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sábado, 1 de outubro de 2011

O relatório do STF e o rabo do cachorro




Por Zezinho de Caetés

Meus amigos e amigas. Hoje acordei enviesado e começo pelo fim, ao contrário do que sempre faço. Leiam o seguinte texto, e se não adivinharem de quem ele é, e se chegarem vivos até o fim (já ia dizer “fim da picada”, mas me contive), então leiam um pouco de mim, saibam o nome do autor.

“A Justiça no Brasil vai mal, muito mal. Porém, de acordo com o relatório de atividades do Supremo Tribunal Federal de 2010, tudo vai muito bem. Nas 80 páginas – parte delas em branco – recheadas de fotografias (como uma revista de consultório médico), gráficos coloridos e frases vazias, o leitor fica com a impressão que o STF é um exemplo de eficiência, presteza e defesa da cidadania. Neste terreno de enganos, ficamos sabendo que um dos gabinetes (que tem milhares de processos parados, aguardando encaminhamento) recebeu “pela excelência dos serviços prestados” o certificado ISO 9001. E há até informações futebolísticas: o relatório informa que o ministro Marco Aurélio é flamenguista.

A leitura do documento é chocante. Descreve até uma diplomacia judiciária para justificar os passeios dos ministros à Europa e aos Estados Unidos. Ou, como prefere o relatório, as viagens possibilitaram “uma proveitosa troca de opiniões sobre o trabalho cotidiano”. Custosas, muito custosas, estas trocas de opiniões. Pena que a diplomacia judiciária não é exercida internamente. Pena. Basta citar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo. Nenhum ministro do STF, muito menos o seu presidente, foi ao velório ou ao enterro. Sequer foi feita uma declaração formal em nome da instituição. Nada. Silêncio absoluto. Por que? E a triste ironia: a juíza foi assassinada em 11 de agosto, data comemorativa do nascimento dos cursos jurídicos no Brasil.

Mas, se o STF se omitiu sobre o cruel assassinato da juíza, o mesmo não o fez quando o assunto foi o aumento salarial do Judiciário. Seu presidente, Cézar Peluso, ocupou seu tempo nas últimas semanas defendendo – como um líder sindical de toga – o abusivo aumento salarial para o Judiciário Federal. Considera ético e moral coagir o Executivo a aumentar as despesas em R$8,3 bilhões.

A proposta do aumento salarial é um escárnio. É um prêmio à paralisia do STF, onde processos chegam a permanecer décadas sem qualquer decisão. A lentidão decisória do Supremo não pode ser imputada à falta de funcionários. De acordo com os dados disponibilizados, o tribunal tem 1.096 cargos efetivos e mais 578 cargos comissionados. Portanto, são 1.674 funcionários, isto somente para um tribunal com 11 juízes. Mas, também de acordo com dados fornecidos pelo próprio STF, 1.148 postos de trabalho são terceirizados, perfazendo um total de 2.822 funcionários. Assim, o tribunal tem a incrível média de 256 funcionários por ministro. Ficam no ar várias perguntas: como abrigar os quase 3 mil funcionários no prédio-sede e nos anexos? Cabe todo mundo? Ou será preciso aumentar os salários com algum adicional de insalubridade?

Causa estupor o número de seguranças entre os funcionários terceirizados. São 435! O leitor não se enganou: são 435. Nem na Casa Branca tem tanto segurança. Será que o STF está sendo ameaçado e não sabemos? Parte destes vigilantes é de seguranças pessoais de ministros. Só Cézar Peluso tem 9 homens para protegê-lo em São Paulo (fora os de Brasília). Não é uma exceção: Ricardo Lewandovski tem 8 exercendo a mesma função em São Paulo.

Mas os números continuam impressionando. Somente entre as funcionárias terceirizadas, estão registradas 239 recepcionistas. Com toda a certeza, é o tribunal que melhor recebe as pessoas em todo mundo. Será que são necessárias mais de duas centenas de recepcionistas para o STF cumprir suas tarefas rotineiras? Não é mais um abuso? Ah, abuso é que não falta naquela Corte. Só de assistência médica e odontológica o tribunal gastou em 2010, R$ 16 milhões. O orçamento total do STF foi de R$ 518 milhões, dos quais R$ 315 milhões somente para o pagamento de salários.

