Por Zezinho de Caetés
Hoje, eu poderia começar este introito apenas escrevendo: “Sem comentários!”. Isto porque, o texto
transcrito abaixo é tão contundente que qualquer palavra, a mais, poderá ferir
suas suscetibilidades. Ele foi escrito por Sérgio Fernando Moro, sim, aquele
juiz de lá do Sul que está tentando passar o Brasil a limpo, no O Globo, no
último dia 5.
No entanto, tenho que escrever para colocar um P.S. (agora
meu) no texto de ontem, pois ele tem tudo a ver com o do Moro. Tratam, ambos,
de corrupção. E ontem eu falava da renitência a favor da corrupção por parte do
PT, quando em pleno domingo, se juntam 3 ministros do governo Dilma para tentar
tapar o sol com uma peneira, e melar o julgamento do TCU, sobre as “pedaladas” e demais falcatruas da Dilma.
Devo esclarecer que venceu a razão e o julgamento foi
marcado para hoje, pelo menos até o momento em que escrevo. Ontem li na mídia
que o TCU tinha duas opções diante da sanha persecutória do governo da gerenta:
Ou mantinha o julgamento das contas, ou seu prédio, muito bonito, por sinal,
deveria ser vendido para instalação de um hotel 5 estrelas, para beneficiários
da corrupção. Espero que a primeira opção seja a seguida.
Agora fiquem com o Sérgio Moro, acompanhem, e até participem
do julgamento do TCU, para que aquele lindo edifício não se transforme em hotel
de trânsito da corrupção.
“A corrupção faz parte da condição humana. Isso não é um álibi, mas uma
constatação. Sempre haverá quem, independentemente das circunstâncias, ceda à
tentação do crime.
Outro fenômeno é a corrupção sistêmica, na qual o pagamento de propina
torna-se regra nas transações entre o público e o privado. Isso não significa
que todos são corruptos ou que todas as interações entre agentes privados e
públicos envolvam sempre propina.
Mas, na corrupção sistêmica, o pagamento da propina, embora não um
imperativo absoluto, torna-se um compromisso endêmico, a regra do jogo, uma
obrigação consentida entre os participantes, normalmente refletida no pagamento
de percentuais fixos de comissões sobre contratos públicos.
A economia perde eficiência. Além dos custos óbvios da propina,
normalmente inseridos nos contratos públicos, perde-se a racionalidade na
gestão pública, pois a apropriação dos valores passa a guiar as decisões do
administrador público, não mais tendo apenas por objetivo a ótima alocação dos
recursos públicos.
Talvez seja ela a real motivação para investimentos públicos que
parecem fazer pouco sentido à luz da racionalidade econômica ou para a
extraordinária elevação do tempo e dos custos necessários para ultimação de
qualquer obra pública.
Mais do que isso, gera a progressiva perda de confiança da população no
estado do direito, na aplicação geral e imparcial da lei e na própria
democracia. A ideia básica da democracia em um estado de direito é a de que
todos são iguais e livres perante a lei e que, como consequência, as regras
legais serão aplicadas a todos, governantes e governados, independentemente de
renda ou estrato social.
Se as regras não valem para todos, se há aqueles acima das regras ou
aqueles que podem trapacear para obter vantagens no domínio econômico ou
político, mina-se a crença de que vivemos em um governo de leis e não de
homens. O desprezo disseminado à lei é ainda um convite à desobediência, pois,
se parte não segue as regras e obtém vantagens, não há motivação para os demais
segui-las.
Pior de tudo, a corrupção sistêmica impacta o sentimento de autoestima
de um povo. Um povo inteiro que paga propina é um povo sem dignidade.
Pode-se perquirir quando o problema começou, mas a questão mais
relevante é indagar como sair desse quadro.
Há uma tendência de responsabilização exclusiva do poder público, como
se a corrupção envolvesse apenas quem recebe e não quem paga. A iniciativa
privada tem um papel relevante no combate à corrupção. Cite-se o empresário
italiano Libero Grassi. Em ato heroico, no começo da década de 90 na Sicília,
denunciou publicamente a extorsão mafiosa, recusando-se a pagar propina.
