Por Zezinho de Caetés
O Brasil, como o mundo de hoje,
não vive mais sua história, pois não lembra de nada. Vivemos o dia a dia da
notícia. Já esquecemos até os procedimentos do Zé Dirceu que o levaram para
cadeia tanto no “mensalão”, como no “petrolão”, quando, segundo o Ministro do
STF Celso de Melo, roubou até quando estava preso. E hoje, a notícia do dia,
pasmem, vai ser a sua soltura, por ordem do STF.
Ontem vi os argumentos para
soltar ou deixar preso o “guerreiro do
povo brasileiro”, e na minha leiguice jurídica, não sei onde o Gilmar
Mendes foi buscar assunto para libertar o maior e mais influente criminoso do
colarinho branco de que se tem notícia, já que Al Capone tinha o colarinho
colorido, Marcola tem o colarinho vermelho.
Diante das argumentações
irrecorríveis, pelo menos para o mortal não jurista, do Fachin e do Celso de
Melo, já se esperava os votos divergentes do Lewandowsky e do Dias Toffoli,
pelo conjunto da obra petista que os acompanha, mas, do Gilmar Mendes?
Para mim sua argumentação
jurídica não teve procedência nenhuma a não ser a vontade de aparecer diante “juventude” da Lava Jato. Então ele
soltou o Dirceu por “birra”, como se
dizia lá na minha terra. E eu adoraria que fosse só isto, porque as
consequências para o Brasil não seriam tão perversas.
Agora, o que temos é uma
insegurança jurídica muito grande, devido aos rumos que podem tomar operação
Lava Jato, com esta decisão. Já pensaram se todos os presos preventivamente
começarem a entrar com pedido de habeas corpus no STF (e é isto que vai
ocorrer), a balbúrdia em que aquilo se tornará?
Outra consequência gravíssima
recairá sobre o instituto da Delação Premiada, a única coisa boa pela qual será
lembrada a incompetenta Dilma Roussef, por tê-la assinada sem ler, no futuro. A
mídia já alardeia que o Palocci, que andava muito balançado para fazê-la, já
está pensando em não fazer. Ora, se pode ser solto daqui a pouco, por que arriscar
entregar o chefe, o Lula?
Eu, como já disse, não sou jurista,
mas, posso dizer que o pau que não dá em Chico também não dá em Francisco. E
imagino quantos presos estarão apenas provisoriamente presos nas cadeias deste
país devam ter o mesmo direito do Zé Dirceu, de entrar no STF para sair delas.
Então porque prenderam o goleiro Bruno? Foi o seu crime maior do que o do “guerreiro do povo brasileiro”? Ele matou
a mulher. Quantas mulheres o Dirceu matou de fome diante do quadro de corrupção
para o qual ele tanto concorreu?
Isto me deixa confuso e triste,
ainda mais quando leio que esta mesma turma que ontem soltou o Dirceu, em
outros casos, fez exatamente o contrário em outros, como atesta o texto abaixo do Deltan Dellagnol, que diz o
STF, no mínimo, ter sido incoerente.
Eu diria mais, diante da aberração.
Não quero concluir, mas, digo que no Brasil o pau que dá nos fracos não é o
mesmo que dá nos poderosos. Vão dizer que isto sempre ocorreu em todo mundo.
Mas, eu digo que a saga da humanidade é melhorar, e se podemos começar, por que
não o fazermos, começando por aqui?
Fiquem com Dellagnol, no texto
onde ele mostra a incoerência do STF com a decisão de ontem, que eu vou embora,
concluindo que, a Justiça ontem deixou de ser cega ao usar sua espada, ou, não
a usar, porque viu que algum monstro a ameaçava. Precisamos matar o monstro.
“O que mais chama a atenção,
hoje, é que a mesma maioria da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que hoje
soltou José Dirceu – Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski – votaram para manter presas pessoas em situação de menor
gravidade, nos últimos seis meses.
A história de Delano Parente
O ex-prefeito Delano Parente não
teve a mesma sorte de José Dirceu. Ele foi acusado por corrupção, lavagem e
organização criminosa. São os mesmos crimes de Dirceu, mas praticados em menor
vulto e por menos tempo. Foram 17 milhões de reais, entre 2013 e 2015, quando
Dirceu é acusado do desvio de mais de 19 milhões, entre 2007 e 2014, sem contar
o Mensalão. O âmbito de influência de Delano era bem menor do que o de Dirceu.
