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quarta-feira, 23 de maio de 2012

ALEXANDRE E OUTROS HEROIS





Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho

Amanheço macambúzio. Abro a janela do quarto e o sol brilha sobre as arvores do canal que passa ao lado da minha casa. Vou até o terreiro, para aguar as plantas e ao mesmo tempo aguardar os meus queridos visitantes que toda manhã se apresentam, a borboleta amarela e preta, pousando sobre as flores úmidas pela água e o querido beija flor voando com uma velocidade estonteante, beijando carinhosamente uma flor florida de vermelho.  

Este momento me leva para outro mundo. Aqueles dois visitantes diários são a presença viva de paz e que nos traz a paz. O silencio da manhã é somente quebrado quando passa um ônibus com passageiros diretamente para a praia. A gritaria das crianças soa no tempo. É um domingo de sol aberto, o céu azul e a brisa um pouco morna. Mesmo assim fico trombudo. Mas as horas vão passando, e não desejo sair de casa neste dia, apesar dos apelos da meninada. Todos vão à praia. Fico sozinho curtindo a solidão. Lembro-me que o meu filho no dia anterior adquiriu alguns livros. Fui até ao quarto, vejo em cima da mesinha, eles ali a me chamar. Apanhei um por um, Menino de Engenho de José Lins do Rego, já lido por mim, Amar, Verbo Intransitivo – Idílio de Mario de Andrade e de Graciliano Ramos, Alexandre e outros heróis, este ultimo me agradou. Pus a ler, sentado no terraço recebendo a brisa do mar e o silencio da manhã. Li o Sumário – Apresentação de Alexandre e Cesária – o que me convenceu em ir frente, ler os demais contos destes personagens. Ai começou a criar animo novo. Ri a vontade e o aborrecimento desapareceu com estes contos engraçados que tira qualquer um do serio. Lendo cuja leitura não me deixa parar, lembrou-me do humorista Chico Anízio, com o seu quadro representando o “Pantaleão e Terta”, quando dizia “É verdade Terta? É Sim!” Todos estes contos engraçados selecionei a historia hilariante de “Um papagaio falador”, entre os demais narrados, “A safra dos tatus”, “O olho torto de Alexandre”, “A espingarda de Alexandre” a “Terra dos Meninos Pelados, que a nossa companhia Galharufas Produções de Teatro realizou uma peça com este titulo, no Teatro Barreto Junior, no bairro do Pina”.

 Vou descrever para todos o texto de “Um papagaio falador”

- “Quem principiou a história do papagaio foi Cesária, mas os homens se aproximavam da esteira onde ela cochilava com Das Dores e depois de alguns minutos Alexandre concluiu a narração. Cesária falou assim: - O nosso casamento foi pouco depois d vaquejada. Você se lembra, Das Dores? O caso da novilha se espalhou de repentente e o nome de Alexandre correu de boca em boca. Ele não disse isto porque não gosta de pabulagem, mas acredite que ficou o homem mais importante do sertão. Os fazendeiros tiravam o chapéu quando passavam por ele e cumprimentavam com respeito: - “Como vai à obrigação, major Alexandre”?” É isto, Das Dores. Alexandre num instante virou major. Meu pai era pessoa de muito cabedal, e todo mundo por aquelas bandas queria casa comigo. Eu não fazia conta de ninguém, mas quando Alexandre se apresentou, bem vestido e bem falante, quebrou em as forças. Vinha preparado, com um rebenque de cabo de ouro, esporas de ouro....

- Montado no bode? Perguntou Das Dores.

- Não, respondeu Cesária. O bode era para as vaquejadas. Vinha num cavalo baixeiro, arreado co arreios de ouro, espelhando. Só queria que você visse, Das Dores. Meu pai ficou muito satisfeito com o pedido e eu concordei logo”.: -” Se vossemecê acha que deve ser, está certo” Marcou-se o dia e preparou-se o enxoval, que foi uma beleza, Das Dores. Só queria que você visse. Um enxoval em que trabalharam todas as costureiras do lugar. A festa do nosso casamento durou uma semana. Muita dança, muita bebida, muita comedoria. Não ficou peru nem porco para semente. Veio o Vigário, veio o promotor, veio o comandante do destacamento, veio o prefeito. Meu pai estava-se estragando, mas era senhor de muitas posses e dizia:? – “Festa pé festa. Mais vale um gosto que quatro vinténs” Quando os derradeiros convidados se retiraram, fomos morar na nossa casa nova, uma casa bonita como as da cidade. E o pai de Alexandre deu a ele um baú cheio de moedas de ouro. Aí era preciso a gente tratar de vida. Eu vendia e comprava, dirigia as coisas direito. Sempre tive cadência para as arrumações. Mas a viagens e as transações de muito dinheiro que fazia era Alexandre. Na primeira viagem dele encomendei um papagaio. Queria um papagaio falador, custasse o que custasse. Agora você conta o resto, Alexandre.

- Não senhora, respondeu oi marido. Você começou a história? Então acabe.

- Não senhor, replicou Cesária. Comecei porque podia começar, mas acabar não acabo. Contei a minha parte, que dei a encomenda, mas quem comprou o papagaio foi você.

Depois de muitas razões, Alexandre se resolveu a tomar a palavra.

