Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho
Amanheço macambúzio. Abro a janela do quarto e o sol brilha
sobre as arvores do canal que passa ao lado da minha casa. Vou até o terreiro,
para aguar as plantas e ao mesmo tempo aguardar os meus queridos visitantes que
toda manhã se apresentam, a borboleta amarela e preta, pousando sobre as flores
úmidas pela água e o querido beija flor voando com uma velocidade estonteante,
beijando carinhosamente uma flor florida de vermelho.
Este momento me leva para outro mundo. Aqueles dois
visitantes diários são a presença viva de paz e que nos traz a paz. O silencio
da manhã é somente quebrado quando passa um ônibus com passageiros diretamente
para a praia. A gritaria das crianças soa no tempo. É um domingo de sol aberto,
o céu azul e a brisa um pouco morna. Mesmo assim fico trombudo. Mas as horas
vão passando, e não desejo sair de casa neste dia, apesar dos apelos da
meninada. Todos vão à praia. Fico sozinho curtindo a solidão. Lembro-me que o
meu filho no dia anterior adquiriu alguns livros. Fui até ao quarto, vejo em
cima da mesinha, eles ali a me chamar. Apanhei um por um, Menino de Engenho de
José Lins do Rego, já lido por mim, Amar, Verbo Intransitivo – Idílio de Mario
de Andrade e de Graciliano Ramos, Alexandre e outros heróis, este ultimo me
agradou. Pus a ler, sentado no terraço recebendo a brisa do mar e o silencio da
manhã. Li o Sumário – Apresentação de Alexandre e Cesária – o que me convenceu
em ir frente, ler os demais contos destes personagens. Ai começou a criar animo
novo. Ri a vontade e o aborrecimento desapareceu com estes contos engraçados
que tira qualquer um do serio. Lendo cuja leitura não me deixa parar, lembrou-me
do humorista Chico Anízio, com o seu quadro representando o “Pantaleão e
Terta”, quando dizia “É verdade Terta? É Sim!” Todos estes contos engraçados
selecionei a historia hilariante de “Um papagaio falador”, entre os demais narrados,
“A safra dos tatus”, “O olho torto de Alexandre”, “A espingarda de Alexandre” a
“Terra dos Meninos Pelados, que a nossa companhia Galharufas Produções de
Teatro realizou uma peça com este titulo, no Teatro Barreto Junior, no bairro
do Pina”.
Vou descrever para
todos o texto de “Um papagaio falador”
- “Quem principiou a história do papagaio foi Cesária, mas os
homens se aproximavam da esteira onde ela cochilava com Das Dores e depois de
alguns minutos Alexandre concluiu a narração. Cesária falou assim: - O nosso
casamento foi pouco depois d vaquejada. Você se lembra, Das Dores? O caso da
novilha se espalhou de repentente e o nome de Alexandre correu de boca em boca.
Ele não disse isto porque não gosta de pabulagem, mas acredite que ficou o
homem mais importante do sertão. Os fazendeiros tiravam o chapéu quando
passavam por ele e cumprimentavam com respeito: - “Como vai à obrigação, major
Alexandre”?” É isto, Das Dores. Alexandre num instante virou major. Meu pai era
pessoa de muito cabedal, e todo mundo por aquelas bandas queria casa comigo. Eu
não fazia conta de ninguém, mas quando Alexandre se apresentou, bem vestido e
bem falante, quebrou em as forças. Vinha preparado, com um rebenque de cabo de
ouro, esporas de ouro....
- Montado no bode? Perguntou Das Dores.
- Não, respondeu Cesária. O bode era para as vaquejadas.
Vinha num cavalo baixeiro, arreado co arreios de ouro, espelhando. Só queria
que você visse, Das Dores. Meu pai ficou muito satisfeito com o pedido e eu
concordei logo”.: -” Se vossemecê acha que deve ser, está certo” Marcou-se o dia
e preparou-se o enxoval, que foi uma beleza, Das Dores. Só queria que você
visse. Um enxoval em que trabalharam todas as costureiras do lugar. A festa do
nosso casamento durou uma semana. Muita dança, muita bebida, muita comedoria.
Não ficou peru nem porco para semente. Veio o Vigário, veio o promotor, veio o
comandante do destacamento, veio o prefeito. Meu pai estava-se estragando, mas
era senhor de muitas posses e dizia:? – “Festa pé festa. Mais vale um gosto que
quatro vinténs” Quando os derradeiros convidados se retiraram, fomos morar na
nossa casa nova, uma casa bonita como as da cidade. E o pai de Alexandre deu a
ele um baú cheio de moedas de ouro. Aí era preciso a gente tratar de vida. Eu
vendia e comprava, dirigia as coisas direito. Sempre tive cadência para as arrumações.
Mas a viagens e as transações de muito dinheiro que fazia era Alexandre. Na
primeira viagem dele encomendei um papagaio. Queria um papagaio falador,
custasse o que custasse. Agora você conta o resto, Alexandre.
- Não senhora, respondeu oi marido. Você começou a história?
Então acabe.
- Não senhor, replicou Cesária. Comecei porque podia começar,
mas acabar não acabo. Contei a minha parte, que dei a encomenda, mas quem
comprou o papagaio foi você.
Depois de muitas razões, Alexandre se resolveu a tomar a
palavra.
