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quarta-feira, 3 de maio de 2017

O pau que dá em Chico, não dá em Zé Dirceu




Por Zezinho de Caetés

O Brasil, como o mundo de hoje, não vive mais sua história, pois não lembra de nada. Vivemos o dia a dia da notícia. Já esquecemos até os procedimentos do Zé Dirceu que o levaram para cadeia tanto no “mensalão”, como no “petrolão”, quando, segundo o Ministro do STF Celso de Melo, roubou até quando estava preso. E hoje, a notícia do dia, pasmem, vai ser a sua soltura, por ordem do STF.

Ontem vi os argumentos para soltar ou deixar preso o “guerreiro do povo brasileiro”, e na minha leiguice jurídica, não sei onde o Gilmar Mendes foi buscar assunto para libertar o maior e mais influente criminoso do colarinho branco de que se tem notícia, já que Al Capone tinha o colarinho colorido, Marcola tem o colarinho vermelho.

Diante das argumentações irrecorríveis, pelo menos para o mortal não jurista, do Fachin e do Celso de Melo, já se esperava os votos divergentes do Lewandowsky e do Dias Toffoli, pelo conjunto da obra petista que os acompanha, mas, do Gilmar Mendes?

Para mim sua argumentação jurídica não teve procedência nenhuma a não ser a vontade de aparecer diante “juventude” da Lava Jato. Então ele soltou o Dirceu por “birra”, como se dizia lá na minha terra. E eu adoraria que fosse só isto, porque as consequências para o Brasil não seriam tão perversas.

Agora, o que temos é uma insegurança jurídica muito grande, devido aos rumos que podem tomar operação Lava Jato, com esta decisão. Já pensaram se todos os presos preventivamente começarem a entrar com pedido de habeas corpus no STF (e é isto que vai ocorrer), a balbúrdia em que aquilo se tornará?

Outra consequência gravíssima recairá sobre o instituto da Delação Premiada, a única coisa boa pela qual será lembrada a incompetenta Dilma Roussef, por tê-la assinada sem ler, no futuro. A mídia já alardeia que o Palocci, que andava muito balançado para fazê-la, já está pensando em não fazer. Ora, se pode ser solto daqui a pouco, por que arriscar entregar o chefe, o Lula?

Eu, como já disse, não sou jurista, mas, posso dizer que o pau que não dá em Chico também não dá em Francisco. E imagino quantos presos estarão apenas provisoriamente presos nas cadeias deste país devam ter o mesmo direito do Zé Dirceu, de entrar no STF para sair delas. Então porque prenderam o goleiro Bruno? Foi o seu crime maior do que o do “guerreiro do povo brasileiro”? Ele matou a mulher. Quantas mulheres o Dirceu matou de fome diante do quadro de corrupção para o qual ele tanto concorreu?

Isto me deixa confuso e triste, ainda mais quando leio que esta mesma turma que ontem soltou o Dirceu, em outros casos, fez exatamente o contrário em outros, como atesta o  texto abaixo do Deltan Dellagnol, que diz o STF, no mínimo, ter sido incoerente.

Eu diria mais, diante da aberração. Não quero concluir, mas, digo que no Brasil o pau que dá nos fracos não é o mesmo que dá nos poderosos. Vão dizer que isto sempre ocorreu em todo mundo. Mas, eu digo que a saga da humanidade é melhorar, e se podemos começar, por que não o fazermos, começando por aqui?

Fiquem com Dellagnol, no texto onde ele mostra a incoerência do STF com a decisão de ontem, que eu vou embora, concluindo que, a Justiça ontem deixou de ser cega ao usar sua espada, ou, não a usar, porque viu que algum monstro a ameaçava. Precisamos matar o monstro.

“O que mais chama a atenção, hoje, é que a mesma maioria da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que hoje soltou José Dirceu – Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – votaram para manter presas pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses.

