“A meta de inflação de 2023
Por Fabio Giambiagi
Vou tratar aqui de um assunto que, em condições normais,
deveria ser objeto das colunas de economia. Entretanto, penso que o contexto em
que o tema está inserido justifica tratar dele nesta página, por ser algo
emblemático, que transcende a dimensão técnica.
Quero antes, porém, fazer uma digressão. Aos 57 anos de
idade, eu me tornei, se é que cabe a expressão, um “incrementalista”. Ao
contrário da visão natural que muitos têm na juventude – e eu me incluía nisso
há 30 ou 35 anos –, quando se acredita na possibilidade de as sociedades
sofrerem grandes rupturas transformadoras, hoje estou convencido de que os
avanços se dão gradualmente, por etapas. Nesse sentido e com alguma boa
vontade, creio que se pode fazer uma leitura favorável da maioria dos nossos
governos depois de encerrado o ciclo militar: José Sarney soube conduzir uma
transição complexa, quando o País recuperou plenamente as liberdades
democráticas; Fernando Henrique Cardoso foi um estadista que criou as condições
para que o sucesso do Plano Real fosse um divisor de águas na História do
Brasil; e a gestão de Lula da Silva foi marcada por avanços sociais que nem
seus críticos – e eu fui um deles – ousariam negar. Não considero as gestões de
Fernando Collor, Itamar Franco e Michel Temer nesse balanço porque cada um
deles ficou pouco tempo no poder, embora os três tenham tido sua parcela de
mérito – Collor pela mudança de modelo econômico, Itamar pelo lançamento do
Plano Real e Temer pelas reformas econômicas. E, definitivamente, eu não
colocaria a presidente Dilma Rousseff no mesmo grupo dos anteriores, pelo fato
de que o seu governo foi um absoluto desastre, sob qualquer ângulo que se olhe
– social, econômica ou politicamente – e ficará como um traço esquecível nos
livros de História, perdido nas brumas do tempo.
Por maiores que tenham sido os progressos naqueles governos,
eles foram parciais. Sarney avançou na política, mas seu governo acabou num
pesadelo hiperinflacionário; Fernando Henrique mudou o Brasil, mas a economia
em 2001/2002 era ainda extremamente vulnerável; e Lula “surfou” uma onda
favorável, mas sem ter feito maiores investimentos e deixar uma economia sólida
para depois da sua gestão – ao contrário, em 2010 todo tipo de desequilíbrio
foi se acumulando, para estourar posteriormente.
Nessa perspectiva, entendo que a grande tarefa da equipe
econômica chefiada pelo ministro Paulo Guedes, na minha modesta opinião, é
deixar o País “tinindo” para crescer bem ao longo da próxima década. A situação
externa é razoável – ainda que o aumento do déficit em conta corrente inspire
cuidados; o Brasil está com uma taxa de juros que apenas dois anos atrás seria
considera inacreditável; e com a reforma previdenciária aprovada abre-se, pela
primeira vez em bastante tempo, a possibilidade de pôr ordem nas contas fiscais
e, daqui a algum tempo, a relação dívida pública/produto interno bruto (PIB)
passar a declinar. Poderemos ter então “regras do jogo” bastante parecidas com
as de economias estáveis. Em tais condições, o Brasil poderá ter pela frente
uma década próspera.
É nesse contexto que se insere o que vem a seguir.
A meta de inflação para 2019 foi de 4,25% e o Conselho
Monetário Nacional (CMN) já definiu as metas de 2020 a 2022, com quedas
graduais de 25 pontos por ano até 3,5% em 2022. Pelo andar da carruagem, a
lógica seria reduzir outros 25 pontos na decisão a ser tomada em junho acerca
da meta de 2023. A proposta aqui feita busca ir um passo além: propor uma meta
permanente de 3% já a partir de 2023. Os indicadores de inflação, vale
ressaltar, têm sido, de modo geral, excelentes há bastante tempo: a inflação
vem tendo uma trajetória benigna desde 2017, a média dos núcleos também tem
sido muito bem comportada e a expectativa Focus para 2020 é de uma taxa
inferior à meta.
Embora eu tenha sido um defensor do gradualismo da postura
do CMN no processo de redução da meta de inflação na forma de “escadinha”,
penso que, à luz dos números observados nos últimos anos, não há mais razões
para que essa estratégia se mantenha. Assim, na sua decisão de junho, sugiro
que o CMN avalie seriamente a possibilidade de definir já a meta de 3% para
2023, tornando-a permanente a partir de então. Considerando que o Banco Central
toma as suas decisões olhando para um período de 18 a 24 meses à frente, na
prática o País teria uma transição de alguns meses e, a partir do começo de
2021, as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) teriam como
referência um alvo de inflação de 3%, como ocorre na maioria dos países
emergentes com metas de inflação. Com expectativas ancoradas, uma taxa Selic em
torno de 4% a 5% e a ajuda de novas medidas fiscais para tornar viável uma
trajetória favorável da dívida pública, o Brasil teria todas as condições de
sinalizar para os investidores que nunca as chances desse estado de coisas se
prolongar indefinidamente terão sido tão elevadas. Assim, a meta de inflação
seria de 3,5% para 2022 e de 3% para 2023. E a partir de então não haveria mais
o ritual de definir a meta todo mês de junho, porque ela já seria dada.
Quase três décadas depois do lançamento do Plano Real, em
junho de 1994, poderemos dizer, então, que a transição até a estabilidade terá
sido completada. FHC fez um governo admirável sob muitos aspectos, mas no seu
último ano a inflação foi de 13%. Lula avançou nesse campo, mas tendo tido tudo
ao seu alcance para dar um passo decisivo na matéria, contentou-se em conviver
seis anos com uma meta de 4,5%. E Dilma Rousseff nos legou uma inflação de 11%,
que caiu para 4% com Temer. Agora, chegou o momento de colocar o “último prego
no caixão” dessa assombração brasileira e “cravar” uma meta final de 3%. No
continente da inflação da ordem de 50% da Argentina e da hiperinflação da
Venezuela, seria um feito notável.”
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