por DANIELA PINHEIRO (*)
Passava da meia-noite e o carro blindado avançava veloz por
uma tranquila Marginal Tietê, em São Paulo. Sentado ao lado do motorista, o
deputado federal Márcio França, presidente do diretório paulista do Partido
Socialista Brasileiro, comentava os meandros da intrincada disputa eleitoral.
“Paulista não vota para eleger. Paulista vota para derrotar os outros. E eles
querem a Dilma fora”, disse, enfático. “Só que o paulistano clássico ainda não
entendeu que, para derrotar a Dilma, tem que votar no Eduardo, e não no Aécio”,
continuou, discorrendo sobre o maior colégio eleitoral do país. “Votar no Aécio
no primeiro turno é assegurar a reeleição da Dilma no segundo.”
No banco de trás, o presidenciável Eduardo Henrique Accioly
Campos – ex-governador de Pernambuco, ex-deputado federal, ex-ministro da
Ciência e Tecnologia do governo Lula, terceiro colocado na corrida presidencial
– ouvia o raciocínio em silêncio, tentando, em vão, completar uma ligação pelo
celular. França prosseguiu. “Imagine o Nordeste. Se o segundo turno for entre
Aécio e Dilma, quem votou no Eduardo migra direto para a Dilma. Não votam em
tucano nem a pau”, disse.
Um utilitário de luxo ultrapassou em alta velocidade, o que
provocou a revolta dos passageiros, menos do candidato – que seguia vidrado no
celular. “Agora, se for Eduardo e Dilma, o Eduardo está eleito, já que os
tucanos vão votar nele. É a única hipótese de ela perder.” Como se tivesse
acordado de um transe, Campos desistiu do telefone, esticou a coluna e
murmurou: “É...”
A quatro meses das eleições, Eduardo Campos oscilava em
torno de 10% das intenções de voto. A presidente Dilma Rousseff, do Partido dos
Trabalhadores, liderava a corrida eleitoral com 35%, seguida por Aécio Neves,
do Partido da Social Democracia Brasileira, na casa dos 20%. As projeções
também indicavam que mais da metade da população não tinha ideia de quem ele
fosse e 30% diziam não votar nele “de jeito nenhum”. Na avaliação dos
marqueteiros, dois pontos contavam a seu favor: alto desconhecimento e rejeição
moderada.
“Minha eleição vai ser de fenômeno, vai ser de arranque na
última hora”, disse ele, retomando o interesse pelo celular. “Ninguém está
pensando em eleição agora. Deixa a Copa acabar, começar o horário eleitoral, é
quando eu começo a crescer. E aí vai ser de uma vez”, comentou, alongando os
dedos em direção ao teto do automóvel.
Desde que entrou no páreo, Campos se apresenta como o
candidato da “nova política”, uma alternativa à dicotomia PT-PSDB, que, juntos,
somam vinte anos no poder. Ele e sua vice, a ex-senadora Marina Silva –
candidata à Presidência em 2010, quando obteve 20 milhões de votos –, se vendem
como a terceira via, com um discurso de página virada na história: fim do
aparelhamento do Estado, do fisiologismo, do patrimonialismo e da corrupção na
esfera pública.
O grupo voltava da gravação do programa Roda Viva, da TV
Cultura, em que Campos fora entrevistado por uma bancada de seis jornalistas.
No carro, comentou-se o fato de ele ter se esquivado quando lhe perguntaram se
manteria a candidatura, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
substituísse Dilma Rousseff na última hora. “Eu não vou morder essa corda. Veja
se vou botar Lula em palanque? Essa tucanada fica querendo me botar para brigar
com ele porque é bom para Aécio”, disse. “É uma estupidez brigar com Lula.
Parte do lulismo vai deixar Dilma e vai votar em mim. Não vou falar mal de Lula
nunca. É uma questão de autodefesa”, arrematou.
Ele finalmente conseguiu completar a ligação. Em seguida,
recebeu a chamada de Marina Silva, que estava em Montevidéu e havia assistido à
entrevista pela internet. Trocaram impressões sobre o desempenho do candidato
na televisão. Ele se despediu formalmente com “um abraço, obrigado”, desligou o
aparelho, virou o rosto para a direita e encarou os casebres ao longo da
estrada. “É luta, é luta!”, repetiu para si mesmo.
Aos 48 anos, Eduardo Campos aparenta mais idade. Ele se
veste de maneira formal – sempre de camisa clara, blazer escuro e sapato social
–, usa gel para domar os fios que rareiam no cocoruto e está sempre com um
frescor de quem acabou de sair do banho, mesmo depois de uma maratona de rua
com 40ºC à sombra. Um dos coordenadores da campanha, o ex-deputado sergipano
Pedro Valadares, me confidenciou que uma de suas vaidades é roupa. “Ele está sempre
arrumadinho.”
Seu rosto é muito expressivo. Os olhos azul-esverdeados
chegam quase à brancura na luz do sol. Injetam-se quando ele está irritado.
Arregalam-se quando elequer instigar o interlocutor. Cerram-se enquanto ele
puxa o lábio inferior com o indicador e o polegar em situações reflexivas. O
nariz muito adunco costuma acomodar um pingo na proa depois de um gole em
qualquer líquido. Assessores se apressam em coçar a ponta do próprio nariz para
indicar ao chefe que o dele precisa de um lencinho.
Tem um legítimo sotaque pernambucano. Diz “cabra” para se
referir a um sujeito, “arengar” quando fala de discussão mole, usa muito “oxe”
e se vale de “da moléstia” como advérbio de intensidade. Quando fala em
público, o acento arrefece e a voz ganha tom de locutor televisivo. Amigos usam
palavras como “leve”, “bem-humorado”, “engraçado” para definir seu traquejo
social. Quando vai fazer alguma confidência – o que é raro –, Campos avisa:
“Isso é em out.” No jargão jornalístico, costuma-se usar “em off”. É um exímio
contador de piadas e um imitador hilário. Como um Zelig, incorpora maneirismos,
trejeitos, vozes, e mimetiza características pessoais alheias com propriedade.
Melhores performances: Lula, Dilma e Roberto Amaral, o vice-presidente do PSB.
No trabalho, os adjetivos usados por quem já esteve sob sua
batuta são mais contundentes: “exigente”, “obcecado”, “centralizador”,
“autoritário”. No Congresso Nacional, era conhecido como soberbo articulador
político, ótimo conciliador de ânimos e pela excelente relação com jornalistas,
sobretudo com a velha guarda brasiliense, que sempre lhe reservou boa mídia.
Casado há mais de duas décadas com a economista Renata
Campos, tem cinco filhos, entre 21 anos e cinco meses de idade. Pergunto quem
são seus melhores amigos. Ele faz uma pausa para, em seguida, citar assessores
de campanha. Campos, dizem, é um cara família. Como se diverte? “Churrasco em
casa”, responde. É neto de Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco,
uma das maiores lideranças de esquerda da história do país. Sua bisavó materna
foi sogra de dois governadores. A família de Renata Campos também compreende
políticos regionais.
Em meados de maio, Eduardo Campos tomava café da manhã em um
hotel de Campina Grande, na Paraíba. Enquanto o grupo de assessores ainda
trazia estampada na face a maratona de pré-campanha da véspera, ele fazia
piadas, falava sobre as notícias do dia, contava casos e instigava os presentes
à mesa a acelerar o pensamento. Quando o último assecla apareceu, foi recebido
com um sorriso irônico. “Veio almoçar com a gente?” Eram seis e quinze da
manhã. Nas dezoito horas seguintes, ele passaria por três cidades, teria doze
compromissos, daria nove entrevistas e falaria dezesseis vezes a frase “O
Brasil parou de melhorar e começou a piorar”.
