“A Temer o que é de Temer
Por Bolívar Lamounier
Se vivesse nesta era feminista em
que vivemos, Calpúrnia, a mulher de Caio Júlio César, com certeza inverteria a
antiga recomendação machista: diria que também a César não basta ser casto, ele
precisa manter as aparências da castidade. Essa inversão parece-me captar o
cerne do imbróglio político e jurídico que se formou desde 17 de março, data da
tristemente famosa gravação mediante a qual Joesley Batista começou a pôr em
prática sua obscura trama contra o presidente Michel Temer.
Joesley, claro está, não é flor
que se cheire, muito menos que se receba na residência oficial do presidente às
11 horas da noite e sem registro na portaria. É uma figura de destaque entre
aquelas supostas sumidades empresariais que Lula e Dilma Rousseff escolheram
para se abarrotarem com dinheiro do BNDES – ou, para ser mais exato, para
posarem de “campeões empresariais” à custa do meu, do seu, do nosso.
Em seus pronunciamentos sobre o
caso, Michel Temer tem esbravejado, com razão, que a conduta do procurador-
geral, Rodrigo Janot, e do ministro Edson Fachin ressabe a critérios não
estritamente jurídicos. Que, em relação a ele, os dois magistrados se têm
comportado com uma parcialidade deveras notável. Mas sua reação, por mais
contundente e acertada que seja, não conserta o erro que deu origem a todo esse
angu: não ter dado ouvidos à advertência calpurniana referente ao que deveria
ser o comportamento de César.
A questão, seja como for, é que
agora o imbróglio (evito a palavra crise) está armado. Em cerca de três semanas
a Câmara dos Deputados se manifestará sobre a acusação de corrupção passiva
formulada pelo procurador-geral e a ela remetida pelo ministro Fachin. Tudo faz
crer que a rejeitará, uma vez que para isso bastam 172 votos, marca que os
aliados de Temer devem atingir com certa folga. O presidente não ter nem isso,
ou ter só um pouquinho mais que isso, será um sinal de péssimo agouro. Será uma
medida de seu desgaste no seu principal reduto, que é, evidentemente, o
Congresso Nacional, e um alerta sobre a capacidade do presidente de resistir a
uma segunda investida do sr. Janot, esperada para agosto. Aí, sim, as dúvidas
acerca da recuperação econômica se multiplicariam e o espectro da crise
institucional voltaria a rondar Brasília.
A antevisão desse cenário
negativo tem levado perspicazes observadores da cena política – à frente o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – a cogitar de saídas para um eventual
impasse, até mesmo o encurtamento em um ano do mandato de Michel Temer.
Apresso-me, porém, a distinguir a posição dele da de Lula, que dia sim e outro
também invoca o santo nome em vão, tentando ressuscitar o mote das “diretas
já”. O discurso de Lula e do PT é a velhacaria de sempre: oportunismo
eleitoreiro de uma agremiação que sempre timbrou por não compartilhar
responsabilidades. Não as compartilhou em 1988, quando se recusou a homologar a
nova Constituição; tampouco em 1992, no pós-impeachment de Fernando Collor, quando
vetou a participação de petistas no governo Itamar; menos ainda em 1994, quando
preferiu bater de frente com o Plano Real a compartilhar os ônus políticos
inerentes ao controle da inflação.
Fernando Henrique Cardoso é o
oposto disso. Ele ter arcado com o ônus de apresentar publicamente uma proposta
de tão difícil execução dá bem a medida de suas preocupações quanto aos
desdobramentos da presente situação. Sua sugestão foi de que o presidente
tomasse a iniciativa de encurtar seu mandato em um ano, abrindo espaço para a
eleição direta de seu sucessor ainda no segundo semestre deste ano. A pedra de
toque da sugestão de Fernando Henrique – é escusado dizê-lo – é a anuência do
presidente Temer. Este, caso esteja percebendo da mesma forma os riscos políticos
e econômicos que ora pairam sobre o País, com alto potencial de aumentar o
sofrimento das camadas mais carentes, incluídos os decorrentes de uma
debilitação mais aguda do poder presidencial, deveria tomar a iniciativa de
desatar os nós.