A história de Delano Parente

O ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José Dirceu. Ele foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. São os mesmos crimes de Dirceu, mas praticados em menor vulto e por menos tempo. Foram 17 milhões de reais, entre 2013 e 2015, quando Dirceu é acusado do desvio de mais de 19 milhões, entre 2007 e 2014, sem contar o Mensalão. O âmbito de influência de Delano era bem menor do que o de Dirceu. Chefiou o pequeno Município de 8.618 habitantes do interior do Piauí, Redenção do Gurgueia. Na data do julgamento no Supremo, em 7 de fevereiro de 2017, nem mais prefeito era. Contudo, todos os integrantes da 2ª Turma entenderam que sua prisão era inafastável. A decisão de prisão original estava assentada na prática habitual e reiterada de crimes.

O Ministro Dias Toffoli afirmou: “O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar que tenha por fim resguardar a ordem pública quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa.”

A prisão de Thiago Poeta

Preso aparentemente há mais de 2 anos (mais tempo do que José Dirceu), Thiago Maurício Sá Pereira, conhecido como “Thiago Poeta”, também não teve a sorte de Dirceu em julgamento de março deste ano. Ele reiterou a prática de crimes de tráfico em diferentes lugares e foi preso com 162 gramas de cocaína e 10 gramas de maconha, além de alguns materiais que podem ser usados para manipular drogas. Sua pena foi menor do que a de Dirceu, 17 anos e 6 meses – a de Dirceu, só na Lava Jato, supera 30 anos, sem contar a nova denúncia. Contudo, para Thiago, não houve leniência. Todos os ministros da 2ª Turma votaram pela manutenção da prisão.

O Ministro Gilmar Mendes assim se pronunciou: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública considerada a gravidade concreta do crime”. E seguiu dizendo que “Ademais, permanecendo o paciente custodiado durante a instrução criminal, tendo, inclusive, o Juízo entendido por sua manutenção no cárcere, ao proferir sentença condenatória, em razão da presença incólume dos requisitos previstos no art. 312 do CPP, não deve ser revogada a prisão cautelar se não houver alteração fática apta a autorizar-lhe a devolução do status libertatis .” Essas colocações também serviriam, aparentemente em cheio, para manter José Dirceu preso, com a ressalva de que a situação de Dirceu é mais grave.

O caso de Alef Saraiva

Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro votos, ausente o Ministro Gilmar Mendes, em razão da “gravidade do crime”.

O Ministro Ricardo Lewandowski foi assertivo na necessidade de prisão de Alef: “Com efeito, há farta jurisprudência desta Corte, em ambas as Turmas, no sentido de que a gravidade in concreto do delito ante o modus operandi empregado e a quantidade de droga apreendida - no caso, 130 invólucros plásticos e 59 microtubos de cocaína, pesando um total de 87,90 gramas, e 3 invólucros plásticos de maconha, pesando um total de 44,10 gramas (apreendidas juntamente com anotações referentes ao tráfico e certa quantia em dinheiro), permitem concluir pela periculosidade social do paciente e pela consequente presença dos requisitos autorizadores da prisão cautelar elencados no art. 312 do CPP, em especial para garantia da ordem pública.”

Conclusão

Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o tráfico matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela pobreza. Enquanto o tráfico ocupa territórios, a corrupção ocupa o poder e captura o Estado, disfarçando-se de uma capa de falsa legitimidade para lesar aqueles de quem deveria cuidar. A mudança do cenário, dos morros para gabinetes requintados, não muda a realidade sangrenta da corrupção. Gostaria de poder entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado aos casos acima.

O Supremo Tribunal Federal é a mais alta Corte do país. É nela que os cidadãos depositam sua esperança, assim como os procuradores da Lava Jato. Confiamos na Justiça e, naturalmente, que julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje, contudo, essas esperanças foram frustradas. Mais ainda, fica um receio. Na Lava Jato, os políticos Pedro Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde abril de 2015, assim como João Vaccari Neto. Marcelo Odebrecht desde junho de 2015. Os ex-Diretores Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015. Todos há mais tempo do que José Dirceu. Isso porque sua liberdade representa um risco real à sociedade. A prisão é um remédio amargo, mas necessário, para proteger a sociedade contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da perigosa doença exposta pela Lava Jato.


Fontes dos casos: HCs 138.937 (Delano Parente), 139.585 (Thiago Poeta) e 135.393 (Alef Saraiva).”

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