Por José
Antonio Taveira Belo / Zetinho
Um pequeno riacho corta os três alqueires do sitio Beira Rio.
Terra boa para plantação onde é cultivado jerimum, milho, feijão, mandioca,
banana, melancia entre outros. Alguns pés de mangas rosa e espada, goiabeiras,
jacas, abacate que na safra é tantas que é dividido com as pessoas da redondeza.
O curral com seis vacas leiteiras e alguns cabritos pastando no terreno. Uma
casa cercada de alpendre com algumas redes penduradas para descanso, azuis. Seu
Elesbão, carinhosamente chamados por todos com “Bão” era um homem dos seus
cinquenta anos. Vive para aquele sitio, onde ama e nunca desejou sair para
algum lugar. Cuida de toda plantação e dos animais logo cedo da manhã, antes do
sol raiar. Tira leite das vacas e depois com enxada vai para o roçado. À tarde
sempre trás algo para casa, uma melancia, um cacho de banana verdosa que
amadurecia pendurada no alpendre. Dona Flor sua mulher, uma morena dos seus
quarenta e cinco anos, esperta e trabalhadora no campo, nunca se acostumara com
aquele serviço da roça. Às vezes ia ajudar mais logo saia, não aguentava a
quentura do sol. Sentia-se só, naquele pedaço de chão. A noite era monótona,
não tinha com quem conversar. Ela e seu Dão era o seu mundo. Não se arrependera
da sua vida matuta, mas não era pecado desejar outras coisas na vida. Nada
conhecia a não ser o pequeno povoado. Desejava conhecer novas terras, novas
pessoas, novos modo de viver e o seu sonho era morar em São Paulo. Seu único
passeio era ir à missa celebrada na Matriz do Santo Expedito, no sábado, dia de
feira às 10 horas da manhã pelo Padre Afonso. Depois ia conversar com algumas
comadres no terraço da casa de Dona Mariquinha, ali tomava conhecimento de tudo
que acontecia no povoado. Mulher queres mesmo ir morar em São Paulo? Já
pensastes nisso? Seu marido nunca apoiou esta ideia absurda, não foi? Ela
ficava calada, rindo sempre. E se não der certo? Tu vais voltar com a cara no
chão. E tua idade, já pensastes? Mulher pensa direitinho para não quebrar a
cara. São Paulo não é aqui não. Tu vais vê. Lá é tudo diferente daqui. La não
se tem amizade, cada um cuida de si e Deus por todos. Pensa bem, diziam. Um dia
a mulher resolveu visitar o seu filho Abrão, que se fora há uns cinco anos e
pelo jeito se dava bem. Casado e já com dois filhos. Nunca reclamou em suas
cartas da vida que vivia. De tanto aperreio Bão resolveu viajar, nunca morar,
pois não conseguia esquecer o seu sitio. A mulher por ela vendia tudo e
comprava uma casinha lá e iam trabalhar. De jeito nenhum vendo o meu sitio,
disse. Não tem ninguém que me faça morar em São Paulo, pois não sei ler e nem
escrever bem. E tu vais ser empregada domestica. Ser mandada e por aqueles
capitalistas. Nunca vou morar lá. Falou com o seu cumpradre Vitinho e disse
para ele tomar conta do sitio até ele voltar. Mas tu não vais morar lá, de
acordo com a comadre? Nunca, meu velho saio daqui. Nunca! Compraram as passagens para um ônibus
clandestino. Saiu por volta do meio dia de Sertãozinho, cidade as dois quilômetros
do seu sitio. Dona Flor levou uma
galinha assada, farinha, pão doce e uma garrafa de guaraná para se alimentar
nos primeiros momentos. Levava alguma economia guardada no bolso da calça para
o restante da viagem. Por volta das dez e meia da noite, o ônibus teve seu pneu
furado. Parou e o motorista disse que nada podia fazer, pois era noite e ficava
difícil de trocar o pneu. Todos se acomodaram dentro do ônibus, um calor
infernal, escuro, e gritos de criança chorando para aumentar a confusão. Seu
Bão já estava arrependido da viagem. Pela manhã, consertaram o pneu e seguiram
viagem sob um sol abrasador. Todos suados, já fedendo, pois ainda não tinham
parado para as suas necessidades. A dor de barriga e a mijação já incomodava.