Desde abril, quando deixou o governo de Pernambuco, corre o
país em um jatinho alugado pelo PSB (às vezes usa helicóptero emprestado),
participando de almoços, jantares, palestras, conferências, mesas-redondas e
entrevistas a estações de rádio e televisão. Um levantamento na agenda dos
presidenciáveis mostra que ele era o que mais viajava pelo país. Engordara 3
quilos. “Oiê, tô indo para uma rádia”, disse irônico para a mulher pelo
celular, na van a caminho de uma emissora. Contou ter visto as fotos das
crianças, resumiu a agenda do dia, perguntou como estava tudo em casa e se
despediu em pernambuquês: “Xau.”
Naquele dia, a bancada governista manobrava para incluir as
obras do Porto de Suape, em Pernambuco, na Comissão Parlamentar de Inquérito da
Petrobras, como retaliação ao apoio de Campos à investigação. “Babaquice.
Investiga! Não tenho problema nenhum com isso”, afirmou. Depois, discorreu
sobre a estratégia do PT de querer intimidá-lo, “o que era uma clara
demonstração de desespero”. Ele comentou ter sido interpelado no hotel por
hóspedes que criticaram Dilma Rousseff. “Falaram que não votavam ‘naquela mulé’
de jeito nenhum. Reparou que agora ficam chamando ela de Dilmão, Dilmona?”,
inquiriu. “O povo está com abuso demais dela.”
Durante onze anos, Eduardo Campos esteve alinhado com o
governo petista. Desde que se declarou na briga pelo Planalto, adotou uma
postura mercurial contra Dilma Rousseff. Chegou a dizer que “raposas já
roubaram o que tinham que roubar no governo” e que ia mandar o senador José
Sarney, do PMDB, para a oposição. “O país tomou um rumo totalmente errado”,
disse. Com virulência, ele mencionou a alta carga tributária, os juros, a
inflação, a débâcle da Petrobras, a falência do setor elétrico, o desfalque nas
contas externas, o mal-estar que havia tomado conta da população.
Adversários enxergavam na atitude de Campos uma contradição:
tantos anos junto ao governo e, de repente, tornara-se um crítico contumaz.
“Primeiro é que não foi ‘de repente’”, disse o candidato. No começo do governo
Dilma, ele afirmou, já alertava a presidente sobre o rumo nefasto que estava
tomando a aliança com o PMDB. “Eu e muitos acreditamos que ela poderia ter
melhorado falhas do governo Lula, o que não ocorreu. Fez pior: quem passou a
mandar no governo foi a raposada do PMDB. Na época de Lula, não era assim.”
No programa de rádio, Campos foi sabatinado sobre seus
planos. “O que temos para mostrar é o trabalho que fiz em Pernambuco e a
trajetória de vida de Marina Silva”, disse. Afirmou estar “chocado” com os
boatos de que acabaria com o Bolsa Família, prometeu diminuir os impostos com
uma reforma tributária imediata e disse que, com escola integral, o Brasil
mudaria em duas décadas.
Em seguida, falou sobre o programa de intercâmbio no
exterior para os melhores alunos de escolas públicas, criado por ele em
Pernambuco. “Quando era possível imaginar que o filho de um vaqueiro, de uma
doméstica, de um pedreiro poderia estudar nos Estados Unidos? Mas lá fizemos
acontecer.” Ao sair do estúdio, foi cercado por repórteres. De volta à van, ele
quis saber: “Quem era essa mocinha do SBT, que foi treinada só para me
perguntar sobre o Aécio?”
No começo do ano, Eduardo Campos e Aécio Neves haviam
combinado apoio mútuo em Minas e Pernambuco com vistas a uma parceria num
eventual segundo turno. Recentemente, o tom mudou. Comentei que o “excesso de
amizade pública” talvez tivesse confundido o eleitor, que não conseguia
diferenciar os projetos de cada um. Elogiavam-se, posavam como amigos, pareciam
correligionários. Foram flagrados jantando juntos no restaurante Gero, no Rio,
justamente quando o eleitorado começava a identificar os postulantes à
Presidência. “E foi coisa minha? Foi dele”, reagiu Campos. “Eu vou jantar com
ele e tem um fotógrafo na porta. Quem você acha que mandou?” A diferença entre
ambos seria estrutural: “A origem política dele é mais conservadora do que a
minha.”
E depois houve Comandatuba. “Aquilo foi uma sacanagem”,
comentou. Foi quando a campanha de Campos percebeu que teria de se distanciar
do tucano. Em maio, ele e Aécio participaram de um evento patrocinado pelo
empresário João Dória Júnior, cuja ideia era discutir política econômica,
gestão empresarial e responsabilidade social. Segundo Campos, organizaram um
debate entre os dois de última hora. “A fala dele foi um desastre. Não falou
nada com nada. Teve quarenta minutos, eu vinte, e ele ainda era sempre o último
a responder, ou seja, fechando com chave de ouro”, comentou. O que mais irritou
o candidato foi ter sido informado de que, ao final do encontro, Dória teria
reunido alguns empresários – como Luiza Trajano, do Magazine Luiza – para
diminuí-lo. “Ficou falando que eu tinha ido mal, que eu estava constrangido. Eu
estava era chocado.” Semanas depois, Campos anunciou o rompimento do acordo com
Aécio e passou a criticá-lo publicamente.
O cearense Miguel Arraes de Alencar entrou na política pelas
mãos do então governador de Pernambuco, Barbosa Lima Sobrinho, com quem tinha
trabalhado no Instituto do Açúcar e do Álcool, nos anos 40. Começou como
secretário estadual da Fazenda e, em 1962, com o apoio dos comunistas, derrotou
João Cleofas, candidato das oligarquias canavieiras. Com um governo alinhado à
esquerda, devotou-se à melhora da vida dos trabalhadores rurais, forçando
usineiros e donos de engenho a pagar benefícios, além de dar forte apoio à
criação de sindicatos, associações comunitárias e ligas camponesas.
Em 1º de abril de 1964, tropas do Exército cercaram o
Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco. Os militares
propuseram que o governador renunciasse, ele negou. Saiu de lá para a prisão.
Arraes ficou onze meses encarcerado na ilha de Fernando de Noronha. De lá,
exilou-se na Argélia, onde viveu por quase quinze anos, longe de parentes,
amigos e correligionários.
Na mesma época, Ana, a segunda dos dez filhos de Arraes,
começou a namorar Maximiano Campos, oficial de gabinete do pai. Tinha 16 anos.
Dois anos depois, casou e ficou grávida de gêmeos. Um deles não vingou. O
outro, Eduardo, nasceu em 10 de agosto de 1965. Com o pai e os irmãos exilados,
ela, o marido e o filho se refugiaram em uma propriedade rural em Vitória de
Santo Antão, a 50 quilômetros do Recife. Criavam galinhas e gado. Ana cuidava
da contabilidade da fazenda e Maximiano passava o dia em meio a leituras e
apontamentos. Três anos depois, ela deu à luz o segundo filho Antônio. Nenhum
deles tem o sobrenome materno, Arraes de Alencar. Maximiano não quis.
Em 1971, a família Campos voltou ao Recife. “Ainda éramos
vigiados, havia aquela desconfiança de tudo e de todos o tempo todo”, lembrou
Ana Arraes recentemente. A casa da família era um ponto de encontro de
intelectuais, artistas e políticos. Desde cedo, Eduardo Campos participava das
conversas, escutava muito, palpitava com a mesma intensidade. Do outro lado da
rua, a vinte passos de distância, morava o escritor Ariano Suassuna – cuja casa
virou uma extensão da família Campos. Foi ali, aos 8 anos, que o candidato
conheceu Renata, de 6, sobrinha em primeiro grau de Zélia, mulher de Suassuna.