Chefiou o pequeno Município de 8.618 habitantes do interior do Piauí, Redenção
do Gurgueia. Na data do julgamento no Supremo, em 7 de fevereiro de 2017, nem
mais prefeito era. Contudo, todos os integrantes da 2ª Turma entenderam que sua
prisão era inafastável. A decisão de prisão original estava assentada na
prática habitual e reiterada de crimes.
O Ministro Dias Toffoli afirmou:
“O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é legítima a
tutela cautelar que tenha por fim resguardar a ordem pública quando evidenciada
a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de
organização criminosa.”
A prisão de Thiago Poeta
Preso aparentemente há mais de 2
anos (mais tempo do que José Dirceu), Thiago Maurício Sá Pereira, conhecido
como “Thiago Poeta”, também não teve a sorte de Dirceu em julgamento de março
deste ano. Ele reiterou a prática de crimes de tráfico em diferentes lugares e
foi preso com 162 gramas de cocaína e 10 gramas de maconha, além de alguns
materiais que podem ser usados para manipular drogas. Sua pena foi menor do que
a de Dirceu, 17 anos e 6 meses – a de Dirceu, só na Lava Jato, supera 30 anos,
sem contar a nova denúncia. Contudo, para Thiago, não houve leniência. Todos os
ministros da 2ª Turma votaram pela manutenção da prisão.
O Ministro Gilmar Mendes assim se
pronunciou: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser
idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública considerada a
gravidade concreta do crime”. E seguiu dizendo que “Ademais, permanecendo o
paciente custodiado durante a instrução criminal, tendo, inclusive, o Juízo
entendido por sua manutenção no cárcere, ao proferir sentença condenatória, em
razão da presença incólume dos requisitos previstos no art. 312 do CPP, não
deve ser revogada a prisão cautelar se não houver alteração fática apta a
autorizar-lhe a devolução do status libertatis .” Essas colocações também
serviriam, aparentemente em cheio, para manter José Dirceu preso, com a
ressalva de que a situação de Dirceu é mais grave.
O caso de Alef Saraiva
Alef Gustavo Silva Saraiva, réu
primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após
quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a
prisão foi mantida por quatro votos, ausente o Ministro Gilmar Mendes, em razão
da “gravidade do crime”.
O Ministro Ricardo Lewandowski
foi assertivo na necessidade de prisão de Alef: “Com efeito, há farta jurisprudência
desta Corte, em ambas as Turmas, no sentido de que a gravidade in concreto do
delito ante o modus operandi empregado e a quantidade de droga apreendida - no
caso, 130 invólucros plásticos e 59 microtubos de cocaína, pesando um total de
87,90 gramas, e 3 invólucros plásticos de maconha, pesando um total de 44,10
gramas (apreendidas juntamente com anotações referentes ao tráfico e certa
quantia em dinheiro), permitem concluir pela periculosidade social do paciente
e pela consequente presença dos requisitos autorizadores da prisão cautelar
elencados no art. 312 do CPP, em especial para garantia da ordem pública.”
Conclusão
Diz-se que o tráfico de drogas
gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o tráfico
matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta, a
corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela pobreza.
Enquanto o tráfico ocupa territórios, a corrupção ocupa o poder e captura o
Estado, disfarçando-se de uma capa de falsa legitimidade para lesar aqueles de
quem deveria cuidar. A mudança do cenário, dos morros para gabinetes
requintados, não muda a realidade sangrenta da corrupção. Gostaria de poder
entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado
aos casos acima.
O Supremo Tribunal Federal é a
mais alta Corte do país. É nela que os cidadãos depositam sua esperança, assim
como os procuradores da Lava Jato. Confiamos na Justiça e, naturalmente, que
julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje,
contudo, essas esperanças foram frustradas. Mais ainda, fica um receio. Na Lava
Jato, os políticos Pedro Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde
abril de 2015, assim como João Vaccari Neto. Marcelo Odebrecht desde junho de
2015. Os ex-Diretores Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015.
Todos há mais tempo do que José Dirceu. Isso porque sua liberdade representa um
risco real à sociedade. A prisão é um remédio amargo, mas necessário, para
proteger a sociedade contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da perigosa
doença exposta pela Lava Jato.
Fontes dos casos: HCs 138.937
(Delano Parente), 139.585 (Thiago Poeta) e 135.393 (Alef Saraiva).”
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