Ficou isolado e pagou com a vida, mas seu exemplo fez florescer
associações como o Addiopizzo, que reúne atualmente centenas de empresários
palermitanos que se recusam a ceder à extorsão. Não se pretende que empresários
daqui paguem tão alto preço para tornarem-se exemplos, mas, por vezes, poderão
se surpreender como a negativa e a comunicação às autoridades de prevenção, que
podem mostrar-se eficazes.
Mas o poder público tem igualmente um papel relevante. As regras de
prevenção e repressão à corrupção já existem. É preciso vontade para torná-las
efetivas. Se a Justiça criminal tratasse a corrupção com um terço da severidade
com que lida com o tráfico de drogas, já haveria uma grande diferença.
Em parte, a inefetividade geral da lei contra a corrupção e contra
figuras poderosas é um problema de interpretação e não de falta de regras. O
exemplo do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470 deve ser um
farol a ser considerado por todos os juízes.
Dizer que as regras existem não significa que não é preciso
melhorá-las.
O que mais assusta, em um quadro de naturalização da propina, é a
inércia de iniciativas para a alteração das regras legais que geram as brechas
para a impunidade. O processo penal deve servir para absolver o inocente, mas
também para condenar o culpado e, quando isso ocorrer, para efetivamente
puni-lo, independentemente do quanto seja poderoso.
Não é o que ocorre, em regra, nos processos judiciais brasileiros.
Reclama-se, é certo, de um excesso de punição diante de uma população
carcerária significativa, mas os números não devem iludir, pois não estão lá os
criminosos poderosos.
Para estes, o sistema de Justiça criminal é extremamente ineficiente. A
investigação é difícil, é certo, para estes crimes, mas o mais grave são os
labirintos arcanos de um processo judicial que, a pretexto de neutralidade,
gera morosidade, prescrição e impunidade.
Um processo sem fim não garante Justiça. Modestamente, a Associação dos
Juízes Federais do Brasil apresentou sugestão ao Congresso Nacional, o projeto
de lei do Senado 402/2015, que visa eliminar uma dessas grandes brechas,
propiciando que, após uma condenação criminal, em segunda instância, por um
Tribunal de Apelação, possa operar de pronto a prisão para crimes graves e
independentemente de novos recursos.
Críticos do projeto apressaram-se em afirmar que ele viola a presunção
de inocência, que exigiria o julgamento do último recurso, ainda que infinito
ou protelatório. Realisticamente, porém, a presunção de inocência exige que a
culpa seja provada acima de qualquer dúvida razoável, e o projeto em nada
altera esse quadro.
Não exige, como exemplificam os Estados Unidos e a França, países nos
quais a prisão se opera como regra a partir de um primeiro julgamento e que
constituem os berços históricos da presunção de inocência recursos infinitos ou
processos sem fim. O projeto não retira poderes dos Tribunais Superiores que,
diante de recursos plausíveis, ainda poderão suspender a condenação. Os únicos
prejudicados são os poderes da inércia, da omissão e da impunidade.
Mas há alternativas. Em sentido similar, existe a proposta de emenda
constitucional 15/2011, originária de sugestão do ministro Cezar Peluso,
ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público Federal
apresentou dez propostas contra a corrupção que deveriam ser avaliadas pelo
governo e pelo Congresso, assim como os projetos citados, com a seriedade que a
hora requer.
O fato é que a corrupção sistêmica não vai ceder facilmente. Deve ser
encarada da forma apropriada, não como um fato da natureza, mas como um mal a
ser combatido por todos.
Os tempos atuais oferecem uma oportunidade de mudança, o que exige a
adoção, pela iniciativa privada e pela sociedade civil organizada, de uma
posição de repúdio à propina, e, pelo Poder Público, de iniciativas concretas e
reais, algum ativismo é bem-vindo, para a reforma e o fortalecimento de nossas
instituições contra a corrupção.
Milhões já foram às ruas protestar contra a corrupção, mas não surgiram
respostas institucionais relevantes. O tempo está passando e o momento, em
parte, está sendo perdido.”
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