“A vida é só um programa
Por Silvio Meira
Cientistas acabam de anunciar a criação dos primeiros robôs
vivos, feitos com a ajuda de algoritmos evolucionários e supercomputadores, a
partir de células tronco de sapos. “Eles” têm algo que poderia ser chamado de
“coração”, andam e nadam, podem trabalhar em grupos, sobreviver semanas sem
comida, se curar sozinhos até mesmo quando seccionados em duas partes. São
pequenos o suficiente para navegar em artérias.
Parece ficção científica, mas não é. A parte da imaginação,
ainda, é que eles poderiam trabalhar como limpadores e livrar uma boa parte da
população dos efeitos colaterais dos remédios para controle de placas de
gordura... e da fatalidade de não tomá-los.
Geneticamente, as “coisas” são sapos, porque foram
construídas a partir deles, mas isso é só um detalhe; poderiam ter sido feitas
a partir de DNA sintético, tecnologia que em breve será parte do repertório
básico de laboratórios e empresas mundo afora. Apesar de terem sido construídas
como arranjos celulares de certa complexidade, dizer que são “robôs vivos”
exige uma reinterpretação do que é a vida, já que estes sistemas são incapazes
de evoluir, não têm órgãos reprodutores e não se multiplicam. Ainda bem. Mas
morrem, se privados de nutrientes. E, como são “vivos”... são biodegradáveis,
ao contrário de robôs de plástico.
Os robôs foram criados em universidades dos EUA. Sua
pesquisa, publicada no início de 2020, serve para descortinar a década. São
mais um exemplo de que talvez tenhamos que tratar sistemas vivos complexos –
humanos, por exemplo – também como código de programas de computador. Nas
coisas vivas, no lugar do silício, entra o carbono. As implicações serão
imensas, seja do ponto de vista prático, filosófico ou ético.
Isso sem falar nos riscos biológicos que estes sistemas
devem representar. Quando se considera o imenso potencial de inovação da
biologia sintética, também há que se avaliar os riscos que a síntese de DNA
representa para a biossegurança do planeta. Porque já está demonstrado que é
possível escrever novos vírus a partir do zero. Talvez pior: até recriar vírus
hoje extintos a partir de fragmentos de DNA que podem ser adquiridos no
mercado.
Os anos 2020 se abrem, auspiciosamente, com os “robôs vivos”
anunciando um universo de inovação que pode mudar, para sempre, o conceito de
“vida”. Ao mesmo tempo, e justamente por causa disso, cria-se todo um espectro
de possibilidades de manipular agentes e sistemas biológicos para criar riscos
inimagináveis até agora.
Será que dá para ter o só o lado bom e evitar o que há de
ruim da onda de bioinovação? É quase certo que não. São episódios paralelos da
série de mudanças relacionadas à vida que veremos neste século. Um programa
que, literalmente... quem viver, verá.”
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