Falando em relatório, chama a atenção o número de fotografias onde está presente Cézar Peluso. No momento da leitura recordei o comentário de Nélson Rodrigues sobre Pedro Bloch. O motivo foi uma entrevista para a revista “Manchete”. O maior teatrólogo brasileiro ironizou o colega: “Ninguém ama tanto Pedro Bloch como o próprio Pedro Bloch.” Peluso é o Bloch da vez. Deve gostar muito de si mesmo. São 12 fotos, parte delas de página inteira. Os outros ministros aparecem em uma ou duas fotos. Ele, não. Reservou para si uma dúzia de fotos, a última cercado por crianças. A egolatria chega ao ponto de, ao apresentar a página do STF na intranet, também ter reproduzida uma foto sua acompanhada de uma frase (irônica?) destacando que o “a experiência do Judiciário brasileiro tem importância mundial”.

No relatório já citado, o ministro Peluso escreveu algumas linhas, logo na introdução, explicando a importância das atividades do tribunal. E concluiu, numa linguagem confusa, que “a sociedade confia na Corte Suprema de seu País. Fazer melhor, a cada dia, ainda que em pequenos mas significativos passos, é nossa responsabilidade, nosso dever e nosso empenho permanente”. Se Bussunda estivesse vivo poderia retrucar com aquele bordão inesquecível: “Fala sério, ministro!”

As mazelas do STF têm raízes na crise das instituições da jovem democracia brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles. E deveria ser o mais importante. Ninguém entende o seu funcionamento. É lento e caro. Seus membros buscam privilégios, e não a austeridade. Confundem independência entre os poderes com autonomia para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por justiça. Consideram uma intromissão.”

Na maioria da vezes, os que gostam de política com eu, só prestamos atenção nos poderes relacionados diretamente a eleições, que em nossa República são o Executivo e o Legislativo. Este texto do Marco Antonio Villa publicado no O Globo, nos chama atenção para o fato de que podemos estar errados.

O poder Judiciário é uma das pernas da nossa república, que são quatro, se contarmos com a outra da qual modestamente fazemos parte, que é a imprensa. E, ironicamente, uma Democracia moderna, só anda bem quando anda de quatro pés. O texto anterior fala de uma deles, do ponto de vista de um dos outros.

Chega a ser deprimente e chocante, as atrocidades que se cometem com o dinheiro público neste país. Um relatório como este, que eu não vi, mas, o Villa viu, e descreve é um escárnio. Eu não sou muito a favor do Bolsa Família, nos moldes em que ela é usada para endeusar alguns, mas o dinheiro gasto num relatório como este teria mais serventia neste programa.

Jamais me passou pela cabeça dar um tiro num dos pés da república. Mas, que o pé representado pelo judiciário, se já estava gangrenado, por outras mazelas, este relatório é mais um saco de bactérias em cima da ferida. O poder judiciário é tão importante quanto os outros poderes, e não pode adoecer e deixar o corpo cair. Ele não é o principal poder, mas é o que mais concorre para que os outros se mantenham sadios, lépidos e fagueiros.

É um sonho utópico que ele não passa pela política, e pela mesma política que os outros passam, isto é verdade. Mas, é ele, o poder judiciário, que se traveste de não  político, para que a política não seja tão suja quanto podem ser os homens em seus apetites pelo poder. Um juiz, um promotor, um defensor público, um ministro das cortes, se supõe que sejam apartidários, neutros, lisos, isentos mesmo dentro dos seus princípios, que deve se curvar á lei e à justiça.

Seguindo um pouco o que o jornalista citou, como um exemplo, o ministro Marco Aurélio, por ser flamenguista, jamais poderia dizer que Ronaldinho foi melhor em campo no jogo desta semana da seleção brasileira, sem se livrar primeiro de sua toga, que representa tudo que ele é como poder. Talvez o Lula possa dizer, como torcedor do Corínthians, que o melhor tenha sido um jogador deste time, sem tirar seu terno do Armani. Mesmo assim deveria ficar calado. O Romário, que é deputado pode fazer o mesmo, embora não devamos acreditar. Mas, toga é toga e não deve ser manchada por vaidades bobas de aparecer num relatório que, certamente, irá para o lixo.

Fica isto para nossa reflexão. Se nossa república é um bicho de quatro pés, um cachorro, por exemplo, eu considero que os Blogs, mesmo fazendo parte de um pé, genericamente, ele são o rabo do cachorro. Sempre ocorreu que o cachorro é que balança o rabo, mesmo quando cai no chão doente e enfermo. Chegou a hora do rabo balançar um pouco o cachorro para ver se ele acorda, e se mantém com todos os pés sadios e de pé. Divulgar este texto do Villa faz parte do balanço.

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