- Em vista disso, eu conto. Istoé, conto o fim da história,
que o principio os senhores já sabiam. E nesse principio não acrescento nada,
porque tudo quanto Cesária disse é pura verdade. Amarro o negócio no ponto em
que ela ficou. Realmente esse caso não tem importância, e até nem sei como
Cesária foi mexer nele. Papagaio é bicho besta, ninguém presta atenção a
lorotas do papagaio. Esse era melhor que os outros, sem dúvida. Eu nem me
lembrava dele,, como a patroa foi desenterra-lo, vá lá. Escutem. Estávamos na
viagem, não é isto? Viagem do sertão à mata, para vender gado. Como era
primeira que eu fazia, a separação foi custosa. Cesária chorou, deu-me
conselhos, afinal se aquietou com a esperança de possuir um louro falador. Prometer
eu não prometia, que não ia oferecer a minha mulher um bicho ordinário, mas se
aparecesse coisa boa, Cesária estava servida. Separei o gado, escolhi os
tangerinos, despedi-me da mulher depois de muitos poréns e tomei o caminho do
sul, sempre aumentando a boiada com o que havia de melhor por àquelas
redondezas. Aves de pena vi em quantidade, araras, ararões, e canindés, mas
viventes de pouca fala. Procurei, pedi informações – não achei nada que
servisse. Larguei a encomendada e decidi levar uma lembrança diferente para
Cesária, volta de ouro ou corte de pano fino. Ora um dia de calor bati numa
porta, com vontade de pedir água: - “Ô de casa”. Uma voz de homem perguntou lá
de dentro: - “Ô de fora! Quem é?” E eu respondi: - “É de paz. O senhor faz
favor de arranjar uma sede de água para um viajante.” – “Não posso, tornou a
voz. Não posso porque estou amarrado” Espantei-me: - “Como? Quem amarrou o
senhor? Diga, que eu dessamaro.” – “Não se incomode não moço, foi a resposta.
Aqui em casa o costume é este.vivo acorrentado” – Nessa altura uma velha
apareceu com um caneco de água e falou: - “Cala a boca. Deixa de tomar
confiança com quem tu não conheces.” Bebi e ia agradecer quando percebi que ela
se dirigia a um papagaio que batia as asas, na gaiola pendurada à parede. Não é
que eu tinha sido embromado, comendo o bicho por gente. – “Sinhá dona,
perguntei, vossemecê me vende este louro?” – “Não vendo não, moço, é de
estimação.” Eu cantei a velha: - “Que seja de estimação não duvido. Mas pense
direito, sinhá dona,. Quem tem vida morre. Se botarem mau-olhado nele,
voossemecê fica sem mel nem cabaço. Eu pago bem. Faça preço no papagaio, dona”.
A velha endureceu, depois chegou às boas e acabou pedindo pelo bicho um desproposito.
Discutimos e findamos o ajuste, comprei o papagaio por quinhentos e cinquenta e
quatro mil setecentos réis. Vejam que dinheirão. Quinhentos e cinquenta e
quatro mil e seiscentos. Bem. Recebi a gaiola e fiquei atrapalhado. Como havia
de leva-la numa viagem que ia durar meses? Depois de refletir, desocupei uma
bolsa de roupa, fiz uns buracos nela e meti ali o papagaio, que protestou muito
contrariado. Arrumei a bolsa no meio da uma carga e tocamos para frente. Onde
andei e quanto ganhei não preciso contar, basta dizer que a boiada se vendeu e
fiz bom negócio. Conheci homens de consideração e vi sobrados. Quando voltei,
trazia um surrão cheio de ouro e cargas de mantimentos. Dei uma festa quase tão
grande como a do casório. O povo da rua se admirou, me pai e meu sogro arregalaram
os olhos. Eu de correntão no peito, eu lorde, mandando abrir caixas de bebidas.
Quem quisesse beber bebia até cair. Dinheiro não faltava. Enfim tudo se
acomodou, o pessoa saiu e nós fomos endireitar a casa, varrer, lavar, limpar,
arranjar as coisas. Cesária passou o dia um dia arrumando a bagagem, abrindo
malas e guardando troços nos armários. No meio do trabalho me chamou: - “Está
aqui uma bolsa furada, Alexandre. Que é isto?” E eu lembrei: - “Ai, Cesaria! É
papagaio. Tranquei o papagaio na bolsa. Coitado. Esqueci-me dele e o pobre
viajou sem comer.” Corri mais que depressa e fui abrir a bolsa. Encontrei o
infeliz nas últimas, enrolado num canto,
feito um pinto molhado. Cesária trouxe um pires de leite, mas era tarde, não
havia jeito não. O Papagaio olhou para mim, balançou a cabeça, levantou-se
tremendo, encorujado, e disse baixinho: - “Sim, senhor, seu major, isto não é
coisa que faça”. Amunhecou e morreu. (Texto tirado do Livro Alexandre e outros heróis- de
Graciliano Ramos – Editora Record – pag. 37/41)
Os outros heróis contados neste belo livro constam de “Uma
pequena historia da Republica” de 1889, historiando os homens, os antigos
senhores, os antigos escravos, os padres, os militares, a propaganda, a
conspiração, o 15 de novembro e tantos outros assuntos pertinentes ao Brasil.
Olhei para o relógio, onze e meia. Sai e fui até a praia
encontrar o pessoal que ali estavam tomando uma cervejinha geladíssima, com
petiscos, de marisco e agulhas fritas, uma delicia. Juntei-me a eles para
alegria de todos, principalmente da menina que me saudou na chegada com abraços
carinhosos.
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