Por Carlos Sena. (*)
"Escrevo para não passar a
vida em brancas nuvens." João Ubaldo Ribeiro é o autor desta frase.
Perfeita. Porque o cronista não precisa escrever sobre o excêntrico, o
sobrenatural. O que difere o cronista de outros estilos é a capacidade de
transformar o cotidiano num motivo para "não passar a vida em brancas
nuvens", conforme nos disse o balde. O balde? Não. Ubaldo. Debalde. Mas
nunca em vão na qualidade do mote, do tema, no prosear com clareza e com substância
para prender o leitor até o fim. Talvez por isso muitos vejam no gênero
"crônica" um estilo menor da literatura, mas está provado que não é.
Talvez porque esse seja o diferencial: fotografar o cotidiano com criatividade
e retirar dele o que muitos não observam diante de sua obviandade. Ou não?
Penso que sim. O cronista não busca no dia-a-dia um fato diferenciado, como o
fazem os jornalistas. Só que a estes o fato tem que ser extraordinário. Se um
cachorro morde um homem, um cronista bom poderá retirar desse episódio um texto
leve, cômico. Ou sério e irônico desde que conduza o leitor para um desfecho
inesperado ou nem tanto, desde que contenha pitadas diferenciadas de ver o fato
criativamente. Para um jornalista pouco importa se o cachorro mordeu o homem.
Mas, se o homem mordeu o cachorro, aí sim, o jornalista terá pano pras mangas
para fazer um bom artigo. Como se percebe, o mundo do cronista permite mesmo
que ele viva intensamente. E faça de cada folha que cai, de cada dia que
amanhece ou anoitece, de cada cada gesto nobre ou brega, enfim, de qualquer
acontecimento, motivos de sobra para não "passar a vida em brancas
nuvens", mesmo que as nuvens um dia mudem de cor. Mesmo que as cores se
mudem em si, mesmo que o "si"
sibile apenas uma nota musical. Assim, debalde nunca seria a existência do
balde, perdão. Do Ubaldo, do João, daquele que está nas nuvens vendo e
constatando o "porquê" de nunca tê-las passado em branco.
Para José F. Costa.
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(*) Publicado no Recanto de Letras em
11/08/2014
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