Por motivos óbvios, a proposta
foi mal recebida por Temer e seus aliados no Congresso; mesmo que tivesse sido
aceita, é inegável que sua implementação não seria fácil. No ponto a que
chegamos, a eleição, só por ser direta, não necessariamente garantiria uma
substancial recuperação da legitimidade presidencial. Cada partido lançaria seu
“presidenciável” – ou seja, o candidato que já tem à mão – e assim iríamos às
urnas para votar em nomes que, em maior ou menor grau, estão também expostos ao
sol e ao sereno, sofrendo os efeitos do mesmo prolongado desgaste que a todos
acomete.
Estamos, pois, sentados num
barril de pólvora, sem forças para nos levantarmos e sem termos para onde
correr. A aprovação das reformas trabalhista e previdenciária e a paulatina
recuperação da economia dificilmente dispersarão as espessas nuvens que se
formaram sobre o nosso sistema político. Qual mancha de óleo que se espalha, a
corrupção corroeu a alma dos três Poderes e, hoje, salta aos olhos que em cada
um deles há gente poderosa se articulando para cercear a Operação Lava Jato.
Caso realmente se efetivem, tais movimentos só servirão para aumentar o
desgaste das cúpulas institucionais e a descrença da sociedade.
Não dispondo da flexibilidade
própria dos regimes parlamentaristas e não havendo da parte de Michel Temer
disposição para encurtar voluntariamente seu mandato, só nos restará esperar.
A prevalecer tal cenário, os 16
meses que nos separam da eleição presidencial serão um feijão com arroz
político, fazendo aqui uma analogia com o feijão com arroz econômico que
Maílson da Nóbrega, à época ministro da Fazenda, pacientemente conduziu na fase
terminal do governo Sarney.
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AGD Comenta:
Como leram no texto anterior, o
autor, que é um renomado cientista político, tenta fazer justiça ao Michel
Temer, diante do que se fala, a boca pequena ou mesmo a boca grande, de que o
Procurador Geral da República, o Janot e o Ministro do STF, o Fachin, estão
exagerando na importância que estão dando à opinião do meliante Joesley.
Ele cita o exemplo bem conhecido
da mulher de César para colocar um pouco a culpa no Temer. Dizendo, mais ou
menos, que o marido da Marcela, não precisa apenas ser honesto, mas, também
parecer honesto. E porque é um homem público, e no caso, presidente da
República.
O fato é, que, o Temer não
pareceu correto, e nem agiu corretamente quando recebeu, nas caladas da noite,
um cara que, mesmo por ele sabido que era um propineiro contumaz. Aliás, eu não
sei quem é o propineiro, quem oferece a propina ou quem a recebe, mas, isto não
tem importância aqui.
Até agora o Temer não teve a
coragem, ou não pode mesmo, explicar o referido diálogo. Está se defendendo
como se a ele fosse dado o direito, pelo cargo que ocupa e que mexendo com ele
afeta um país inteiro, de silenciar sobre os detalhes do crime. E neste caso, a
opinião pública não perdoa. Ela prefere ser enganada do que ficar sem notícia.
E, no caso em lide, tem um monte
de coisas que carece de explicações. Só como exemplo, para quem era aquela
mala, que o hoje com tornozeleira eletrônica, Loures, estava carregando naquele
dia? Por que o Temer não respondeu às perguntas da Polícia Federal? E outras
indagações que o distinto público anseia por esclarecimento.
O certo é que, sendo culpado ou
não, do ponto de vista jurídico, e isto só se vai saber daqui a uns 4 ou 5 anos
pela velocidade da justiça brasileira, do ponto de vista político, o marido da
Marcela não parece está sendo honesto, e, se ele pensasse no bem do país, já
teria pedido o boné. Mas, pelo que se apresenta, ele vai ficando, e sangrando junto
com o país.
Será que os deputados vão, pelo
menos, parecerem honestos e entregarem o Michel à justiça? A conferir.
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