“Ninguém foi censurado
Por Carlos Alberto Sardenberg
O que ameaça a liberdade de imprensa é a censura, sobretudo
a censura prévia. Jornalistas apuram suas notícias de diversas formas —
pesquisando, vendo os fatos (numa guerra, por exemplo, numa manifestação de
rua) ou consultando fontes que consideram confiáveis. E devem ter a liberdade
plena de publicar o que apuraram sem pedir autorização a qualquer autoridade.
Tem mais. Nas democracias, a lei garante o sigilo da fonte
da informação e não apenas para o jornalista. Médicos, advogados, psicanalistas
têm o mesmo direito.
Logo, o jornalista não pode ser punido quando se recusar a
revelar sua fonte. Mas o que acontece se a informação publicada for um tremendo
erro, uma mentira, uma ofensa aos direitos de terceiros?
Fica por isso mesmo?
É claro que não pode ficar. O jornalista é responsável pelo
que publica e pode ser processado pela parte atingida. Isso não é incomum por
aqui. Há inclusive vários casos de jornalistas que processaram jornalistas e
obtiveram condenações exemplares.
O jornalista processado sempre diz que é vítima de um ataque
à liberdade de imprensa. Errado. Ele teve a plena liberdade de publicar — e o
que foi publicado lá permaneceu.
Mas tem que ser responsável pelo que publicou. Um engenheiro
é responsável se a barreira se desmancha e mata centenas de pessoas. Por que o
jornalista não seria responsável por destruir a reputação de uma pessoa que
seja?
Essa responsabilidade não desaparece quando o jornalista
alega o sigilo da fonte. Um exemplo clássico: a jornalista Judith Miller, que
já tinha um Pulitzer, publicou no “New York Times” que Valerie Plame, esposa de
um ex-embaixador, era agente secreta da CIA. Obviamente, colocou em risco a
vida e destruiu a carreira de Valerie. A jornalista foi processada, recusou-se
a revelar a fonte, foi condenada e presa.
Um outro caso clássico também vem dos Estados Unidos. O “New
York Times” publicou documentos do Pentágono (sobre a Guerra do Vietnã) que
haviam sido subtraídos por um funcionário do órgão. Atenção, o jornal não havia
participado do roubo —e isso foi um ponto importante do processo. Apenas recebera
os documentos de um funcionário que julgou necessário divulgar aqueles fatos.
O jornal pode seguir publicando os documentos.
Ou seja, o jornalista precisa checar a informação recebida
de sua fonte e, sobretudo, não pode participar de nenhum modo na produção da
notícia. E muito menos pode participar do roubo de uma informação, quer a
financiando, quer ajudando a fonte de algum modo.
Tudo considerado, o jornalista Glenn Greenwald não foi
censurado. Publicou e continua publicando suas histórias. Não houve censura nem
quando ficou claro que as informações, as conversas entre promotores e juízes
da Lava-Jato, haviam sido obtidas criminosamente por hackers.
A Polícia Federal encontrou e prendeu os suspeitos. Não
investigou nem indiciou o jornalista americano, que estava protegido por uma
decisão do ministro Gilmar Mendes. Discutível. Jornalistas são imunes? Não
devem ser.
Mas o Ministério Público resolveu denunciar Greenwald por
entender que, investigando outras pessoas, os hackers, encontrara indícios de
que o jornalista havia sido cúmplice ou tinha participado de algum modo da operação
de roubo das informações.
A denúncia é o começo do processo. Pode ser desclassificada
pelo juiz logo de cara.
Sim, é verdade que a Polícia Federal não indiciou o
jornalista. Mas o Ministério Público não tem a obrigação de seguir exatamente o
caminho da PF. Se não fosse assim, os casos já sairiam direto da PF para o
juiz.
Muita gente diz que está claro que Greenwald não participou
do processo. Pode ser, mas é o juiz que vai dizer isso. E pode ser assim porque
o caso é grave. Se houve conluio entre jornalista e fontes, que cometeram
crime, foi o jornalista que colocou em risco a liberdade e a independência da
imprensa.
Enquanto isso, ninguém foi censurado. Glenn Greenwald
continua publicando seu site e continua livremente se defendendo das acusações
e, de sua parte, fazendo suas próprias acusações. E a imprensa continua
contando e opinando de um lado e de outro.
A ver o que dizem os tribunais.”
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