“Oremos
Por Ana Carla Abrão
Há alguns anos, ainda como secretária de Fazenda do Estado
de Goiás, ouvi de um empresário uma afirmação que vale repetir aqui. No meio de
uma reunião em que se discutia o custo Brasil, o aumento da carga tributária ao
longo dos anos e as dificuldades fiscais dos Estados, ele me olhou e disse:
‘Secretária, nossa carga tributária é de fato elevada, mas quem me dera se os
tributos no Brasil só me custassem a carga tributária. Eles me custam muito
mais do que isso’.
Essa afirmação diz muito sobre a esquizofrenia tributária
que vivemos no Brasil e sobre as dificuldades e ineficiências de um sistema
complexo e disfuncional. Uma infinidade de regras e normas dão conta de
tributos e contribuições que se sobrepõem e que se entrelaçam com alíquotas
distintas, numa miríade de regimes especiais, isenções setoriais e incentivos fiscais
regionais. O resultado, além das distorções alocativas e da regressividade
conhecidas, é um enorme contencioso tributário, que corre em instâncias
administrativas e judiciais Brasil afora. Isso significa incorrer em custos
para reduzir o custo das regras, mas também mais custo para conseguir
cumpri-las e depois muito mais custo em caso de descumprimento (ou suspeita),
seja ele proposital ou não, devido ou não.
Além disso, um sistema complexo e oneroso como o nosso tem
outros desdobramentos, sendo o mais perverso deles a possibilidade de alguns –
aqueles com maior poder de pressão – obterem um tratamento diferenciado.
Afinal, a carga elevada, o número crescente de impostos e contribuições e a
dificuldade em se manter em conformidade com tantas regras, são argumentos
legítimos para se defender uma exceção, via isenção ou a redução de carga
tributária. Os motivos são sempre nobres: proteção dos empregos,
desenvolvimento de um determinado setor, o exercício de uma função social
relevante, etc.
Mas o Brasil de hoje vive de exceções, não de regras. Todos
querem ser diferentes perante a lei, ignorando que i) alguém vai pagar por
isso; ii) um tratamento fiscal diferenciado só se justifica mediante uma
rigorosa avaliação de impacto que comprove sua adequação (econômica e social),
dê transparência à origem de recursos que vão financiá-lo e demonstre as
especificidades e diferenças que justificam um tratamento distinto frente a
outros potenciais beneficiários. Afinal, leis e normas são feitas para todos e
as exceções devem ser claramente documentadas, explicadas e as contrapartidas
para a coletividade – principalmente nos custos – precisam ser divulgadas.
Pois o ano mal começou e já temos de lidar com a defesa de
mais uma exceção. Trata-se da ampliação de privilégios para templos religiosos,
já amplamente beneficiados por isenções fiscais. Desde a Constituição de 1988,
a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios são proibidos de
instituir impostos sobre templos de qualquer culto. Ou seja, já gozam de imunidade
tributária graças a uma previsão constitucional que proíbe a cobrança de IPTU
(Imposto Predial e Territorial Urbano), Imposto de Renda sobre o que arrecadam
em dízimo, IPVA (Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores) sobre os
veículos que possuem e ISS (Imposto Sobre Serviços). Nos casos de isenção, é
necessário que haja aprovação de lei complementar. Foi o caso do PLP 55/2019,
aprovado em dezembro do ano passado pelo Senado Federal, autorizando os Estados
a isentarem templos religiosos e entidades beneficentes de ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços) até 2032.
A ampliação das benesses, apoiada pelo presidente que tem
nos evangélicos uma das suas principais bases de apoio, viria agora por meio de
subsídios nas contas de luz dos templos religiosos de grande porte. Não
surpreende o pleito que, como vimos acima, se tornou uma prática comum nos
últimos anos. O que surpreende é que os que o defendem não se sintam
constrangidos ao fazê-lo. Repassar para a população mais um pedaço da conta
daqueles que já são privilegiados, é pedir mais uma parcela de sacrifício a
quem já vem pagando muita conta que não é sua.
Além disso, aprofundam-se as distorções em um setor que
deveria estar na direção contrária, diminuindo os subsídios que hoje chegam à
casa dos muitos bilhões e que tornam a conta dos simples mortais muito mais
cara do que deveria ser. Mas, à esta altura, com partes do governo e do
Congresso defendendo mais uma vez o indefensável, só o que nos cabe é gritar e,
para os que creem, orar (sem subsídios adicionais) para que a racionalidade
impere sobre o clientelismo.”
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