Brincavam tomando banho num tanque e jogando bola. Eduardo Campos cresceu
chamando o escritor de “tio Ariano”. No governo, nomeou-o secretário de
Assessoria ao Governador. As famílias também veraneavam em Candeias, uma praia
vizinha. Quando Renata tinha 13 anos, começaram a namorar. Estão juntos desde
então.
Maximiano Campos morreu em 1998. É descrito por quem o
conheceu como “um homem de inteligência superior, muito culto, mas
emocionalmente instável”. O casamento acabou ainda nos anos 80. Ele é autor de
dezessete livros, alguns publicados postumamente por seu filho Antônio, com
subsídios públicos. A obra mais conhecida é o romance Sem Lei nem Rei, que
trata da briga entre coronéis do sertão e da Zona da Mata de Pernambuco. No
livro Do Amor e Outras Loucuras, cuja contracapa traz os logos do Ministério da
Cultura, da Petrobras, dos Correios e da Chesf, há um poema chamado “Para
Eduardo”. Diz uma estrofe:
Tenho um destino:/a vontade firme de
construir,/realizar./Não nasci para destruir,/ muito menos para sentir medo./
Nasci para lutar/pelos que não podem,/ pelos pobres, sem abrigo,/sem lar, sem
justiça e sem lei.
Em uma tarde de abril, o advogado Antônio Campos, conhecido
como Tonca, e sua mãe, Ana Arraes, ministra do Tribunal de Contas da União,
receberam-me no Instituto Maximiano Campos, a antiga casa da família
transformada em acervo com livros e lembranças do escritor. Há uma sala com
estantes arrumadíssimas de publicações catalogadas, rascunhos datilografados,
fotografias ampliadas, um busto e frases dele nas paredes.
O culto à memória literária do pai é uma das missões
pessoais de Antônio, um sujeito gentil, de expressão desconfiada e fala formal.
“Você se senta com Eduardo e acha que já está com o presidente da República”,
ele comentou. A seu lado, Ana Arraes, uma mulher elegante, que poderia ser confundida
como uma irmã dos filhos, corroborou: “Sei que sou suspeita para falar, mas ele
é muito preparado, tem uma sensibilidade social altíssima.”
Quando a conversa resvalou para os pontos em comum entre o
neto e o avô, Tonca se apressou em responder: “Gestão honesta, políticas
voltadas aos mais necessitados. Mas Eduardo não é um novo Arraes, ele é um
Arraes novo, contemporâneo.” Eu disse que havia quem o achasse autoritário.
“Ele é um líder. O povo brasileiro quer um líder, alguém que tome conta, que
melhore a vida deles”, completou.
Ainda governador de Pernambuco, Eduardo Campos e uma
comitiva de assessores e secretários desembarcaram em Brasília com uma missão:
pedir votos a seus ex-colegas parlamentares para aprovar o nome de sua mãe para
ministra do Tribunal de Contas da União – um cargo vitalício, que tem a
responsabilidade de aprovar (ou não) a prestação financeira de governantes do
país.
“Eu não precisei de lobby. Por um voto, não fui a mais
votada da história do tribunal. Já fui a deputada federal mais votada do
estado, sou advogada”, disse Ana. Ressaltou que se coloca impedida para
apreciar qualquer caso que envolva Pernambuco e também evita eventos políticos
do filho. A cada intervenção da mãe, Tonca a interrompia, como se a conversa
precisasse de legenda ou ele temesse alguma indiscrição. “E olhe aqui: se ele
não ajudar a mãe, vai ajudar quem?”, perguntou ele.
Em um dado momento, quando se falava sobre críticas ao
candidato, foi Tonca quem tocou num assunto: “E ficam com essa história de
dizer que ele é filho de Chico Buarque.” Em junho de 2011, quando era deputada
federal, Ana Arraes chegou a divulgar uma nota oficial negando o boato,
propagado pela internet. Quem nunca tinha ouvido a história soube ali. “Uma
coisa dessas não dá para ficar calada. Quem cala consente.” Ana Arraes disse
que conheceu o músico apenas em 1986.
Adversários de Campos costumam atacá-lo evocando a captação
de recursos para projetos culturais feita por Tonca. “Para evitar a exploração
política, deixamos de pedir subsídios”, ele explicou. Era hora de encerrar a
conversa. “Querer imputar a Eduardo qualquer coisa errada é absurdo. Quase oito
anos no poder e nenhuma ação de improbidade, nenhuma denúncia, nada.”
Foi apenas aos 10 anos de idade que Eduardo Campos conheceu
Miguel Arraes, quando a família foi visitá-lo em Argel. Durante o exílio do
avô, trocavam cartas – perdidas durante uma enchente que atingiu a casa da
família. Eduardo era o preferido do avô. Não de Arraes, mas de Fernando Campos,
do lado paterno. Plantador de cana afinado com a política conservadora dos
usineiros, ele se jactava por Eduardo ser o único neto parecido com ele: alto,
os olhos azuis muito claros, o nariz aquilino, o queixo proeminente. Aos outros
descendentes, reservava o apodo de “os moreninhos”.
A relação com Arraes sempre foi formal. Nunca foram de
intimidades ou troca de afeto. Tratavam-se por “doutor Eduardo” e “doutor
Arraes”. O jeito fechado de sertanejo, monossilábico, seco, era difícil para o
neto. O avô não elogiava, não facilitava. “Arraes nunca passou a mão na cabeça
de Eduardo. Ele teve que se fazer sozinho e conseguir o respeito do avô. Como
todo mito, Arraes não deixava herdeiros políticos. Queria brilhar sozinho.
Eduardo teve que se impor e se inventar”, comentou um ex-assessor de Arraes no
governo.
Dizia-se que o velho Arraes era um coronel de esquerda.
Sempre se elegeu com chapas que juntavam empresários, fazendeiros e oligarcas.
Tinha uma legendária capacidade de transitar por várias tendências do espectro
ideológico sem ficar preso a uma ou outra. Em 2002, apoiou Anthony Garotinho à
Presidência da República. Eduardo Campos é feito dessa argamassa: a da família
que, de um lado da mesa, faz sentar o mítico homem da esquerda; do outro, o avô
da oligarquia. Numa ponta, os tios maternos – intelectuais, artistas,
escritores –; na outra, a família da mulher, que é tradicional e conservadora.
É e sempre foi um anfíbio, capaz de se adaptar às mais diversas situações e
ambientes. Respirou dentro das águas do governo e agora toma novo fôlego com o
oxigênio da oposição.
Só no final da vida Arraes revelou um lado mais afetuoso com
o principal herdeiro político da família. “Ele passou a falar coisas que nunca
havia dito antes. Dizia ter orgulho de mim, estar satisfeito por eu ter virado
o que sou, coisas impensáveis de sair de sua boca”, lembrou Campos. Miguel
Arraes morreu em agosto de 2005.
No calçadão Cardoso Vieira, no Centro de Campina Grande,
Campos era observado de longe por populares. A maioria dos transeuntes o
escrutinava com a expressão de já tê-lo visto em algum lugar. O vendedor de uma
loja de calcinhas o reconheceu e anunciou pelo alto-falante: “Aqui está o nosso
futuro presidente Eduardo Campos!”
