Melhor ator de O Artista |
Por Zé Carlos
Se eu tenho uma história em comum com a Lucinha Peixoto e com o Roberto Almeida é aquela de me considerar um cinéfilo. Com a Lucinha, pela convivência, cada dia menos frequente no pessoal, embora sempre existente pelos contactos eletrônicos. Com o Roberto Almeida pela sua coluna, em seu excelente blog, sobre filmes, onde ele mostra um gosto comum pela arte cinematográfica, comigo.
Li há poucos dias um artigo da Lucinha sobre a Dama de Ferro. Não direi muita coisa pois se elogiá-la muito, meus amigos enganados irão dizer que “elogio em boca própria é vitupério”, e isto vai apenas irritar mais minha colega e amiga, que merece ser elogiada ou criticada pelas suas ideias e não desejando sua morte. Um texto muito bom, o dela (ver aqui) do qual eu tenho apenas uma discordância venial. Eu penso que mostrar a Lady Thatcher em seu estado terminal não é uma grande falha do filme, principalmente, pelo desempenho magistral da atriz que a representa.
E foi neste texto que pensei ao sentar e escrever sobre 3 ótimos filmes que assisti nos últimos dias: Histórias Cruzadas, A Dama de Ferro e O Artista. Todos “oscarizados” e vencedores da academia, que merecem serem vistos por todos que como nós, os citados, que gostam de cinema.
Antes de descer aos filmes citados eu apenas tentarei explicar um pouco como foi o meu interesse pelo cinema, tendo a certeza também que isto se aplica a muitos da minha idade, que hoje já têm o privilégio de chegar na bilheteria e comprar meia entrada.
Eu não sei que idade tinha quando fui apresentado pela primeira vez ao cinema. Só sei que a pessoa que me levou lá, não conseguiu assistir ao filme todo, porque eu comecei a chorar com medo do escuro. Algum tempo depois, pela influência dos colegas de infância eu fui à matinê, que era a tarde e a escuridão era menor e comecei a gostar da coisa. Tudo isto no nosso saudoso Cine Rex, onde hoje, por obra e graça de prefeitos modernistas é um mercado de carne. Como sofreu nossa arquitetura nos últimos tempos.
A partir desta introdução, nós crianças em Bom Conselho, tínhamos o nosso trabalho regular, que era ir para a escola, e depois “pernas pro ar que ninguém é de ferro”. E era neste programa de pernas para o alto que começamos a aprender a gostar de cinema. Primeiro, as matinês, depois as seções de sábado e as reprises das matinés, e depois durante a semana, nas terças, quintas, sábados e domingos, ou até onde desse o dinheiro curto e mirrado que eu tinha.
Talvez até tenha sido por este gasto exorbitante que não me incomodasse muito em trabalhar numa mercearia aos sábados e prover com o meu ganho minha vontade de ver como se resolveriam os “perigos da série”, que eram recorrentes aos sábados.
A discussão de como o artista agiria para se livrar das artimanhas dos bandidos já era um expediente clássico de nossa cultura infantil. E com o conhecimento e a idade, eram nos filmes que formavam uma parte do nosso caráter, o qual nunca incluía chutes e pontapés, isto é coisa moderna. Naquele tempo era soco no olho e no queixo. Até hoje nunca dei muitos socos, a não ser nas mesas, em algumas situações, sem querer dizer aqui que o cinema não nos influencia, porque ele o faz, e muito.
Porém, apesar de ter milhões de coisas para contar, basta de intróito. Foram os filmes citados acima que me levaram a escrever. O primeiro, Histórias Cruzadas merece ser visto por todos que, mesmo não gostando da arte, se envolvem com questões referentes a preconceito, racismo e exploração entre humanos.
Mesmo se passando nos Estados Unidos, onde a discriminação racial é um pouco diferente da nossa, temos muitas lições tiradas do filme, que se aplicam muito bem aqui, e até mesmo envolve coisas que extrapolam questões de raça em si. A atriz que ganhou o Oscar 2012 (e não colocarei aqui nomes, pois meus neurônios já não gravam tudo e pesquisar na internet é pau) de Melhor Atriz Coadjuvante, penso eu, só não ganhou o prêmio de Melhor Atriz porque ela não era a protagonista.
Se o filme não tivesse mais nada, a traquinada da negra discriminada cagando na torta da patroa discriminante e observando ela comer, com um ar imenso de satisfação, sua bosta também discriminada, já pagaria a meia-entrada do cinema. A reação da branca de nariz de cadáver quando soube disto, pagaria a outra meia-entrada, de minha parceira de cinema. Hoje eu só posso dizer aos que discriminam, que há ainda muita bosta de discriminados sobrando por aí.
E aí as histórias cinematográficas deixam de se cruzarem e eu mudo para meditar sobre A Dama de Ferro. E não vou aqui abordar o tema do ponto de vista do filme, mas daquele em que pensei quando o vi, que foi o meu contacto com a Era Thatcher. E nisto pensei por muitos momentos assistindo-o, além de ver também a beleza de interpretação da atriz e dos outros atores.
Quando eu nasci, a segunda grande guerra já havia acabado. De lá para cá o Brasil não entrou em mais nenhuma guerra, pelo menos que se possa chamar mesmo de guerra. Mas, eu vivi num país em guerra. Foi na Inglaterra, onde passei 4 anos estudando e curtindo também coisas do país, quando ainda a União Europeia ainda era quase um sonho. E foi neste país estranho para qualquer brasileiro, que também vivi quase 2 anos de governo da Dama de Ferro, que foi um período onde os ingleses estavam em guerra contra o Iraque.
