“Digitalização, demografia e desigualdade
Por Silvio Meira
Décadas de inovação redesenham sociedades e mudam tudo. Mas
políticos– e políticas – demoram a responder a desafios, ignoram mudanças,
tentam centralizar o poder e buscam novas formas de controle. Foi assim na
Revolução Industrial e é agora. Mas revoluções provocam e dependem de ações de
Estado; no Reino Unido, a revolução industrial levou à democracia, educação
pública e sindicatos.
Ainda estamos no estágio em que a revolução digital está se
estabelecendo, com suas tecnologias-chave começando a atingir os patamares que
possibilitarão em larga escala as mudanças que já vemos aqui e ali. Mas a
digitalização já é uma das três forças mais poderosas reconfigurando o mundo,
juntamente com a demografia, onde há mudanças dramáticas na pirâmide
populacional, e a desigualdade, que cresce há 40 anos, e é inaceitável.
Massa de desempregados no Brasil por vezes só encontra vaga
em posições que serão substituídas por máquinas, como operadores de
telemarketing
No mundo ideal, essa seria a hora da digitalização ser usada
para atender as novas demandas da demografia e compensar as desigualdades que,
em parte, são criadas pelo digital. O problema é urgente: estudo recente mostra
que 60% do trabalho feito no Brasil tem probabilidade de 70% de ser
computadorizado nas próximas décadas. Das 10 ocupações com mais empregos formais,
cinco têm probabilidade de automação maior que 90% e respondem por 7,8 milhões
de vagas: operadores de caixa, com 823 mil empregos, tem 97% de chance de serem
substituídos por máquinas. Operadores de telemarketing, 99%. É uma
digitalização que pode desempregar 8 milhões de pessoas no curto prazo,
aumentando a desigualdade. Por outro lado, promete-se aumento radical da
produtividade, que pode criar muitas outras oportunidades. Mas o problema é o
curto prazo e, para as pessoas, o curtíssimo.
Aqui é onde o problema pode se transformar em oportunidade.
Cada indivíduo vai se movimentar para resolver seu problema em particular, mas
as dificuldades serão gigantescas. Se o Estado não intervir agora, terá que
intervir mais tarde, para conter e tratar uma crise aguda de desemprego,
desigualdade, até violência social.
Mas... como está o Brasil? Cuidando de uma agenda do
passado, que deveria ter sido resolvida há décadas. É um esforço essencial, mas
deveríamos estar cuidando do futuro. Sem nenhuma estratégia digital de país, os
desempregados pelo digital não terão trabalho na economia digital. Quem ainda
não está no mercado não está sendo preparado para o futuro, também digital.
Seus destinos serão as periferias da economia e da sociedade. É onde mora o
perigo de resolver os problemas do passado e ir para nenhum futuro – ou um onde
a desigualdade será maior. Sabendo, agora, o que temos que fazer, por que não
fazemos?”
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