Durante quase meia hora, Campos foi seguido por um
repentista, beijou mulheres, tirou fotos e tomou cafezinho no balcão de uma
padaria. Ele se apressava em cumprimentar os passantes antes que lhe dessem
trela. De volta à van que levava o grupo de doze pessoas, o ex-deputado Pedro
Valadares comentou: “Esse cabra é o cão chupando manga. Viu como o povo ama
ele? E aí não tem palestra para intelectual, não tem encontro com empresário,
não tem é nada. O negócio dele é o povo.” E a micropolítica. O tempo todo,
Campos perguntava a assessores com quem o PMDB estava no município X, se fulano
era candidato, se havia apoiado sicrano, se o vereador tal fez isso, se o
deputado Y fez aquilo.
O candidato tinha as costas da camisa molhadas de suor. “Rua
é a melhor coisa do mundo”, disse, escancarando os dentes e esfregando uma mão
na outra. Em uma reportagem da revista The New Yorker, o editor David Remnick
distinguiu dois tipos de políticos ao esquadrinhar a diferença entre o
ex-presidente Bill Clinton e seu vice, Al Gore, que havia perdido as eleições
americanas. Enquanto um se sentia revigorado no meio da multidão, o outro
parecia ter tido o sangue sugado por vampiros. Campos faz parte do primeiro time.
Depois do corpo a corpo, parecia tão excitado que chegou a dar soquinhos no
banco, como que para extravasar a agitação.
No meio da tarde, ele voltava de um encontro com estudantes,
no qual lhe foi perguntado sobre reforma previdenciária. Em sua opinião, mudar
a lei era urgente, mas sem mexer em quem já tem direitos adquiridos. “Não dá
para um desembargador deixar pensão para a segunda mulher novinha”, comentou.
“O cara contribui 25 anos e a pensão dura sessenta.” Pelo celular, chegou o
resultado de uma pesquisa encomendada pela campanha. Em Campo Grande, os três
candidatos estavam embolados: Dilma com 31, Aécio com 28 e ele com 27 pontos.
Aos 52 anos, o sociólogo argentino Diego Brandy é o guru
político de Campos. Diferente de boa parte dos marqueteiros brasileiros, ele
não tem gosto pelas frases de efeito nem costuma expor teorias mirabolantes. É
discreto, fala pouco, olha de soslaio, fuma horrores, sai à francesa. Poderia
ser um personagem de filme noir. Na campanha, ganhou o apelido de “trankilo” (pronunciado
com sotaque portenho), apesar de ter precisado implantar um stent em maio.
À frente do instituto de pesquisa Cipec – que tem o PSB como
maior cliente –, ele coordena equipes de análise política e pesquisas de
opinião. Atualmente, vive entre Recife, São Paulo e Buenos Aires, onde ainda
moram a mulher e as filhas. Não há uma política, uma estratégia, uma decisão de
campanha ou governo que não passem por seu crivo. Participou das vitoriosas
eleições de Campos ao governo do estado.
A particularidade das projeções feitas por Brandy, segundo
quem o conhece, é que, diferentemente de outros institutos, ele não aceita
“não” como resposta dos entrevistados. Estica as questões ao limite e consegue
obter dessa maneira, com base na inclinação do voto, uma previsão mais precisa
do resultado. Com Campos, dizem, nunca errou.
Em fevereiro, Brandy acreditava que o candidato teria em
torno de 35% dos votos no primeiro turno. Nessa mesma época, recebeu análises
que apontavam Campos vencedor em São Paulo e no Rio. Ele costuma repetir que
Dilma Rousseff cairá para menos de 30% às vésperas da eleição. Outra das suas
previsões: assim que Aécio divulgar seu vice (o que ocorreu no final de junho),
começará a cair nas pesquisas. E sua máxima predileta: a dupla Marina–Eduardo
seria imbatível na opinião pública. “Pela visibilidade dela e pela seriedade
dele”, aposta. Tanto que toda propaganda, jingle e material de campanha
enfatizam a dupla. Quando a chapa completa é apresentada aos eleitores, a
intenção de votos sobe para quase 20%. Segundo ele, basta esperar a propaganda
eleitoral e ter muita paciência. Trankilo.
Com a anistia, Miguel Arraes voltou ao Brasil. No dia em que
o avô desembarcou, Eduardo Campos, então com 14 anos, conheceu o líder
metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, que passou a tarde na casa do anistiado
para lhe dar as boas-vindas. A relação de Campos com o ex-presidente Lula
sempre foi de empatia total: tinham o mesmo interesse, o mesmo senso de humor,
dividiam a inclinação social, e ao mesmo tempo tinham o pragmatismo político
nas veias. “Eduardo é o neolulismo”, disse Alon Feuerwerker, diretor de
comunicação da campanha. “Faz política voltada para os pobres, tem diálogo com
a sociedade e a ideia de crescimento do país.”
No final de 2007, José Dirceu me disse: “Eduardo pode ser
nosso candidato em 2018.” Segundo o ex-ministro, ainda que Campos fosse de
outro partido, “o Lula quer ele”. Bem antes de Campos se declarar no páreo,
Lula ainda especulava oferecer a ele a vaga de vice de Dilma Rousseff em 2014.
“Agora, o PT falar que traí porque estou me lançando candidato? Isso é coisa
que coronel fazia. ‘Não está comigo, me traiu.’ Como se eu fosse um escravo,
estou me rebelando, devo pagar, ir para o tronco”, afirmou Campos. Falaram-se
pela última vez no começo do ano. “Eu vou ligar para Lula para falar o quê? E
ele vai me ligar para quê? Se eu ligar, ele pode querer conversa esquisita. Não
dá. É ruim para mim, para ele e para a Dilma.”
Aos 16 anos, Campos foi aprovado no vestibular de economia
na Universidade Federal de Pernambuco. Naquela época, passou a fazer política
estudantil como presidente do Diretório Acadêmico da faculdade. Aos 20,
formado, recebeu um convite para estudar nos Estados Unidos. Estava quase de
malas prontas quando seus tios vieram lhe pedir para ficar. Era um recado do
avô, que queria que o neto se engajasse em sua campanha para o governo de
Pernambuco, a primeira depois do exílio. Ele ficou. Foi a primeira de uma série
de concessões feitas à família para se projetar na vida pública. Jamais se
arrependeu da escolha, mas lamenta nunca ter aprendido o idioma.
Tal como Aécio Neves, Campos se iniciou na política como
assessor do avô. Em 1990, ele e Arraes abandonaram o PMDB e se filiaram ao PSB,
que se tornou o quintal eleitoral do clã. O velho mito foi eleito deputado
federal e o neto, estadual. Nas eleições de 1992, o avô lhe pediu mais um
obséquio. O PSB precisava de palanque com vistas à eleição de Arraes, e Campos
deveria sair candidato à prefeitura do Recife, mesmo sabendo da derrota
incontornável. Fez a campanha como se estivesse no páreo. Teve 5% dos votos,
como o previsto.
Dois anos depois, Arraes foi eleito governador e Campos
ganhou uma vaga na Câmara dos Deputados, com uma expressiva votação. Aos 30
anos, ele se licenciou do mandato e se tornou secretário da Fazenda. Era
considerado o “primeiro-ministro” do terceiro governo Arraes. A dupla
funcionava. Eduardo, o temido. Arraes, o amado. As finanças estaduais estavam
estouradas, sobretudo pela redução de repasses de verbas federais durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso, ao qual Arraes fazia oposição declarada.
O governo Arraes emitiu títulos da dívida pública estadual,
com autorização do Banco Central, para o pagamento de precatórios (dívidas
resultantes de sentenças judiciais). Na CPI dos Precatórios, Campos foi acusado
de favorecer bancos na venda dos títulos e de usar o dinheiro obtido em
despesas correntes do estado, como o pagamento de fornecedores e de salários
atrasados do funcionalismo. O escândalo arrebentou a reputação do governo
Arraes e a de Campos. Um amigo da família Arraes, que acompanhou de perto o
caso, disse que o episódio foi mais uma provação dele, que teve que lidar com a
hostilidade dos tios, que o culpavam por ter exposto o governo do avô. “Mas foi
o velho que mandou fazer. Havia uma combinação maior, de maiores interesses. Eduardo
foi lá e fez. Não foi ele quem inventou nem foi ele quem mandou fazer, mas na
hora da crise ele assumiu tudo sozinho”, comentou.
