“Lula, caudilho pendular
Por Hubert Alquéres
Caudilhos são dados a movimentos
pendulares. Deslocam-se à direita ou à esquerda. Menos por ideologia, mais por
conveniências. Perón foi mestre nessa arte. Apoiou-se nos Montoneiros e outros
agrupamentos da esquerda peronista para voltar ao poder. Mas quando o conseguiu
governou mesmo foi com Lopes Regla, El Brujo, um dos oráculos da AAA -
Associação Argentina Anticomunista.
Getúlio Vargas também sabia se
movimentar ora para um lado ora para outro. O Vargas que namorou o fascismo de
Mussolini, entregou Olga Benário aos nazistas e botou comunistas na cadeia, fez
um giro de 180 graus quando os ventos sopraram noutra direção. Bandeou-se para
o lado dos países aliados, na Segunda Guerra, e postou-se ao lado do seu arqui-inimigo
Luiz Carlos Prestes.
O próprio Prestes, um caudilho
com ideologia, também fazia suas guinadas. Em nome da “união nacional” e do
queremismo getulista, mandou os operários apertarem os cintos -- fazer greve, naquele momento, era
impatriótico. Dois anos depois levou o PCB a enveredar pelos caminhos do
esquerdismo após a cassação do registro do seu partido.
Seria injustiça histórica com
Perón, Getúlio e Prestes colocar Lula no mesmo patamar. Até porque os motivos
que levam o pêndulo de Lula a se movimentar mais uma vez, agora à “esquerda”,
são de natureza diferente.
Nenhum dos três caudilhos foi
condenado pela Justiça por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Em comum,
apenas o fato de Lula repetir agora a rotação que vem exercitando desde a fundação
do Partido dos Trabalhadores.
Na puberdade petista, Lula
disputou e perdeu três eleições com uma frente de esquerda e com um programa
radical. Viu que por aí jamais se elegeria presidente. Tendo José Dirceu como
estrategista, ampliou seu arco de alianças na direção do empresariado e de
políticos tradicionais.
As alas mais esquerdistas do PT
torceram o nariz, mas engoliram os novos parceiros, na crença de que o
“Lulinha, paz e amor” era apenas um movimento tático a ser deixado de lado com
a posse do morubixaba petista.
Ledo engano, o pêndulo de
caudilho inflexionou mais à direita, rendendo-se a uma política econômica
ortodoxa. Apropriadamente, o economista Samuel Pessoa caracteriza o período
2003-2006 como “Malocci”, para definir uma linha de continuidade entre a
política de Pedro Malan e a de Antônio Palocci. E de fato foi assim. Como disse
o economista, “o governo Lula, nos bons momentos, não se distinguiu do de FHC”.
O movimento pendular iria na
direção contrária, por razão de sobrevivência, com o estouro do escândalo do
mensalão. De olho na reeleição, abandonou paulatinamente os bons fundamentos
econômicos, a quem tinha aderido por questão de conveniência.
A “inflexão à esquerda” na
economia não teve correspondência na política. Ao contrário, o modelo de compra
de deputados via mensalão foi substituído por um tipo de presidencialismo de
coalizão calcado no patrimonialismo e fisiologismo, métodos secularmente
utilizados pelas oligarquias brasileiras.
O pêndulo Lula era isso:
“populista na economia, “direitista” na política”.
A mais recente inflexão era
previsível desde o impeachment de Dilma Rousseff. Deslocado do poder em
decorrência de ter patrocinado a maior crise econômica-social e o maior
escândalo da História do país, o lulismo volta no tempo para resgatar a
política de classe contra classe e de frente de esquerda. É com ela que
pretende se reencontrar com suas “bases populares”.
A bola já tinha sido cantada na
carta de 44 páginas que José Dirceu, ainda preso, escreveu no início de maio:
“Nada será como antes e não voltaremos a repetir os erros. Seguramente,
voltaremos com um giro à esquerda para fazer as reformas que não fizemos na
renda, riqueza, poder, a tributária, a bancária, a urbana e a política. Não se
iludam vocês e os nossos. Não há caminho de volta. Quem rompeu o pacto que
assuma as consequências”.
Indiretamente, o petismo confessa
que tinha um pacto com as elites e, ingenuamente, atribui à traição das mesmas
elites como causa de sua hecatombe. A narrativa do golpe e da condenação
política de Lula serve para justificar a recaída jacobina do PT, prestando-se
ainda para coesionar as fileiras internas. Face à “ameaça externa”, a
autocrítica não pode ser feita para não se fazer o jogo do inimigo, segundo
Gleise Hoffman.
Isto explica porque, apesar de
toda a lambança que patrocinou, o Partido dos Trabalhadores vive momento de
grande coesão interna. A inflexão à esquerda já era o clamor de muitas de suas
bases, particularmente dos chamados movimentos sociais. O pêndulo de agora
atende a esse pleito.
Há uma razão maior. O lulismo sem
Lula não tem futuro. Sem ele, o PT tende a ser uma força residual. Para a
sobrevivência de todos, é necessário manter o mito, martirizá-lo, para que, na
pior das hipóteses, os petistas, tais quais os seguidores de Antônio
Conselheiro, percorram os grotões do sertão preconizando a volta de Dom
Sebastião.”
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