Por Carlos Sena (*)
Acordei pensando no óbvio.
Dificilmente a gente pensa nele pela sua própria natureza de ser cotidiano, de
estar em nossa "cara". Discorrer sobre fatos ou notícias que estejam
na mídia é prático e cômodo. Mas, há assuntos que estão no nosso dia-a-dia sem
que se constitua em tema central que nos leve a uma crônica ou a um artigo
literário. Por isto me deparei hoje pensando em quem mora nas ruas.
Principalmente porque sabemos que há milhares de concidadãos que lá “residem” –
entre aspas, mas é assim que temos que nos referir.
Quem tem seu canto, sua casa, por
mais simples e humilde que seja sabe como é bom acordar sob guarda da nossa
própria privacidade. Soube que Carlos Drummond utilizava muitas das suas
crônicas para discorrer sobre assuntos aparentemente sem atrativos. Longe de
nós querermos imitá-lo, mas sua lembrança me veio em função do que agora quero
focar: OS MORADORES DE RUA. Como será pra eles “morar em casa” como nós? Como
administram o tempo vagando pelas calçadas? Qual critério usam para pernoitar
nessa ou naquela calçada? Como fazem cocô, xixi, pois nem todos o fazem nas
ruas? Como veem TV? Como visitam seus amigos, pois quem mora nas ruas tem
amigos e quem tem amigos faz visitas! Nesse levantamento de possibilidades,
lembro-me de um morador de rua que me abordou angustiado me dizendo que
roubaram seu radinho de pilha! Penso que o radio de pilha seja o mais fiel
companheiro dos que na rua residem! Na verdade, sem morar na rua, adoramos o
rádio e suas possibilidades de ligação com o mundo. Não vivo sem um radinho de
pilha por perto, mas tenho um TABLET da Apple que nunca sequer utilizei...
Ironia da vida? Talvez.
Afora os aspectos de moradia,
alimentação e higiene íntima, outros aspectos me vêm no bojo dessa elucubração:
os seus sonhos! Eles estariam ali porque houve sonhos destruídos, nunca
sonhados ou simplesmente inexistentes pela simbologia da loucura? Na rua, a
gente sabe, misturam-se moradores em condições normais por falta de moradia e
políticas públicas de habitação, mas há os loucos – aqueles para quem a
realidade social não coube nas suas mentes e eles certamente romperam com o
socialmente estabelecido pelos humanos ditos normais. De longe somos todos
iguais, mas de perto ninguém é normal, já nos alerta o poeta Caetano Veloso.
Assim fica fácil imaginar que há loucos morando nas ruas, mas talvez haja muito
mais pessoas loucas residindo em casas e apartamentos. Neste sentido conforta
saber que há uma linearidade nos dois tipos de residências: nós, os “metidos a
normais” que residimos “dignamente” e eles, os da rua, para quem o céu é o
limite e o horizonte é a dimensão da sua liberdade. Não sei se quem mora na rua
tem vontade de alternar conosco abrindo mão da liberdade que o mundo lhe
confere. Contudo, nós, muitas vezes, gostaríamos de ter o mundo aos nossos pés
e sair por aí administrando nossa sanidade e nossa loucura até que um dia a
humanidade se redefina pra melhor...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 21/05/2012
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