Por Carlos Sena (*)
Um dia senti dentro de mim que meu destino era igual ao da lua. A diferença é que eu, pra ser parecido com ela deveria encantar e brilhar e continuar a não ser de ninguém. Meu destino, independente da lua seguiu em busca de um lugar ao sol. Saí da minha pequena cidade do interior cheio de sonhos por todos os lados e, diferente de uma ilha que se cerca de água eu me sentia cercado de medo e de solidão por todos os lados. Afinal, sair da minha Bom Conselho para enfrentar a capital não era fácil. Foi a minha primeira ruptura rumo aos destinos, senão o da lua, mas o meu, que apenas buscava um lugar ao sol.
De repende eu estava lá na rodoviária do Cais de Santa Rita tendo Recife aos meus pés. Parei olhando aquela paisagem simples que apenas escondia a beleza dos rios e das pontes que ficavam do outro lado da cidade. No trajeto, eis que Recife se desnuda em minha frente, literalmente. As pontes que eu via nos livros de escola estavam ali, feito miragem. Eu não dizia pra ninguém que estava sentindo o que estava sentindo porque nem mesmo eu sabia traduzir. Hoje eu posso: o sentimento foi igualzinho àquele momento de Déjà vu, ou seja, a gente tem a impressão de que já viveu aquele momento! De repente, do alto da minha ingenuidade interiorana me respondi: “aqui é o meu lugar!” E não só foi como é a cidade que escolhi pra viver e amar... O passar do tempo me mostrava os outros Recifes não tão belos, mas ricos de sabedoria...
A primeira vez que vi o Mercado de São José fiquei encantado. Coloquei logo meus sonhos a venda em forma de artesanato, mas quem iria comprar ilusões? Adentrei serelepe na Igreja da Penha dos padres franciscanos e lá, feito ermitão sem destino entreguei os meus anseios, rezei baixinho a reza dos fracos, dos que tem medo da cidade grande, pedindo fortaleza e destemor pra conviver com a selva de pedra. No bairro de Santo antonio, adentrando a capela dourada, não me fiz rogado: luzes, brilho, arte, fé, tudo junto num pacote aos meus joelhos. Não tive dúvidas na minha leitura: RECIFE era meu canto, nem tanto gregoriano, mas papacaceiro em busca de sol, de lua e de alegria.
No chão do recife estava traçado o meu destino, certamente alguns desatinos. Nas pontes do Recife o meu elo com o passado e o futuro. Da Ponte da Boa Vista avistei Olinda. O farol me saudava como que a me dar boas vindas... E eu olhava pro mar lembrando as lições do grupo escolar quando, liricamente, as professoras contavam as histórias que deram o nome de Olinda – Oh! Linda situação para uma cidade!
O dilema de amar Recife é o aquele de quem tem dois amores. Não se ama Recife sem Olinda, mas se ama Olinda desde que não se deixe de amar o Recife. Recife de dia está acordada, Olinda de noite dorme – talvez uma artimanha do destino como nos querendo dizer que uma zela a outra enquanto a outra dorme. Mas quem ficar a cordada nina a que está dormindo... “Olinda, quero cantar, a ti esta canção. Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar”... “Vejo o Recife prateado à luz da lua que surgiu/ Há um poema aos namorados/No céu e nas águas dos rios”...
O tempo passou e fiel a Recife me mantenho. E o meu destino da lua? E o meu lugar ao sol?
Fui ver no mercado de São José se meu destino estava à venda misturado às quinquilharias artesanais, mas não estava. O vendedor me disse que procurasse por ele nas ruas do Recife, nos bares, nos morros, nas escolas, nas faculdades, nas igrejas, nos mangues, nos BECOS como o da fome, nos alagados, nos ônibus, no ritmo do frevo de bloco... Esperei o sol sair e procurei meu lugar - afinal, eu saí da minha terra pra buscar um LUGAR AO SOL. Mas o sol se escondia na rua dele a do Sol e nascia na Rua da Aurora... Perguntei ao Rio Capibaribe que divide os dois ao meio (pra não ter confusão): “Capibaribe, por acaso viste meu lugar ao sol?” Então ele me respondeu: quem nasce em Recife não precisa de lugar ao sol! Mas eu não nasci em Recife, Capibaribe, e agora? "Vista-se de dourado e cante pra todo mundo ouvir: “Eu sou o sol, sou eu que brilho, pra você meu amor”... E eu acreditei. Eu poderia ser o sol e o meu amor, certamente, era o R E C I F E.
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(*) Publicado no Recanto de Letras em 13/03/2012
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