Por Carlos sena
Tem coisas que a gente guarda pra
sempre. Não é ouro nem prata, tampouco diamante. Ou podem até ser todos juntos,
dependendo da configuração. Mas, diferente de tesouros materiais as coisas de
que não nos esquecemos são, podemos dizer, bem mais que isso, porque morrerão
conosco. Por isso eu guardo sem sete chaves. Guardo sem medo das naftalinas,
sem seguro no cofre do banco para garanti-las. Esses meus tesouros eu os
guardaria se pudesse numa gavetinha da escrivaninha, sem medo de serem
surrupiadas. Ainda hoje, no cair da tarde, fui surpreendido por um cheirinho de
café fresco - daqueles que nossos pais faziam com o coador e que invadiam toda
a vizinhança. Pois bem, foi esse cheirinho quem me acordou de um soninho
preguiçoso deitado no tapete do chão da sala, em plena selva de pedras. Não
titubeei. Fui a cozinha, botei água no fogo e, por não ter coador de pano, nem
o café pisado no pilão, utilizei um filtro Melita e um café em pó descafeinado.
"Quem não tem cão, caca como gato", pensei. Qual gato, fui me esgueirando
pela cozinha no "faro" do cheiro do café. Mamãe chamava de café
donzelo. Na capital o povo chama de café fresquinho, dá pra entender? Pois bem.
Tomei meu cafezinho e, com muito esforço mental, procurei nele, o sabor da
minha infância quando, para ir a aula da sete da manhã, eu tomava aquele
pretinho, muitas vezes só com pão e língua, mas muito digno. Este é um dos meus
tesouros que a mente não esquece. Como não esquece do cheiro de terra, nem do
cheirinho das nossas avós contando histórias na porta de casa. Lembro também da
zoada da chuva no nosso telhado. Da luzinha discreta do vaga-lume, do coaxar do
sapo querendo entrar em nossa casa. Do medo da Caipora, da cobra corre-campo e
do papa-figo. Tudo isso no mesmo baú de recordações que são tesouros a nos
surpreender sempre, seja tempo de sol ou de chuva ou casamento de viúva. Ps.
Lembro sempre do cafezinho na casa de Dona Lourdes de seu Adnisio. Era assim
que a gente chamava o zoto lá na minha terra. Eu era Carlinhos de Pretinha.
Mamãe era Pretinha de Zé Barros e assim por diante. .
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 07/05/2014
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