No auge do escândalo, Campos foi parar no banco da CPI,
acusado de forjar documentos para a emissão de títulos. “Ele é um monstro
político. Recuperou-se de maneira incrível. Eu teria abandonado a vida
pública”, comentou o ex-governador Mendonça Filho, seu adversário no passado.
Abatido pela denúncia, o avô sofreu uma derrota acachapante para o governo em
1998. Campos foi eleito novamente deputado federal. Em 2003, ele foi inocentado
das acusações no caso dos precatórios pelo Supremo Tribunal Federal, que
arquivou o processo.
Nas eleições de 2002, Miguel Arraes articulava sua volta,
mas os planos batiam de frente com os do neto. Àquela altura, Campos estava
convencido de que deveria ser candidato ao governo de Pernambuco. Foi
desencorajado por Arraes, que queria que ele disputasse uma vaga menor, a de
deputado estadual. A de federal ficaria para o velho. Arraes achava que o neto
lhe tiraria votos.
Durante algum tempo, Campos chegou a viajar pelo interior
como candidato local até que – nas palavras de um amigo – “caiu na real”.
Contrariando o avô, resolveu disputar a vaga de federal, o que fazia dele um
adversário do patriarca. Outro amigo da família se lembra com detalhes de como
os nove tios, novamente, passaram um tempo rompidos com ele por ter desafiado
Arraes. “Aquilo foi muito doloroso para Eduardo, mas muito importante, porque
ele se afirmou de maneira independente”, lembrou o amigo. Eduardo Campos foi
eleito com 70 mil votos. Miguel Arraes teve 180 mil.
Na Câmara dos Deputados, Campos nunca se destacou como
grande orador, tampouco foi um azougue dos projetos de lei. De acordo com um
levantamento feito pelo site Congresso em Foco, apresentou projetos para
ampliar o seguro-desemprego dos trabalhadores rurais, conferir bolsa-talento
para alunos no esporte e até instituir o Dia do Grafólogo. Mas nas votações era
uma raposa. Negociava com deputados para articular a base de apoio do governo.
Em todos os anos que esteve no Parlamento, foi eleito um dos “cabeças do
Congresso" pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o
Diap.
Em 2004, Lula o chamou para o Ministério da Ciência e
Tecnologia. Mais uma vez, Arraes se opôs. Queria o pesquisador Sérgio Rezende,
que viria a suceder Campos. À frente da pasta, revisou os programas espacial e
nuclear e conseguiu aprovar a pesquisa com células-tronco embrionárias. Criou a
Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, que se tornou uma das
maiores do mundo.
“O cara é um estupendo executivo, vai direto ao ponto, não
tem emocional no meio, é muito inteligente e tem tudo arrumado na cabeça”,
lembrou o economista Marcos Lisboa, vice-presidente do Instituto de Ensino e
Pesquisa, o Insper, que participava de reuniões de governo ao lado de Campos,
quando era secretário executivo do Ministério da Fazenda na gestão de Antonio
Palocci. Quando veio à tona o escândalo do mensalão, o governo ficou em
frangalhos. Ameaçado no cargo, Lula pediu aos ministros que voltassem para o
Congresso para ajudar a reconstruir a base aliada. Campos desempenhou um papel
importante, com Aldo Rebelo, então ministro de Relações Institucionais, para
tentar barrar a CPI dos Correios. Depois, Campos aumentou ainda mais seu cacife
junto a Lula, quando, mesmo sabendo ser o favorito, abriu mão de disputar a
presidência da Câmara. “Foi um período muito difícil, muito duro”, lembrou o
candidato. “Nós éramos parte, mas não tínhamos nada a ver com as coisas do Zé
Dirceu”, disse no carro blindado. Ele contou que Dirceu “sempre foi contra mim,
Aldo Rebelo, Beto Albuquerque. Ele operava com outra turma, João Paulo Cunha,
esse pessoal”.
A eleição para o governo em 2006 é tida pela equipe de
Campos como um paradigma da imprevisibilidade do jogo político. Ele entrou na
disputa com 4%, fazendo campanha em cima de um caixote de madeira em cidades do
interior. Com o escândalo da “Máfia dos Vampiros”, sobre desvios na área da
saúde, envolvendo parlamentares e municípios, o favorito Humberto Costa, do PT,
foi mencionado. Campos absorveu os votos petistas e ainda aglutinou o resto da
oposição. Com um discurso que prometia diminuir a conta de luz, foi eleito no
segundo turno com mais de 60% dos votos.
À frente do governo, Campos atraiu investimentos privados,
colocou gerentes para cuidar de hospitais, criou a avaliação de desempenho de
servidores e ampliou escolas de tempo integral. Instituiu reuniões de
monitoramento das ações governamentais. Quando alguma delas empacava, ele
passava a mão no telefone, ligava direto para Brasília ou para o empresariado.
Os resultados apareceram. Redução do número de homicídios,
forte crescimento do estado, duplicação do PIB estadual. Tocou obras como o
Porto de Suape, a Transnordestina, o estaleiro Atlântico Sul, e recebeu 30
bilhões de reais do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. Ele nega que
tenha conseguido bons resultados só porque recebeu um saco de bondades do
governo federal. “Isso que o PT fala é um debate desqualificado de conteúdo”,
disse. “O governo federal pôs dinheiro em todos os estados. Sobretudo nos
governados pelo PT. Vai lá ver se eles fizeram o que eu fiz.”
Apesar dos avanços econômicos, os problemas sociais
persistem. Pobreza elevada, a 19ª posição no ranking do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados e educação com índices abaixo da média
nacional.
No poder, Campos agregou partidos e reduziu a oposição a pó.
Foi o caso de Jarbas Vasconcelos, do PMDB, inimigo histórico, que passou para a
base de governo porque ficou sem espaço político. Migraram com ele figuras
históricas da “velha política”, como Inocêncio de Oliveira e Severino
Cavalcanti. Quando é criticado por ter incorporado figuras notórias do atraso a
seu governo, ele responde: “A diferença é que essas pessoas não tiveram nenhuma
importância na minha administração. É o oposto do que acontece com Dilma hoje.”
Com frequência, Eduardo Campos é chamado de “coronel”,
menções que julga preconceituosas pelo fato de ser um político nordestino. A
Honra do Imperador é um livro que compila artigos escritos pelo professor
Michel Zaidan, da Universidade Federal de Pernambuco, a ser lançado em julho.
Uma das poucas vozes dissonantes no estado, ele falou sobre o que chama de “a
era eduardiana” em um restaurante de um centro comercial do Recife. “Ele
aumentou as secretarias de dezoito para 28, e cortou sete antes de sair do
governo. Colocou dois postes como herdeiros políticos no estado para continuar
no controle. Eduardo é o imperador e Pernambuco é o reino”, comentou Zaidan, um
sujeito de fala mansa e gentil.
“Não há oposição em Pernambuco. Isso não é um bom sinal”,
comentou. Segundo ele, Campos governou com as velhas ferramentas de nomeações,
distribuição de cargos e liberação de verbas. O único deputado que aceitou
falar comigo contra Campos pediu para ficar no anonimato. Recentemente, uma
prima do candidato, a vereadora Marília Arraes, chegou a postar uma carta
insinuando que Campos tentava emplacar o filho João na presidência da Juventude
do PSB com métodos pouco democráticos.
