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segunda-feira, 7 de maio de 2012

LIVRO DE BORDO





Por Carlos Sena (*)
  
Viajar é bom. Ver outros mundos, respirar outros ares é maravilhoso, inclusive pra gente sentir como é boa nossa cama, como é bom nosso “travecheiro”, como são inseparáveis nossos amigos, como insubstituíveis os nossos familiares. Nada como sair de casa para sentir saudades dela e sentir o seu valor enquanto “canto”, enquanto “cafofo” nosso de cada dia.

Os lugares são como as pessoas porque é por elas composto. Não há lugar bonito sem pessoas e talvez por isto as cidades abandonadas sejam feias. Porque nós quando nos abandonamos ficamos feios, quando somos abandonados ficamos horrorosos e quando perdemos esse sentimento ficamos no limbo na constituição do medo. Coisas do ser humano que há anos se busca e nem sempre se encontra. Coisas de gente que ama a e que odeia, que se acende e se apaga por nada. Mas que por tudo se encanta mesmo que em segundos se desencante.

Viajar é bom, mas ficar nem sempre é melhor. Melhor é ficar em Recife sendo mundo e levando o mundo consigo ir pra bem longe sem deixar Recife fora de você. Administrar essa construção é complexo. Mais parece a Sinfonia Dos Dois Mundos de Dom Helder Câmara. Ele entrou nessa prosa porque hoje, em plena missa no Santuário de Aparecida do Norte eu me lembrei dele. Quanta riqueza em volta! Será que ele mandaria a igreja vender aquilo tudo e dar aos pobres como o fez com o Papa Paulo VI? Ele disse isto a ele, assim, na lata. Mas acho exagero dele, pois apesar dos pesares a liturgia católica se monta em cima da pompa e, sem ela, não seria possível liturgia. Já imaginou uma missa cantada sem o aparato solene que ela congrega em volta?

Viajar talvez seja isto: revitalizar um pouco nosso ângulo de visão, inclusive vendo a mesma coisa mais de uma vez. Acho digno. Não deixo de ir a Rua 25 de março sempre que venho a Sampa. Ao mercado Municipal muito menos. Lá tudo acontece, inclusive nada. Lá tudo se compra ou não se compra. Acho São Paulo um Estado de Graça, incomparável ao meu Pernambuco que é um estado de Espírito.

Não gosto de viajar em função do excepcional. Nem de me cansar em nome de férias ou de passeios turísticos. Se assim fosse me sentiria burro, principalmente nesta altura da vida quando se devem buscar muito mais a lógica do CUSTO X BENEFÍCIO de tudo. Por isto gosto de ser leve, quando os mais jovens dizem light. Sossegado, quando eles dizem sussa. Mas a gente não estudou na mesma facu e, deste modo, daremos o recíproco desconto. Como, diante do que vi em plena praça da Sé? Um bando de estudantes, diante do marco zero da cidade, ficaram sem saber o que era aquilo. Um dizia uma coisa, outro dizia outra. Eu do lado nada disse, mas tive vontade. Mas se eu dissesse seria deselegante e isto a gente nunca deve ser. Mas agora eu escrevo porque eles, amanhã, certamente estarão na Facu, bem sussa: aquilo ali, nobres universotários é o ponto zero da cidade. Onde tudo começa, onde os números da ruas são contados e a quilometragem que organiza a polis. O marco zero é uma instância cultural, como que significando que ali, os antecedentes sonharam com uma cidade que tivesse a cara deles, etc.

Mas o mundo só é bom por isto. As idades tem seus encantos. Os cantos tem seus desafinados trinados e afinados acordes. Neles eu me acordei pra vida, lá na minha pequena terra natal de Bom Conselho de Papacaça. Fiquem sussa. Eu gosto da moçada boa que freqüenta as Facu... Viajar é isso? Talvez.

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 29/04/2012

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