“É possível blindar a economia?
Por Zeina Latif
O presidente Bolsonaro tem rompantes autoritários e seu
governo, apesar dos importantes avanços na economia, desfere ataques a valores
democráticos. Falta-lhe autocontenção e disposição ao diálogo.
O perfil do presidente vai ao encontro dos anseios de uma parcela
da sociedade indignada com a crise econômica e com aquilo que muitos chamam de
crise moral. As falhas das instituições reduziram o apreço de muitos pela
democracia.
Como já sabido, esse fenômeno é global e não é novo. Crises
econômicas costumam ser catalisadoras de governos populistas, nacionalistas e
autoritários.
Foi assim na crise de 1930. Getúlio Vargas combatia com
repressão e violência seus opositores, impunha uma constituição autoritária,
conduzia a propaganda estatal de terror aos comunistas e definia a “cultura
popular”. Enquanto isso, a Ação Integralista Brasileira, de pendor fascista,
conquistava adeptos.
O contexto histórico atual é outro. A democracia, agora de
massas, é mais madura e as instituições mais robustas. Por isso mesmo, há um
racha entre analistas na avaliação da ameaça de Bolsonaro à democracia. Alguns
acham que os freios e contrapesos funcionam bem e outros acham que,
paulatinamente, haverá o esgarçamento das instituições, na linha defendida por
Steven Levitsky.
Qualquer que seja a resposta, ambos os lados reconhecem
existir o problema. Má notícia, especialmente em um país com tantos desafios
para aprimorar as instituições democráticas e promover a igualdade de
oportunidades. Como aponta Claudio Couto, a postura do presidente estressa o
funcionamento das instituições – Congresso, judiciário, imprensa –, que agem
para conter os equívocos do governo, desperdiçando energia que poderia ser
utilizada para o avanço de pautas progressistas.
A ideologia também penaliza as políticas públicas, que
muitas vezes carecem de embasamento técnico.
Na economia, a dinâmica mais favorável no curto prazo está
contratada, por conta de acertos do passado recente que permitiram a queda dos
juros pelo Banco Central. Porém, não há como garantir a blindagem da política
econômica e da agenda de reformas.
A reforma da Previdência não serve de parâmetro, em que pese
o grande mérito do Ministério da Economia. A reforma da Previdência era
inevitável, o que foi compreendido por Bolsonaro e pelo Congresso. O
presidente, em várias oportunidades, lamentou ter de fazê-la, por falta de
opção.
Apesar de utilizar o receituário de Paulo Guedes como cartão
de visitas, não é novidade que o presidente impõe restrições à agenda liberal,
pois reduz bastante o escopo das privatizações; prestigia corporações e grupos
de apoio (como militares); e preserva regras que ferem a agenda liberal (como o
tabelamento do frete).
O presidente tem emitido sinais de menor apetite para
reformas e, muitas vezes, passa por cima de recomendações técnicas de seus
auxiliares, como para a redução do subsídio no uso da rede de transmissão e
distribuição pela energia solar (não se trata de “taxar o sol”). Também
inviabiliza medidas pelo descuido no seu encaminhamento, como na meritosa
proposta de extinção do DPVAT, em que a justificativa técnica foi ignorada.
É possível traçar alguns paralelos com o governo Lula.
Bolsonaro deu continuidade a iniciativas do governo anterior, mas sem
reconhecer publicamente. Um desavisado acreditaria que ele sucedeu a Dilma, e
não a Temer. Lula fez algo parecido. Falava em “herança maldita” de FHC,
enquanto Antonio Palocci continuava a obra de Pedro Malan.
Na primeira crise política e surfando a melhora da economia,
Lula rasgou os manuais e mergulhou no nacional-desenvolvimentismo. O segundo
mandato foi de retrocessos, deixando terrível herança para Dilma, que a
aprofundou, sacrificando gerações.
O apreço à democracia é fruto de amadurecimento das
sociedades, mas precisa ser estimulado pelos líderes políticos. Os valores
democráticos permitem o olhar para o futuro, para as próximas gerações. É disso
que trata a agenda de reformas econômicas.”
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