“E há a questão do nepotismo”, afirmou o professor. Durante
o governo, Campos empregou pelo menos vinte pessoas da sua parentela, entre
tios, primos, genro, cunhados. “Mas ele não está nem aí”, disse Zaidan.
Aliados de Campos saem em sua defesa argumentando que os
servidores estão “dentro da lei” e que foi ele quem sancionou a primeira lei
estadual contra o nepotismo. Apesar de considerar o candidato um “gestor
eficiente”, Zaidan afirmou se tratar de um político à moda antiga. “É uma
agenda gerencial da administração pública, de vender o estado com renúncia
fiscal. E ele se reelegeu prometendo combate à guerra fiscal e um pacto
federativo. Até empresa de transporte com ar-condicionado para a Copa ganhou
incentivo fiscal”, disse.
Para Zaidan, Campos nunca conseguirá se vender ao eleitorado
como “uma novidade”. “Ele é parte de uma oligarquia. Assim como Aécio Neves.
Nesse ponto, são idênticos. Nunca tiveram um emprego, viveram da política, da
herança política dos avós e dos velhos hábitos de manutenção do poder.”
Numa manhã recente, Renata Campos chegou a uma cafeteria em
Moema, na Zona Sul de São Paulo, empurrando o carrinho do filho Miguel, um bebê
gordinho e risonho. Estava acompanhada do assessor de imprensa da campanha do
marido, Carlos Percol. Com 46 anos, ela é simpática, tem uma expressão
maternal, os olhos apertadinhos e está deixando o cabelo ficar todo branco.
“Não me incomoda, eu não me acho envelhecida com isso, nem estranha, nada. Eu
acompanho a minha idade. O negócio é ter disposição e interesse nas coisas.”
Auditora concursada do Tribunal de Contas do Estado, cedida para
o governo durante o mandato do marido, ela coordenou um programa de mortalidade
materna e infantil. Estava no penúltimo mês de licença-maternidade e
considerava tirar um sabático até o final do ano para se dedicar à campanha e
ao caçula.
Avessa aos holofotes, ela disse ser “dos bastidores”: “Eu
não gosto de estar na linha de frente, é meu perfil.” Comentamos sobre
casamentos de políticos. O seu, ela disse, era real. Comentou achar que Ruth
Cardoso era a “socióloga ao lado do presidente”. “Mas Alckmin e a mulher dele é
casamento de verdade, né? Eu vejo uma coisa ali”, comentou. Sem babá, ela se
ocupa sozinha dos cuidados do bebê em viagem. A única coisa que não faz é
cortar a unha do menino. “Isso é Dudu. Eu tenho agonia de cortar o dedo fora.”
Renata é religiosa. Vai à missa, comunga, está achando o
papa Francisco “incrível”. Os filhos frequentam o grupo jovem da paróquia.
“Eduardo é cristão, tem a fé dele”, disse. Durante a viagem à Paraíba, o
candidato foi entrevistado num programa de variedades, em João Pessoa. Antes do
início da gravação, ele espiava a apresentação de uma cantora gospel. De
repente, fechou os olhos, levantou a cabeça para cima como se estivesse rezando
e passou a cantarolar Noites Traiçoeiras, gravada pelo padre Marcelo Rossi: “E ainda
se vier noite traiçoeira/Se a cruz pesada for/Cristo estará contigo/O mundo
pode até fazer você chorar/Mas Deus te quer sorrindo.” Estranhou minha surpresa
por ele saber a letra de cor. “Toca em toda missa! Essa música é famosa!”,
explicou.
Do ponto de vista dos costumes, a família Campos é
conservadora. Em público, o candidato já disse ser contrário à revisão das
legislações sobre o aborto ou a eutanásia. Quando perguntado sobre o casamento
gay, ele diz: “Isso já é uma realidade, não há o que discutir.” Ele é contra a
legalização das drogas.
Comentei com Renata sobre as acusações de nepotismo, já que
boa parte dos parentes empregados era do seu lado da família. “Estão todos
dentro da lei. Todos que estão podem estar. Trabalham, mostram resultado, não estão
a passeio. E imagine um governo que não pode chamar uma figura como Ariano
Suassuna porque é meu tio?” Miguel adormeceu. Carlos Percol segurava a mão do
bebê e balançava levemente o carrinho.
Miguel a acompanha em eventos, comícios, festas, jantares,
homenagens e encontros políticos do marido. “É uma maneira de a gente ficar
junto”, ela disse. Passavam boa parte do mês na capital paulista, onde a
campanha os instalou num flat. Os outros quatro filhos ficam no Recife em razão
dos compromissos escolares. A mais velha, Maria Eduarda, estuda arquitetura.
João e Pedro, engenharia civil. E José cursa o 4º ano primário.
Aos quatro meses de gravidez, Renata recebeu a notícia de
que era alta a chance de o filho ter síndrome de Down. Decidiu não fazer exames
para confirmar o diagnóstico. “Porque é uma informação que você faz o quê com
ela?”, indagou. Os outros filhos só souberam do fato quando o bebê nasceu. “Não
queríamos ficar antecipando as coisas. Até porque Miguel foi tão querido e
esperado que isso não fazia a menor diferença.” A família passou a se inteirar
da síndrome. “Ele tem a linha de ‘M’ na mão, ele tem a mão grande, pode ser que
tenha a síndrome leve, vamos ver”, comentou.
Desde que se casou, o casal Campos vive na mesma casa,
construída no terreno de fundos da residência do sogro, onde havia um campo de
futebol. Ao longo dos anos, foram aumentando a construção, que é ampla e
confortável. “É bom porque ficou tudo normal. A feira, a mesma escola, os
mesmos vizinhos, tudo. As crianças têm uma vida normal. São zero deslumbrados.”
Depois de quase uma hora, o bebê acordou com fome e Renata
pôs-se a amamentá-lo. Como ela seria na condição de primeira-dama? Durante oito
anos não se ouviu a voz de Marisa Letícia Lula da Silva, e a presidente Dilma é
divorciada. “Ah, eu não sei. Mas pode ser curioso saber quem é a mulher que
teve cinco partos normais, cinco filhos do mesmo marido, não pinta o cabelo e
tem uma profissão”, comentou.
Em março, quando ainda era governador, Campos me recebeu em
um dos salões do Palácio das Princesas, no Recife, quando contou por que
rompera com o Partido dos Trabalhadores. Nas eleições municipais de 2012, PT e
PSB haviam combinado lançar Maurício Rands, então petista, como candidato único
para a prefeitura do Recife. Quando chegaram as prévias, Rands perdeu e, sem
refazer o acordo, o PT anunciou a candidatura de Humberto Costa. “Ali acendeu a
luz amarela”, disse. Foi quando entendeu que não poderia se fiar na promessa de
um futuro político com Lula. Nem em 2018, nem 2014, nem nunca. Teria que traçar
um caminho independente. “E se eu era ótimo para 2018, por que seria ruim para
2014, não é?” Naquela ocasião, Diego Brandy já tinha análises políticas que
indicavam um terreno profícuo para uma candidatura alternativa: eram altas a
tendência de votos brancos e nulos e a vontade da população por mudança. No
começo do ano passado, Campos começou a falar em candidatura. Durante meses,
ele ficou em torno de 6% das intenções de votos. Em meados de agosto, como não
saía do lugar nas pesquisas, chegou a considerar o Senado.
