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terça-feira, 19 de abril de 2016

O HOMEM DE BRANCO




Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho


O bar Savoy sempre foi o reduto dos boêmios do Recife. Ali naquele local central da capital pernambucana, na Avenida Guararapes, aportava todos, sem distinção de classe. Políticos, escritores, poetas, doutores, garis, motoristas, cobradores, ambulantes, pedintes todos misturados em um só coração. O ambiente saudável de grandes boêmios dificilmente você presenciava agressões e bate boca. Algumas vezes, pouquíssimas. Havia discursões acalorados, pois ali se falava de tudo, futebol, mulheres, politicas e religião que depois terminava com um aperto de mão e um gole da cerveja gelada para apagar a fervura. Aos sábados pela manhã, com chuva ou sol se reuniam uma grande turma para saborear o chopp ou a cerveja bem geladinha, jogar porrinha e falar da vida alheia e de nossas aventuras, acrescentada de algumas mentirinhas. Os garçons sempre ali em pé no alerta de atender bem os frequentadores. Zé de Amélia era um dos que marcava presença. Moreno alto e forte, barbicha e um bigode de fazer inveja, afirmando que eram a coqueluche das mulheres, dentes branquíssimos, cabelo escarrapichados melado de brilhantina Glostora. Usava o perfume Lancaster, que incensava o Savoy. Vinha todo de branco, sorridente, desfilando pelo calçadão. Camisa, calça, meias cinturão sapatos todo branco. Sentava-se suado passando o lenço branco nos rosto. Era seu gosto andar de branco. Dizia que o branco era pureza e ele era puro, tinha poucos pecados, gabava-se. A gente ria com estes dizeres do Zé. Chamava Careca o garçom da área e pedia uma cerveja geladinha, tomava dois copos americanos e enxugava a boca, com o lenço mostrando a dentadura com um dente de ouro. Quando tu morrer Zé vão te arrancar este dente e vender na Rua Cambôa do Carmo por qualquer preço, ou empenhar na Caixa Econômica, aqui vizinha. A conversa começava alegremente, cada um contando a sua aventura da noite anterior ou da semana acrescentando sempre os fatos. Zé de Amélia era um deles. A sua vida durante a semana era numa barraca perto de casa. Era aposentado dos Correios. Ali ele observava quem entrava e saia de casa, na vizinhança. Andava pela rua tagarelando com os vizinhos sentados nas calçadas ou nos degraus da escadaria. Sempre de branco, raras vezes o via com outras cores. Sempre tinha uma estória para contar. Ouvíamos. O Perereca morava na sua comunidade em uma rua paralela a sua, era um beberrão. De vez em quando estava sóbrio, ou vivia sóbrio. Chegava sempre pela madrugada vinda do Cais Santa de Rita de uma barraca da Rita onde fazia ponto. Durante o dia perambulava na comunidade fazendo bico, pois era torneiro e eletricista. Orgulhava-se. Nunca levou um choque elétrico e nunca deixou um vazamento nas casas onde fazia o seu serviço. Nunca frequentou uma escola de formação era apenas curioso e de curiosidade e curiosidade sabia de tudo. Sempre era chamado para consertos. Dona Sinhá, uma mulatinha bonitinha cheia de vida e charme desfilava sempre pelas ruas do morro. Ia à bodega de Seu Pretinho homem gordo e cheio de gracinhas e atirado, sempre querendo tirar proveito da mulata, onde comprava alguns mantimentos com suas palavras doces e de ternura. Sempre a chamava de “minha filha”. Os homens da redondeza olhavam aquela belezura que passava se requebrando. Dizia, este Perereca é um felizardo quem tem um pedaço desse não pode se queixar na vida. O Perereca sempre que estava na barraca com os amigos tomando pinga, se orgulhava da sua Sinhá é mulher de não se botar defeito. Os companheiros sempre o alertavam, cuidado com a vida, mulher é sempre traiçoeira, se não se cuidar ela te bota um chifre que nunca vai sentir. Alerta dado. Alerta esquecido. Não é que aconteceu! Um belo dia, sol a pino lá no alto, um vento brando, acariciando os cabelos em envolto em um lenço vermelho, Perereca apanhou a sua Sinhá conversando animadamente com um velho conhecido que tinha viajado para São Paulo e voltou para visitar Dona Orquídea, sua mãe. Durante um mês a conversa com visitante ilustre da capital acontecia todos os dias na barba do Perereca. Ela pouco a pouco foi se engraçando das conversas fantasiosas e foi levada pela lábia do Oseas. Ele nunca desconfiava da sua mulher para ele – era uma santa – nunca lhe reclamara de nada, às vezes faltava alguma coisa em casa e ela dizia – não se incomode que Deus provera. Numa destas madrugadas chegando a casa encontrou a cama vazia. Acedeu a luz. Uma garrafa de café em cima da mesa, alguns pães, duas xicaras e um bilhete debaixo do prato fundo com os seguintes dizeres – Cansei de ser Amélia, fui... Beijos.

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