Por volta das três da tarde parou o ônibus numa casinha sem agua e sem
banheiro, pois, o ônibus clandestino não podia parar em posto de gasolina, pois
seria aprendido. Tais vendo mulher, que sofrimento. Esta tua invenção não vai
dar em nada. E assim durante três dias o sofrimento era terrível. Chegaram à Rodoviária
de São Paulo todos estropiados. Fedendo e sem lugar certo para ficar e tomar
banho. Dona Flor nada avisou ao filho, pois queria lhe fazer uma surpresa.
Milhares de pessoas indo e vindo dentro da Rodoviária. Dezenas de ônibus saindo
e chegando. Procurou saber de alguns funcionários mais ninguém ensinava bem. Tais
vendo mulher às pessoas aqui não dão cabimento para ensinar nada. Que se virem.
Sentou-se em uma cadeira suado, com roupa suja procurando saber como chegar à
casa do filho. Dona Flor por coincidência tinha um envelope na mão com
endereço. Bairro M’boi Mirim. Ninguém ali por perto sabia. Ninguém, mesmo um
guarda que se encontrava ali por perto sabia. Procurou saber com uma moça onde
era este bairro. A moça informou correndo e atendendo outras pessoas, mandando
para o metrô. Ele não sabia que bicho era este. Nunca ouvira falar. Apanharam
as maletas e começaram a descer uma escada rolante, quase caindo, desequilibrado.
Os trens passavam em alta velocidade e quando parava era urgente pegar. Passaram
o dia nesta agonia. A cada instante dizia, devíamos ter ficado em casa e nunca
vir para esta terra de sofrimento. Finalmente, chegaram à estação Esperança e
não sabia como comunicar. Perguntava as pessoas se sabiam o endereço que
constava no envelope. Ninguém sabia. Outros balançavam a cabeça em negativa.
Até que um homem ouvindo a sua pergunta ensinou - à senhora entra naquela esquina,
vira a direita, lá tem um posto de Saúde, atravessa a ponte de madeira, sobe
uma pequena ladeira e depois vira a esquerda é este o endereço certo. Bão coçou
a cabeça já desiludido com aquela viagem. Dona Flor já descadeirada, apesar da
pouca idade, mais era mulher e mulher cansa logo, dizia. Foram e quando
chegaram ao lugar, não sabia a casa, numa rua cumprida e tortuosa. Os numero
das casas divergiam às vezes o numero pequeno, outra vez o numero era alto.
Como achar o Abrão? Saíram como penitentes perguntando ali e acola se conhecia,
ninguém sabia informar. Até que o barraqueiro disse, é um nordestino? É sim de
Pernambuco. Pois ali mora um rapaz que é daquelas bandas. Va
lá e confira. Chegaram numa casa pobre no alto, com três cômodos. Duas redes
estendidas na sala, uma mesa e um fogão com algumas panelas em cima. Dono Flor
e seu Bão estavam admirados com aquela pobreza. Ele que tinha uma bonita casa,
sitio e tudo mais ia morar num lugar daquele. Nunca. Bateram palma. Uma mulher
bonita, mas mal vestida veio atender. O que é que vocês querem? Aqui mora Abrão? Sim. Nós somos os seus pais e
viemos para passar uma temporada. A mulher quase morre de susto. O que? Aqui
não tem lugar nem para gente como é que vamos acolher vocês. Ficamos admirados e
surpresos com a acolhida. Entramos e ficamos sentados em cadeiras, esperando
pelo nosso filho que chegou por volta das dez horas da noite. Mas Abrão tu não
moras aqui tu morre. Tais vendo mulher que a coisa aqui não é o que tu pensas?
Dona Flor já desiludida disse tens razão, vamos voltar para nosso canto e Abrão
se quiser ir volta conosco, não é? Fizeram as malas e todos voltaram para o
sitio. São Paulo nunca mais, não quero nem ouvir este nome. Voltaram.
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