Até a noite de 4 de outubro, quando o telefonema de Marina
Silva deu outra dimensão à eventual candidatura. Impedida de registrar a Rede
Sustentabilidade, seu partido, no Tribunal Superior Eleitoral, ela se filiou às
pressas ao PSB e se colocou disponível para “o que ele quisesse”. “O que ele
fez quando ela tentava formar a Rede foi fundamental para a aproximação”,
comentou Nilson Oliveira, diretor adjunto de comunicação da campanha. Ainda que
o projeto de Marina atrapalhasse sua candidatura, Campos colocou o PSB para
coletar assinaturas a favor do partido dela. “Ela é experiente e tem essa coisa
meio psicóloga, que lê bem as pessoas”, comentou Oliveira. Em abril, Campos
deixou o governo de Pernambuco com 64% de aprovação.
A poucos meses da eleição, a equipe de campanha defendia
ainda ser muito cedo para divulgar nomes de um eventual governo – como fez
Aécio Neves, que antecipou Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no
governo FHC, como seu provável ministro da Fazenda. A iniciativa agradou as
elites e atraiu doadores de campanha.
Sabe-se que, na economia, Eduardo Campos tem se reunido com
Eduardo Giannetti da Fonseca, André Lara Resende, Bernard Appy, Marcos Lisboa –
defensores de uma política mais liberal. Os dois primeiros gravitavam em torno
de Marina e, nos últimos tempos, preocupados com o problema do esgotamento de
recursos do planeta, vêm advogando posições críticas do desenvolvimento a
qualquer custo.
O candidato já declarou que miraria a meta de inflação em 3%
e cortaria pela metade o número de ministérios (sem especificar quais).
Defendeu a autonomia do Banco Central e o escalonamento das alíquotas de
Imposto de Renda, abaixo dos atuais 27,5%. Também se manifestou pela
contratação de diretores de estatais por meio de headhunters, pela expansão do
Bolsa Família e implementação da escola integral. Prometeu construir 4 milhões
de casas populares em quatro anos. Os quase oito anos que passou no governo
pernambucano serão o espelho do que poderia fazer no Planalto.
“O próximo governo vai ter que lidar com a verdadeira
herança maldita”, disse-me Eduardo Giannetti. “No Brasil, há uma dificuldade
imensa de convencer a população de que há custos que precedem benefícios”,
comentou. “Então, ninguém quer tocar nesse assunto na campanha. O Brasil
acumulou distorções e a correção dessas distorções – que inclui aumento das
tarifas – vai, necessariamente, fazer com que a inflação suba 1,5% a 2% de
cara”, disse. Ele lembrou que o país já viveu dois momentos semelhantes: quando
da crise cambial de 1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e na
primeira eleição de Lula, quando a inflação disparou. “A boa notícia é que o
país se recupera rápido.”
Para Giannetti, as mudanças básicas que seriam feitas por
Campos incluem redefinir o papel do BNDES, redesenhar o modelo do setor
elétrico, restabelecer o tripé econômico – geração de superávits primários nas
contas públicas, juntamente com o regime de câmbio flutuante e o de metas para
a inflação, além da simplificação do sistema tributário para voltar a atrair
investimentos. “Acho que o Armínio nem vai gostar de ouvir isso, mas, do ponto
de vista estrito da economia, há pouca diferença entre o que devem ser as propostas
de Aécio e as de Eduardo”, disse Giannetti.
Segundo ele, as diferenças entre os candidatos ficariam
evidenciadas no modo de governar e nas prioridades. “Campos não vai se valer de
coligações de ocasião para governar. Vai atrás dos sérios e competentes”,
disse. “E o grande diferencial é a importância da educação e do meio ambiente
como condições imprescindíveis para as mudanças no país.” Ao final da conversa,
ele arriscou dizer que Marina “deve estar muito chateada com a coligação com o
Alckmin em São Paulo”, mas que não haviam conversado sobre o assunto.
O salão do restaurante Emporium Pax, no Jockey Club do Rio
de Janeiro, estava arrumado para o jantar-palestra com artistas, organizado por
Guel Arraes, diretor da TV Globo, tio de Campos. Naquela noite, Campos e Marina
debateriam com famosos seus planos de governo. Entre as cerca de 150 pessoas,
Marcos Palmeira, Giulia Gam, Paula Lavigne, Marco Nanini e até o cantor
Sylvinho Blau Blau. Alguns presentes pediram para ter a identidade preservada,
já que ganham incentivos fiscais federais para seus projetos e temeram ter
cortada a água da torneira.
Às nove da noite, o candidato chegou acompanhado de Renata,
com Miguel no colo. Antes de sentar na bancada, ele foi até a mesa dos
assessores, virou uma dose de uísque numa golada, passou uma das mãos como para
abaixar os fios do cabelo e, com a outra, tirou uma poeira imaginária da
camisa.
Marina Silva foi a primeira a discursar. E foi ovacionada de
pé. Na vez de Campos, ele começou com a frase de sempre: “O Brasil parou de
melhorar e começou a piorar.” Ultimamente, passou a adotar termos do “marinês”,
como “programático” e “sonhático”. Foi, de início, aplaudido sentado, até que
alguém percebeu a diferença do grau de entusiasmo e tomou a dianteira para se
levantar.
Pelo salão, garçons serviam pequenas porções de risoto,
massa, salada e salgadinhos acompanhados de sucos e refrigerantes. Marcos
Palmeira quis saber como era possível governar sem o PMDB de Renan Calheiros e
José Sarney. “O problema não são os partidos”, disse Marina. “Queremos o PMDB
de Pedro Simon, o PT de Eduardo Suplicy e o PDT de Cristovam Buarque”, afirmou.
De seu lado, Campos respondeu que, quando a agenda interessa à sociedade – e
não a partidos ou a pessoas –, é possível governar em conjunto. Exemplo disso
foi o que ocorreu durante os protestos de junho, quando o Congresso aprovou de
uma tacada várias leis de interesse da população.
Quiseram saber de incentivos para a cultura, de um eventual
ministro para a pasta, dos planos para a economia. O diretor Guel Arraes tomou
o microfone. Começou discorrendo sobre o ineditismo e a importância da chapa,
que incluía um homem e uma mulher, “dois grandes atores dividindo um palco”.
Por isso, ele disse acreditar que o ataque dos inimigos teria como alvo
desestabilizar a parceria.
Eduardo Campos falou que o tio havia “colocado o dedo na
ferida”. “O que buscam é fazer de tudo para impedir essa parceria, que é
vencedora.” Depois, resumiu o que seria a dupla: ela, a arquiteta, com ideias e
sonhos. Ele, o engenheiro, capaz de colocá-los em prática. Quando o encontro
terminou, a equipe da campanha pediu que Giulia Gam e Marcos Palmeira gravassem
depoimentos a favor do candidato. “É para usar na propaganda dele?”, quis saber
a atriz.
No final de junho, o PSB fechou alianças com o PSDB bem São
Paulo e com o PT no Rio. Ambas criticadas publicamente por Marina, que vê no
movimento uma incoerência com o que pregam sobre a “nova política”. Ela
insistiu que o partido deveria ter lançado candidatos próprios nos estados,
ainda que com poucas chances de vitória. “A questão é simples, como a vida é
simples: tinha candidato próprio para apresentar? Não tinha. Então, pronto”,
minimizou Feuerwerker, o diretor de comunicação da campanha.
No caso de São Paulo, apostava-se numa tese colhida junto a
correligionários de Alckmin: a de que o governador não moveria uma palha por
Aécio Neves no estado. Adotaria a mesma postura do mineiro, que levou à derrota
Alckmin e José Serra em Minas Gerais, quando se lançaram à Presidência.
Internamente, os times de Campos e Marina se estranham. A burocracia
interna também é confusa. Decisões da campanha têm que ser submetidas a um
representante de cada lado, o que atrasa o processo. Há pouco tempo, almocei
com um assessor ligado a Marina que contou da dificuldade de “imprimir uma
agenda moderna” à candidatura. Citou como exemplo a insistência de Campos em
falar em rádios do interior do país.
