas de fato consideram para
2018. De um lado, dificultaria a prisão de Lula. De outro, garantiria a sua
candidatura.
O argumento de Vicente Cândido é realista:
caso aprovada, a mudança não beneficiaria apenas Lula, mas dezenas, ou
centenas, de candidatos que estão com a PF, o MP e a Justiça no cangote. Logo,
ele prevê um acordão para a votação em plenário. E nós, o que prevemos? Que
haverá dezenas, ou centenas, de candidatos pintando e bordando por aí, ilesos.
A outra bondade coletiva gestada
no Congresso, conforme o Estado de ontem, é numa outra comissão, a do Código de
Processo Penal. Se nunca aprovou e até articulou estraçalhar as dez medidas
anticorrupção sugeridas por procuradores, a Câmara agora tenta partir para cima
de três pilares da Lava Jato: a delação premiada, a prisão preventiva e a
condução coercitiva.
O relator é o deputado João
Campos (PRB-GO), que pretende apresentar seu parecer em agosto, para votação em
plenário já em outubro. Isso, claro, é só uma esperança dele e dos interessados
diretos, que temem justamente as delações, prisões e conduções coercitivas. É
improvável, porém, que haja clima para passos tão ousados na contramão da
opinião pública.
Além dessas mudanças, há outras
no Congresso sob encomenda para favorecer os próprios parlamentares. Exemplo: o
projeto de parcelamento e perdão de dívidas tributárias e previdenciárias. Pois
não é que os deputados e senadores que vão votar esse negócio de pai para filho
devem R$ 532,9 milhões à União? Se isso não é legislar em causa própria, é o
quê?
Essas iniciativas caracterizam o
típico corporativismo, ou espírito de corpo, já que a maioria dos partidos
(incluindo todos os maiores) e grande parte da Câmara e do Senado são atingidos
pela Lava Jato e temem as novas delações que estão sendo negociadas
principalmente com a Procuradoria-Geral da República, mas também com a Polícia
Federal – caso do publicitário Marcos Valério, pivô do mensalão.
Não custa lembrar que iniciativas
anteriores para livrar políticos ou para limitar as investigações não deram
certo. A gritaria da sociedade foi mais forte e os parlamentares foram
obrigados a voltar atrás na descaracterização das dez medidas anticorrupção, na
nova lei de combate ao abuso de poder e na inclusão de parentes de políticos
nas benesses da repatriação de recursos ilegais no exterior.
Ou seja, por enquanto, as ideias
das comissões são apenas ideias, rascunhos que podem ser muito bem alterados
antes de ganharem corpo e serem submetidos aos plenários para virarem lei. E
não serão aprovadas se a sociedade, escaldada que está, ficar alerta e de olho
vivo. Mais uma vez, é melhor prevenir, enquanto são só projetos, do que chorar
sobre o leite derramado, depois da aprovação no Congresso.”
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