Por Nelson Rodrigues
Neste momento, o mundo todo está de olho no fabuloso escrete
brasileiro. A toda hora e em toda a parte, há quem chegue e rosne ao nosso
ouvido: — “Ofereceram tanto por fulano, tanto por cicrano, tanto por beltrano!”
São os grandes clubes de fora, da Espanha, da Itália, da França, de não sei
onde que acenam os seus milhões para os campeões do mundo. Mazzola já foi
pescado. E há ofertas nababescas para Pelé, Vavá, Didi, Garrincha, etc. etc.
E observa-se, então,
o seguinte: — os clubes dos campeões, que deviam estar alarmados, não estão
alarmados coisa nenhuma. Pelo contrário: — do lábio pende-lhes a baba elástica
e bovina da cobiça. Não vejo nenhum clube disposto a lutar pela preservação de
um Vavá, de um Pelé, de um Didi, de um Zito, de um Nilton Santos. Todos estão
com água na boca e afl itos para embolsar os milhões dos passes. Ninguém se
lembra de uma verdade tão transparente e tão óbvia: — os campeões do mundo
deviam ser incompráveis.
O jornalista Mário Filho, com sua implacável lucidez, viu,
melhor e antes do que ninguém, o grande problema do momento. Em suma: — ele faz
um apelo no sentido de que se defenda, aqui, com unhas e dentes, a integridade
do maior escrete que olhos mortais já contemplaram. E, de fato, amigos. O
futebol brasileiro praticará um suicídio se permitir, por uma questão de
cifras, que se desintegre a equipe que deslumbrou o mundo. Objetará alguém que
é um negócio para qual quer clube vender um Vavá, ou um Garrincha, ou um Didi
por uma quantia tremenda.
Ilusão! Um Garrincha, um Didi ou Vavá não tem preço. E se
assim acontece com os craques individualmente, que dizer do escrete? Ora, a equipe
que levantou a Taça Jules Rimet em 58 não é um conjunto qualquer. É um quadro
que, segundo o testemunho dos críticos europeus, alcançou o nível mais alto do
futebol, em qualquer tempo. Vejam bem: — não somos nós, jornalistas
brasileiros, que escrevemos isso. Não. Os jornalistas brasileiros não queriam
admitir que o Brasil tivesse o maior futebol do mundo. Vivíamos a admirar os
húngaros, os ingleses, os tchecos, os russos. E só não admirávamos os gênios
locais, que, todos os domingos, esfregavam a sua classe na nossa cara.
Foi preciso que jornais alemães, franceses, húngaros,
tchecos, ingleses berrassem para nós: — “Vocês são os maiores.” Então, a nossa
imprensa começa a admitir, embora o medo, embora relutante, que não somos tão
pernas de pau. Mas como eu ia perguntando: — será o futebol brasileiro tão
suicida ou, pior do que isso, tão idiota que desista do seu escrete por causa
de uma meia dúzia de patacas? Amigos, nenhum país tem o direito de renunciar a
um escrete como este.
Os clubes poderão usar o argumento de um lucro certo e
imenso. Ao que eu respondi: — lucro apenas aparentemente, falso lucro. A venda
de um campeão do mundo, qualquer que seja o seu preço, implica num prejuízo
real e irrecuperável. E se os nossos clubes fossem menos obtusos, já teriam
percebido que deviam chutar os milhões que o mundo oferecer pelos nossos
supercraques. Mário Filho tem uma razão total: — cumpre ao futebol brasileiro
não desistir do seu escrete. Permitir a dissolução da equipe não será um crime,
porque é, antes de tudo, um suicídio.
Um Garrincha, ou Didi, ou Vavá ou qualquer campeão do mundo
devia ser amarrado, solidamente, num pé de mesa, para que ninguém o arrancasse
daqui.
Jornal dos Sports, 6/7/1958
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