- Em vista disso, eu conto. Istoé, conto o fim da história, que o principio os senhores já sabiam. E nesse principio não acrescento nada, porque tudo quanto Cesária disse é pura verdade. Amarro o negócio no ponto em que ela ficou. Realmente esse caso não tem importância, e até nem sei como Cesária foi mexer nele. Papagaio é bicho besta, ninguém presta atenção a lorotas do papagaio. Esse era melhor que os outros, sem dúvida. Eu nem me lembrava dele,, como a patroa foi desenterra-lo, vá lá. Escutem. Estávamos na viagem, não é isto? Viagem do sertão à mata, para vender gado. Como era primeira que eu fazia, a separação foi custosa. Cesária chorou, deu-me conselhos, afinal se aquietou com a esperança de possuir um louro falador. Prometer eu não prometia, que não ia oferecer a minha mulher um bicho ordinário, mas se aparecesse coisa boa, Cesária estava servida. Separei o gado, escolhi os tangerinos, despedi-me da mulher depois de muitos poréns e tomei o caminho do sul, sempre aumentando a boiada com o que havia de melhor por àquelas redondezas. Aves de pena vi em quantidade, araras, ararões, e canindés, mas viventes de pouca fala. Procurei, pedi informações – não achei nada que servisse. Larguei a encomendada e decidi levar uma lembrança diferente para Cesária, volta de ouro ou corte de pano fino. Ora um dia de calor bati numa porta, com vontade de pedir água: - “Ô de casa”. Uma voz de homem perguntou lá de dentro: - “Ô de fora! Quem é?” E eu respondi: - “É de paz. O senhor faz favor de arranjar uma sede de água para um viajante.” – “Não posso, tornou a voz. Não posso porque estou amarrado” Espantei-me: - “Como? Quem amarrou o senhor? Diga, que eu dessamaro.” – “Não se incomode não moço, foi a resposta. Aqui em casa o costume é este.vivo acorrentado” – Nessa altura uma velha apareceu com um caneco de água e falou: - “Cala a boca. Deixa de tomar confiança com quem tu não conheces.” Bebi e ia agradecer quando percebi que ela se dirigia a um papagaio que batia as asas, na gaiola pendurada à parede. Não é que eu tinha sido embromado, comendo o bicho por gente. – “Sinhá dona, perguntei, vossemecê me vende este louro?” – “Não vendo não, moço, é de estimação.” Eu cantei a velha: - “Que seja de estimação não duvido. Mas pense direito, sinhá dona,. Quem tem vida morre. Se botarem mau-olhado nele, voossemecê fica sem mel nem cabaço. Eu pago bem. Faça preço no papagaio, dona”. A velha endureceu, depois chegou às boas e acabou pedindo pelo bicho um desproposito. Discutimos e findamos o ajuste, comprei o papagaio por quinhentos e cinquenta e quatro mil setecentos réis. Vejam que dinheirão. Quinhentos e cinquenta e quatro mil e seiscentos. Bem. Recebi a gaiola e fiquei atrapalhado. Como havia de leva-la numa viagem que ia durar meses? Depois de refletir, desocupei uma bolsa de roupa, fiz uns buracos nela e meti ali o papagaio, que protestou muito contrariado. Arrumei a bolsa no meio da uma carga e tocamos para frente. Onde andei e quanto ganhei não preciso contar, basta dizer que a boiada se vendeu e fiz bom negócio. Conheci homens de consideração e vi sobrados. Quando voltei, trazia um surrão cheio de ouro e cargas de mantimentos. Dei uma festa quase tão grande como a do casório. O povo da rua se admirou, me pai e meu sogro arregalaram os olhos. Eu de correntão no peito, eu lorde, mandando abrir caixas de bebidas. Quem quisesse beber bebia até cair. Dinheiro não faltava. Enfim tudo se acomodou, o pessoa saiu e nós fomos endireitar a casa, varrer, lavar, limpar, arranjar as coisas. Cesária passou o dia um dia arrumando a bagagem, abrindo malas e guardando troços nos armários. No meio do trabalho me chamou: - “Está aqui uma bolsa furada, Alexandre. Que é isto?” E eu lembrei: - “Ai, Cesaria! É papagaio. Tranquei o papagaio na bolsa. Coitado. Esqueci-me dele e o pobre viajou sem comer.” Corri mais que depressa e fui abrir a bolsa. Encontrei o infeliz nas  últimas, enrolado num canto, feito um pinto molhado. Cesária trouxe um pires de leite, mas era tarde, não havia jeito não. O Papagaio olhou para mim, balançou a cabeça, levantou-se tremendo, encorujado, e disse baixinho: - “Sim, senhor, seu major, isto não é coisa que faça”. Amunhecou e morreu. (Texto tirado do Livro Alexandre e outros heróis- de Graciliano Ramos – Editora Record – pag. 37/41)

Os outros heróis contados neste belo livro constam de “Uma pequena historia da Republica” de 1889, historiando os homens, os antigos senhores, os antigos escravos, os padres, os militares, a propaganda, a conspiração, o 15 de novembro e tantos outros assuntos pertinentes ao Brasil. 

Olhei para o relógio, onze e meia. Sai e fui até a praia encontrar o pessoal que ali estavam tomando uma cervejinha geladíssima, com petiscos, de marisco e agulhas fritas, uma delicia. Juntei-me a eles para alegria de todos, principalmente da menina que me saudou na chegada com abraços carinhosos.

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