Em favor da utopia que o Brasil esqueceu
Por Fernão Lara Mesquita
De 2014 até aqui a produtividade do trabalho no Brasil recuou
4,3% (Ibre-GV). De 1995 a 2018 a da indústria caiu 5% e a dos serviços avançou
raquíticos 6%. A exceção que nos tem mantido à tona é o setor que, durante boa
parte desse período, esteve mais longe do toque paralisante do Estado. A
produtividade na agricultura nestes 23 anos ao longo dos quais a China houve
por bem abrir mão da fome politicamente induzida subiu fulminantes 359%. Mas no
resto do País a “retomada” arrasta-se pela “economia dos aplicativos”. Uber,
iFood, Rappi são as grandes empreitadas do Brasil urbano de hoje...
Empurrados por essas formas de subemprego começa a haver, da
interrupção da corrida para a Venezuela com Temer em diante, sinais de uma
aceleração capaz de nos levar desse quase nada ao dobro desse quase nada. É
tudo o que é possível esperar obter por enquanto, graças aos esforços ingentes
da equipe técnica que estudou fora do Brasil enxertada neste governo. Mas ainda
que a privilegiatura permita que ela faça tudo de que é capaz, o que tem estado
longe de ser o caso, a sombra que persiste adiante, nesta véspera do fim do
trabalho ignorante em todo o planeta Terra, é o que vimos colhendo da
destruição quase completa do que havia de educação de qualidade no Brasil da
“Era PT”.
Mas desgraça pouca é bobagem. Diante da crise mundial do
emprego, muito pior que o problema do Brasil que nunca aprendeu é como superar
o Brasil “formado” nesse entretempo, que é o que, perpassando todas as
ideologias, está no poder nos quatro costados do Estado brasileiro, na
academia, na mídia... No Brasil com voz, enfim.
O ex-presidente Fernando Henrique dizia em edição recente do
Manhattan Connection que “esta é uma geração sem utopias” e que sem elas é
impossível disputar eleições com boa chance de vitória. E, na falta delas,
propõe uma celebridade para a candidatura à Presidência em 2022...
De fato, pela esquerda tem sido osso. A “utopia de gênero”,
se é que se pode chamá-la assim, só se realiza plenamente na criminalização do
amor e implica, no extremo, a mutilação de uma parte do organismo pela qual a
esmagadora maioria do eleitorado tem especial predileção. Não há João Santana
que consiga torná-la eleitoralmente atraente. E quanto à questão ambiental, a
bandeira de que se quer apropriar da social-democracia até a esquerda mais
radical, esta não é uma utopia, é um trabalho. Uma questão de sobrevivência que
implica coisas tão chatas quanto persistir indefinidamente em lutas contra o
que nos pedem aqueles velhíssimos hábitos pautados pelo prazer que custam tanto
para morrer.
“A reinvenção dos modos de habitar a Terra” passa por uma
capacidade de concertação que a humanidade ainda não tem. “A lógica das
negociações multilaterais, como são as conferências da ONU sobre mudanças
climáticas, por sua própria natureza e dimensão, na prática estão na contramão
de qualquer ideia de urgência”, lembrou na semana passada Paulo Hartung, outro
prócer da social-democracia brasileira nesta página. E o eleitor nacional,
assim como o de qualquer nacionalidade, quer mudar sua sorte nos próximos
quatro anos.
Sim, as exigências cambiantes da sobrevivência é que
empurram a inovação e o progresso e estão aí a biotecnologia e a bioeconomia
para prová-lo, como argumentava o ex-governador do Espírito Santo. Mas têm
tanto charme quanto qualquer regime para emagrecer. E levada ao extremo passa a
oscilar entre a anorexia e a “solução final” para um mundo sem o seu “único
animal defeituoso”, o homem (também dito sua excelência o eleitor). Longe de se
parecer com o eldorado da remissão da servidão que tanto empolga nas utopias.
Já para ser coerente ao negar a existência da crise
ambiental debaixo dos incêndios e tempestades cada vez mais furiosos que
castigam um mundo agredido é preciso, no extremo, aderir às ideias de que o
Planeta Azul girando em torno do Sol num universo infinito não passa de uma
invenção de Walt Disney e que homem e macaco não têm nem nunca tiveram nada a
ver, tudo está aí como deus quer e nos parece a olho nu.
Casa de ferreiro, espeto de pau!
A China evoluiu do fundo do poço socialista para o “capitalismo
de Estado” num movimento que só pode ser reproduzido se se aceitar a ideia de
conviver com o partido único, os campos de concentração, agora urbanos, e o
“argumento final” do tiro na nuca para resolver as questões controvertidas. Não
é receita capaz de mudar o que quer que seja sem sangue. Mas o que o Brasil tem
de comum com ela é a profundidade da miséria em que nos deixou o nosso
“feudalismo de Estado”. A extensão do nosso desastre é o nosso maior trunfo.
Cá, como já esteve lá, tudo está por fazer num mundo em rápido processo de
estagnação. Não ha espaço maior de upside num planeta de juros negativos do que
a terra arrasada brasileira. Tudo o que falta para realizá-lo é implantar a
utopia democrática que nos tem sido barrada pela censura.
Os políticos brasileiros dispõem de um enorme volume de
sonhos para vender que boa parte do resto da humanidade já comprou, com a
vantagem de poder mostrar o fantástico resultado que ela colhe disso, em vez de
acenar com meras projeções quiméricas como tinham de fazer para vendê-la os
propagandistas da democracia quando ela ainda não existia no mundo. Nós
continuamos mais distantes da utopia democrática nestes tempos em que a
privilegiatura consome sozinha 92% dos quase 40% do PIB que o Estado toma todo
ano ao país que trabalha do que estávamos na manhã da execução de Tiradentes
por rebelar-se contra a elevação da carga de impostos para “irrisórios” 20%
para sustentar a corte corrupta que explora a colônia.
“O povo no poder”!
Voto distrital puro, recall, referendo, iniciativa. Que
outra mensagem pode ser mais sedutora e eficiente para levar até “lá” quem for
capaz de revelar ao povo brasileiro o funcionamento simples das ferramentas que
diferenciam a realização desse sonho da fraude por trás da versão lulopetista desse
slogan?”
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