“Impostura
Por Denis Lerrer Rosenfield
É bem verdade que o atual governo tem dado ensejo a um
pendor autoritário, como quando o próprio presidente mostra intolerância no
tratamento com a imprensa ou seus filhos investem nas mídias sociais tratando
todos os que deles discordam como inimigos. A crítica não é bem vista, apesar
de constituir um elemento central de qualquer sociedade democrática, baseada no
diálogo, seja com os Poderes republicanos, seja com a opinião pública em geral.
Contudo a reação de setores da esquerda a essa atitude bolsonarista, colocando
o PT, seus grupos e partidos assemelhados como defensores da democracia, é
claramente uma impostura. Que essa esquerda queira se colocar como polo
democrático só serve para enganar incautos. Pretende borrar o seu próprio
passado.
O presidente Jair Bolsonaro, apesar de seus arroubos, não
tomou nenhuma medida autoritária no encaminhamento de leis ou no exercício do
Poder Executivo. Uma coisa é a sua narrativa, que obedece a uma lógica
eleitoral, outra, muito diferente, é sua não apresentação de medidas concretas
que coíbam a liberdade de pensamento ou empreendam a perseguição social ou
policial de seus adversários. Algo inverso fazia o PT no governo. Sua narrativa
era supostamente democrática e suas medidas práticas na arte de governar eram
frequentemente autoritárias, embora procurassem se legitimar “socialmente”.
Aqui “socialmente” significa o controle petista da sociedade.
No governo Lula, mais que no governo Dilma, várias foram as
iniciativas de criação de conselhos ditos populares, visando, no discurso, a
“democratizar” a sociedade. Várias foram as iniciativas, nesse sentido, de
controle dos meios de comunicação, além do financiamento das mídias “amigas”,
irrigadas com dinheiro público, o que, aliás, hoje criticam no atual governo.
“Conselhos populares” foram constituídos pretensamente enquanto órgãos de
interlocução com a sociedade, quando, na verdade, eram instrumentos de controle
do próprio partido, seja atuando diretamente ou por intermédio de seus
“movimentos sociais”. O governo Bolsonaro não só não tomou nenhuma iniciativa
desse tipo, como aboliu os ditos conselhos, ferramentas autoritárias.
Quando começou a governar cidades e Estados, o PT “inventou”
o orçamento participativo, que pessoas e políticos imprudentes compraram por seu
valor de face, como se estivéssemos diante de uma reelaboração da democracia.
Na verdade, o que aconteceu foi que o partido, por meio de seus militantes,
tomava conta dessas assembleias, criando uma clientela cativa que se tornava,
dessa maneira, um poderoso instrumento eleitoral. De democráticas essas
assembleias não tinham nada senão a narrativa, sendo decisões autoritárias e
preestabelecidas o seu modo de funcionar.
É analiticamente estabelecido que a corrupção corrói as
instituições democráticas, minando-as de dentro. A representação política se
enfraquece ao ser comprada, como quando era usual comprar deputados e senadores
para os petistas se apoderarem ainda mais do Estado. O resultado, hoje bem
conhecido, foi o mensalão, que deu origem à Lava Jato enquanto instrumento
estatal de controle dessa chaga, que alcançava patamares perigosos, até mesmo
de destruição dos Poderes republicanos. Se, agora, o ex-presidente Lula da
Silva é alguém condenado, tendo passado vários meses preso, é por que cometeu
crimes, cuja repercussão não foi somente penal, mas também política. Que hoje
se coloque como defensor da democracia contra o atual presidente é literalmente
hilário.
Em sua trajetória rumo ao poder, nos municípios, o PT também
dizia defender uma nova forma de democracia e a ética na política. A narrativa
era persuasiva, embora sua prática a contradissesse. Várias foram as denúncias
de prática de corrupção na coleta de lixo e nas empresas municipais de ônibus,
houve até o assassinato de prefeitos petistas, até hoje não esclarecidos, como
o de Celso Daniel, cuja família clama por justiça. Será que tudo isso deve ser
varrido para debaixo do tapete em nome da “luta democrática” contra o
presidente Bolsonaro? Qual é a sua moral?
O campo brasileiro, nos governos petistas, mais no governo
Lula que no de Dilma, foi controlado pelo MST, com apoio político e financeiro
desses governos. Invasões de propriedade eram a regra. Produtores e
trabalhadores rurais eram vítimas sistemáticas de violência, embora o discurso
petista fosse o de “ocupações pacíficas”. De pacíficas não tinham nada, pois a
lei era simplesmente desrespeitada, armas brancas eram brandidas e armas de
fogo eram empregadas em missões percussoras nas madrugadas das invasões,
galpões e tratores eram queimados, fogo era posto nas casas e nos alojamentos,
além de animais terem seus tendões cortados, morrendo logo depois. Onde estava
a lei? Talvez nos bonés do MST usados com entusiasmo pelo então presidente
Lula, cercado por militantes desse “movimento” e do PT. O que acontece hoje no
campo, sob o governo Bolsonaro? A ordem pública e o respeito à lei e às
instituições.
No que se refere às narrativas, o PT foi e é um ardoroso
sustentáculo das ditaduras de esquerda, em nome, evidentemente, da “democracia
popular”. Durma-se com uma contradição dessas! Sempre defendeu o “socialismo do
século 21”, bolivariano, em que as piores atrocidades são cometidas, com as
instituições democráticas destruídas, o povo venezuelano vivendo na miséria e a
violência no modo de governar sendo a regra. Hugo Chávez foi, para os petistas,
um “democrata” e Nicolás Maduro é um símbolo da luta anti-imperialista. A
ditadura comunista em Cuba, além de defendida, é tratada com mimos pela
esquerda. Até o porto de Mariel foi objeto das benesses petistas! É um paraíso
de onde ninguém consegue fugir. A população é mantida sob rigoroso controle
pelo aparato policial e pelos comitês “populares” de bairro. São esses os
modelos democráticos?
A impostura parece não ter limites!”
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