“Instituições insultadas
Por José Nêumanne
A série de insultos às
instituições republicanas culminou ontem com o sequestro da Mesa do Senado por
uma horda de bandalheiras – as senadoras Fátima Bezerra (PT-RN) e Vanessa
Grazziotin (PCdoB-AM,) à frente – para impedir a votação da reforma
trabalhista. Ao mandar apagar as luzes do plenário, o presidente da Casa,
Eunício Oliveira (PMDB-CE), fez a metáfora típica de membro do baixo clero num
cargo do qual não está à altura.
Essa submissão da coisa pública
às mesquinhas ambições pessoais da baixa política teve início após o
impeachment de Dilma Rousseff (PT-RS), quando seus sequazes percorrerem o
Brasil e o mundo a denunciar o “gópi” (da lavra da acima citada Fátima
Bezerra), garantindo que a democracia havia sido interrompida por uma
intervenção ilegítima. Agora que o governo Temer se assemelha cada vez mais a
um zumbi assombrando um Brasil espoliado e intranquilo, os mesmos pregoeiros da
desgraça garantem que o eventual substituto provisório e, quem sabe, provável
sucessor até 2018, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estaria protagonizando o golpe do
golpe. Mas as instituições parecem funcionar e Deus queira que as aparências
não nos enganem.
O que não falta desde então,
entretanto, são tentativas insidiosas de desmoralizá-las em proveito próprio. O
Partido dos Trabalhadores (PT) foi o primeiro a entrar nesse cordão dos
“arrasa-instituições”. Defenestrada em processo constitucional normalíssimo, a
mineira dos Pampas não perde uma oportunidade de maldizer os Poderes
Legislativo e Judiciário, que a depuseram para punir crimes de responsabilidade
que ela cometeu, como as famigeradas “pedaladas fiscais”. Sua narrativa da
deposição ilícita de uma “presidenta” honesta, sem contas no exterior, pelo
vingativo e corrupto inimigo, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que
presidia a Casa que a destituiu, com o voto de mais de dois terços do total dos
seus membros, correu o mundo para macular o seu afastamento definitivo,
satanizando o sistema que a deserdou.
Responsável por sua insensata e
inesperada ascensão ao posto máximo da República, o antecessor e padrinho dela,
Luiz Inácio Lula da Silva, recorreu a idêntico expediente ao tentar transferir
para investigadores, acusadores e julgadores de seus crimes as penas que lhe
cabem. Após constatar, em telefonema a um comparsa, que o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, seria “ingrato”, incapaz de ser minimamente leal a
benfeitores que o promoveram, abusa de ataques insanos ao Ministério Público
(MP), à Polícia Federal (PF) e ao juiz federal Sergio Moro, responsáveis pelos
cinco processos a que responde. E, dizendo-se vítima de ditadura inexistente,
avisou que, se condenado, apelará a Cortes no exterior.
Na guerra de vaidades e por poder
nem todos os chefes dessas instituições têm agido de forma incontestável no uso
de suas atribuições. Rodrigo Janot, que se jacta de enfrentar, de forma
imparcial e sobranceira, os mais poderosos varões nada impolutos da República,
escorregou na baba da própria ambição. Em busca de um lugar no pódio da corrida
do combate à corrupção, autorizou uma negociação nefasta para o interesse
público com os marchantes da família Batista de Anápolis, propiciando-lhes
impunidade absurda por sua participação numa ação programada de que a principal
vítima foi o presidente da República. A obra-prima dele, a delação premiada de
Joesley Batista, seu irmão e seus empregadinhos, resultou num desastre de
relações públicas. A troca de 2 mil anos de pena por uma gravação do chefe do
governo em flagrante delito empata em desconfiança e impopularidade com a
desastrada atuação no comando do Executivo do mais poderoso de seus acusados.
Comparar a troca com a “escolha de Sofia”, referência à opção entre dois
filhos, salvando um em troca da morte do outro, da protagonista de William
Styron, é a metáfora que sai pior do que a tentativa de correção.
A desastrada estratégia do tudo
ou nada de Janot terminou por prejudicar muito mais a ação dos procuradores,
incluindo os da força-tarefa da Operação Lava Jato, do que todas as tentativas
de barrar suas iniciativas feitas pelos suspeitos de corrupção que ocupam
cargos de mando na República. Sua sucessora, Raquel Dodge, terá uma missão
árdua para corrigir isso, ao mesmo tempo que terá de esgarçar a teia de
cumplicidade em que Temer e aliados pretendem enredá-la.
Impossível ainda será deixar o
presidente de fora dessa tentativa malfazeja de desmoralizar as instituições da
República para tentar safar-se dos próprios erros. Por mais inepta e frágil que
seja a peça da acusação da lavra de Janot, que deu entrada na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, ela tem como núcleo um fato
incontestável: o encontro injustificável de Temer com Joesley na calada da
noite, no porão do Jaburu, para tratar de assuntos pra lá de suspeitos e da
forma mais inconveniente.
Desde que a reunião foi
divulgada, a expectativa de delação de ex-parceiros, como o ex-presidente da
Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o contador Lúcio Funaro, desafia a reputação
impecável alegada pelo morador do Jaburu. Nada disso, contudo, viria à baila se
ele não tivesse permitido a constatação lógica de que pode ter cometido delitos
de corrupção passiva, obstrução à investigação e formação de organização
criminosa no único prazo em que não poderia tê-lo feito: os dois anos e meio em
que completaria o mandato reduzido de Dilma Rousseff.
Sem fatos que possam socorrê-lo,
o presidente contratou seu amigo fiel e conviva semanal Antônio Cláudio Mariz
de Oliveira para enxovalhar a reputação da Polícia Federal, do Ministério
Público Federal e de um órgão técnico em cuja boa-fé repousam inquéritos
criminais da maior relevância, o Instituto Nacional de Criminalística. Mas o
Estado de Direito depende do funcionamento de instituições que a defesa de
Temer tem enxovalhado para garantir o bom emprego dele.”
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