Eu não estudei história inglesa e nem estive lá para isto. Apenas sentia o clima político dos estertores do seu governo naquilo que me atingia, como ter que pagar um imposto (poll tax), onde o que eu pagava era o mesmo que pagavam os ingleses ricos. No filme há uma passagem sobre a revolta popular contra este imposto, e até um telejornal, que eu assistia, e que, se ainda confiasse nos meus neurônios eu diria que já o tinha visto. Foi o clima em que vi o filme, um pouco de reminiscências.
O filme é excelente e o difícil mesmo é julgar a Margaret Thatcher como política. Entretanto, pelo seu desempenho diante de tantos homens, enfrentando o preconceito que lá ainda existe, e que tanto vi pela televisão, é difícil julgá-la mal. Os embates que ela travava no parlamento foram para mim o ápice do que vi de debates políticos, mesmo não os entendendo completamente, tanto pela língua quanto pelo assunto. Aliás, o tempo em que lá estive, foi o único em que vi TV sem sentir a culpa por não estar perdendo o meu tempo. Mesmo que os programas fossem ruins eu convencia a mim mesmo que estava aprendendo inglês. Era só uma parte da verdade. E tenho que dizer, os programas da TV de lá eram muito melhores do que os da TV aberta daqui, embora eu também goste das novelas, com algumas exceções, como Fina Estampa, por exemplo.
Para me certificar de certas datas, eu fui à internet e li um pouco sobre o governo da Dama de Ferro (esta atividade é quem patrocina nosso blog). Lá, além do que procurava encontrei uma frase sua sobre o Brasil que vendo aqui pelo preço que comprei, sem perguntar sua verdadeira origem:
“Parece-me bem claro que o Brasil não teve ainda um bom governo, capaz de atuar com base em princípios, na defesa da liberdade, sob o império da lei e com uma administração profissional. Bastaria um período assim, acompanhado da verdadeira liberdade empresarial, para que o país se tornasse realmente próspero.”
Pode-se até discordar dela um pouco, no varejo, mas, no atacado, quem sou eu para discordar da Dama de Ferro.
Mas, ambos os filmes comentados, estão longe de se compararem ao O Artista.
Eu não fui do tempo do cinema mudo, porém, adorava ver o cinema mudo, levado pelos filmes do Carlitos e tantos outros que me lembro das cenas mas não dos nomes nem dos atores. O Artista é um filme mudo, em preto e branco, no estilo mais clássico que eu já vi. E por isso, talvez, a afluência de público, mesmo sendo ele vencedor do Oscar, não é a mesma de outros “oscarizados” deste ano.
E em seu início, eu quase dei razão a minha mulher que dizia antes: “Assistir a um filme em preto e branco e ainda por cima mudo, ninguém merece.” Eu resisti à tentação de ir à sala vizinha ver um filme em 3D. E, como ia dizendo, no início do filme eu pensei: Realmente, minha parceira cinematográfica, e de outras coisas, tinha razão. E o filme foi seguindo, e o pensamento mudando, o interesse despertando, até que rolaram as primeiras lágrimas. Já era tarde, o filme já havia me cativado e minha esposa já mudara de opinião. É o que posso chamar de cinema em estado puro ao nível de arte.
Quando um filme mudo ganha o Oscar de melhor trilha sonora original, é porque teria que ganhar também o de roteiro original e a de melhor diretor. É um filme para todas as idades e mentes, e que mereceu cada estatueta que levou.
Eu faria apenas uma ressalva quanto ao prêmio dado ao principal ator de Melhor Ator. Ele deveria ter ficado com o segundo lugar. Porque o Oscar deveria ir para o cachorrinho que é o responsável pelos melhores momentos deste grande filme. Portanto, não tenham preconceito nem com o preto, nem com o branco e nem com o mudo, vejam o filme que vocês sairão do cinema coloridos, falantes e até escrevinhador, como eu.
Caro amigo,
ResponderExcluirBelo texto. E eu ainda não assisti ao O Artista, mas, tentarei vê-lo ainda, antes que saia de cartaz. Apesar da discordância, obrigada pela referência ao meu texto. Um abraço de quem sobe a serra.
Lucinha Peixoto (Blog da Lucinha Peixoto)
Excelente filme, merecedor dos prêmios recebidos.
ResponderExcluirZé Carlos, qual a sua opinião sobre o filme "Cinema Paradiso"?, não lembra o cine Brasília com seu Chiquinho a passar os filmes?. Filmes que emocionam e nos remetem a tempos passados e jamias esquecidos.
Caro Ablon,
ExcluirPelo sua pergunta você é mais jovem do que eu, pois se assim não fosse falaria só de Chiquinho e não do cine Brasília. Os mais velhos como eu ainda lembram de Chiquinho no cine Rex, e em ambos os lugares lembrava muito o Cinema Paradiso, embora eu não me lembre muito bem mais do roteiro completo.
Ontem fui ver a Invenção do Hugo Cabret, que é um filme muito bom, com todos os recursos do cinema moderno, em termos de produção (e nem falo do 3D pois isto eu já via no cine Rex, com óculos azul e branco). Tambem vale a pena ser visto embora eu tenha preferido O Artista.
Obrigado por comentar o meu texto.
Zé Carlos
Também considero um bom filme, Ganhador do Oscar nas seguintes categorias:
ResponderExcluirFotografia; Direção de arte; Edição de som; Mixagem de som; Efeitos visuais. Prêmios técnicos, na minha opinião, deveria ter ganho o prêmio de melhor diretor com Martin Scorsese.
Outro bom filme é “Meia noite em Paris” de Woody Allen.