Segundo ele, muitas vezes a agenda previa até seis
entrevistas em um único dia. Também se queixou de que o candidato gastava muito
tempo recebendo títulos no interior e se reunindo com vereadores. Enquanto
isso, Marina tinha a pauta em outra órbita: os intelectuais, a academia, o
empresariado engajado. Do lado dele, ela é vista como um empecilho às
coligações e à simpatia do empresariado que poderiam levar o partido à vitória.
“É tudo complicado. Na grande e na pequena política. É tudo diferente,
totalmente diferente da tradição do PSB”, disse-me Roberto Amaral,
vice-presidente do partido. “Só digo que essa equipe não será a que terminará a
campanha.”
Rivais assistem com gosto ao desentendimento. “O que ele
ganha com Marina de um lado, perde de outro”, comentou o presidente do PT, Rui
Falcão. “Por causa dela, perdeu apoio de boas coligações, como o Ronaldo
Caiado, do DEM, em Goiás, e Ana Amélia, do PP, no Rio Grande do Sul.” Um dos
coordenadores da campanha de Aécio Neves, com quem me encontrei no Rio, apostou
mais alto. “O agronegócio nunca vai aceitar Marina. E em trinta anos fazendo
campanha, nunca vi alguém ganhar sem o apoio deles”, afirmou.
O fato é que, apesar das críticas de Marina, o candidato fez
o que quis. Fechou acordos, alianças e apoios como havia planejado. “Tudo o que
acontece é decidido nos pormenores entre os dois. Engana-se quem pensa o
contrário. Agora, ele sabe que ela tem que dar uma satisfação pública ao
eleitorado dela”, comentou Feuerwerker.
Na convenção nacional do PSB, no final de junho, que
confirmou a chapa presidencial, Marina disse que estavam alinhadíssimos, apesar
de a imprensa dizer o oposto. Falou também que a confiança em Eduardo “aumentou
com a convivência”. A Executiva da Rede divulgou um documento no qual afirma
que, assim que o partido for registrado, integrantes deixarão o PSB.
“Marina e Eduardo não são seus partidos”, disse-me um
assessor da Rede durante o evento. A real dificuldade, ele disse, é de outra
ordem: o candidato tem em volta de si uma “agenda negativa”. De um lado, a
imprensa explora o desentendimento entre a Rede e o PSB, e insiste na
contradição do candidato que ataca Dilma e preserva Lula, padrinho e maior cabo
eleitoral da presidente. De outro, Campos perdeu a “rede de proteção”: quando
Aécio cresceu nas pesquisas – e ele não –, o eleitorado e os doadores de dinheiro
passaram a identificar no tucano a perspectiva real de mudar o poder de mãos.
Campos, por ora, se tornou a alternativa da alternativa. “O desafio vai ser
mostrar que mudanças só acontecerão com Eduardo e Marina”, completou o
assessor.
A casa em que mora o escritor Ariano Suassuna, no bairro de
Casa Forte, no Recife, é a mesma que recebia o menino Eduardo Campos na
infância. Foi comprada com os honorários de O Auto da Compadecida, peça
publicada nos anos 50. “Olhe que coisa. Se fosse com os honorários de hoje, eu
não compraria nem um quarto e sala”, disse-me num começo de tarde, em maio.
Ele é alto, magro, tem um senso de humor apurado e a
expressão de quem está feliz com a vida. Estava elegantemente vestido com
blazer e calça preta, camisa e meias vermelhas. Na sala de sua casa, recostado
em uma cadeira de balanço, ele falava sobre Eduardo Campos. “É uma relação como
a de um tio com seu sobrinho preferido”, disse. Um velho amigo da família
Arraes havia me dito que Suassuna era a verdadeira figura paterna de Eduardo
Campos. “Eu tinha essa coisa de ser a figura amorosa para eles. Quando ele e
Tonca se aperreavam, vinham para cá.”
O escritor reproduzia detalhes de cada fase de vida do
candidato. A certas questões, respondeu: “Prefiro não entrar nisso, não sei se
ele gostaria.” O episódio que mais o marcou ocorreu quando o menino tinha 6
anos. A avó paterna passou mal na casa em frente. “E veio correndo aquele
menino – e ele é igualzinho até hoje –, agarrou-se nas minhas pernas chorando,
falando que não queria que a avó morresse”, contou. “Eu abracei, acalmei, andei
essa calçada aqui todinha com ele chorando. Eu era um porto seguro.”
Suassuna disse ter acontecido “uma coisa estranha” com ele
em relação a Campos e Arraes. Passou a discorrer sobre um livro do escritor
franco-argelino Albert Camus. O protagonista de O Primeiro Homem não havia
conhecido o pai, que morrera na guerra quando ele ainda era um bebê. Quarenta
anos depois, ele resolve visitar o túmulo e, vendo as datas de nascimento e
morte, atenta para algo desconcertante: o homem sepultado era mais moço que
ele. Albert Camus cria a figura do “pai caçula”.
“Quando meu pai morreu, ele tinha 47 anos. Eu tenho 87.
Quando conheci Arraes, eu era moço e comecei a ver nele, inconscientemente, a
figura de meu pai. Os dois governadores sertanejos, perseguidos”, contou o
escritor, cujo pai foi morto por razões políticas durante a Revolução de 30.
“Fui envelhecendo e veio Eduardo, que é, como era meu pai, brilhante, jovem. Aí
eu substituí. Passei a ver em Eduardo meu pai caçula.”
Desde que deixou o governo, Campos passou a viver com um
salário de 17 mil reais, pago pelo partido. Quando perguntei sobre seu
patrimônio, respondeu: “Vá olhar na minha declaração de renda no TSE.” De
acordo com o documento, ele tem uma casa no Recife, uma propriedade na praia e
é sócio da Fazenda Esperança, vizinha a Garanhuns, que tem o tamanho de setenta
campos de futebol, onde cultiva café e cria tilápias.
Quando insisti no fato de que não decolava nas pesquisas,
ele lembrou que, em 2010, à mesma distância da eleição, Marina tinha 8% dos
votos válidos – “e nas urnas ela teve o triplo disso”. Campos parecia
sossegado. “Somos um entre os três. Estamos identificados com gente diferente,
que pensa para a frente. Tem muito ainda para acontecer”, disse.
O carro blindado estacionou em frente ao flat em Moema, onde
uma comitiva esperava o candidato para comentar sua participação no programa de
tevê e despachar assuntos de campanha. Era uma da manhã. Antes de ele ir
embora, eu quis saber se, caso fosse derrotado nas urnas, qual seria seu futuro
político. “Deixa essa pergunta para Aécio e Dilma. Eu vou ganhar a eleição,
mulher.”
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(*) Texto publicado na Revista Piauí (aqui)
em julho passado. Portanto, o Eduardo Campos ainda estava vivo. Hoje ele está
morto e tudo parece um sonho mau. Este blog estava escolhendo um texto para
homenageá-lo e evitamos os que falam de sua morte, pois serão muitos de agora
em diante.
Sei que o texto é longo, mas, se o leitor chegar até aqui
verá que ele é muito menor do que a tragédia que se abateu sobe a política
brasileira. Se a AGD (A Gazeta Digital) tivesse uma linha editorial e esta
fosse a do seu administrador, poderia ser dito que ela divergia politicamente
daquela do Eduardo, mas, o homem que Pernambuco e o Brasil perdeu é um jovem
político com uma vida pela frente e que merece nossas homenagens como se estivesse
vivo, por isso o texto não terá sido lido em vão (Administrador da AGD)
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