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sexta-feira, 13 de junho de 2014

CAFÉ DONZELO




Por Carlos sena

Tem coisas que a gente guarda pra sempre. Não é ouro nem prata, tampouco diamante. Ou podem até ser todos juntos, dependendo da configuração. Mas, diferente de tesouros materiais as coisas de que não nos esquecemos são, podemos dizer, bem mais que isso, porque morrerão conosco. Por isso eu guardo sem sete chaves. Guardo sem medo das naftalinas, sem seguro no cofre do banco para garanti-las. Esses meus tesouros eu os guardaria se pudesse numa gavetinha da escrivaninha, sem medo de serem surrupiadas. Ainda hoje, no cair da tarde, fui surpreendido por um cheirinho de café fresco - daqueles que nossos pais faziam com o coador e que invadiam toda a vizinhança. Pois bem, foi esse cheirinho quem me acordou de um soninho preguiçoso deitado no tapete do chão da sala, em plena selva de pedras. Não titubeei. Fui a cozinha, botei água no fogo e, por não ter coador de pano, nem o café pisado no pilão, utilizei um filtro Melita e um café em pó descafeinado. "Quem não tem cão, caca como gato", pensei. Qual gato, fui me esgueirando pela cozinha no "faro" do cheiro do café. Mamãe chamava de café donzelo. Na capital o povo chama de café fresquinho, dá pra entender? Pois bem. Tomei meu cafezinho e, com muito esforço mental, procurei nele, o sabor da minha infância quando, para ir a aula da sete da manhã, eu tomava aquele pretinho, muitas vezes só com pão e língua, mas muito digno. Este é um dos meus tesouros que a mente não esquece. Como não esquece do cheiro de terra, nem do cheirinho das nossas avós contando histórias na porta de casa. Lembro também da zoada da chuva no nosso telhado. Da luzinha discreta do vaga-lume, do coaxar do sapo querendo entrar em nossa casa. Do medo da Caipora, da cobra corre-campo e do papa-figo. Tudo isso no mesmo baú de recordações que são tesouros a nos surpreender sempre, seja tempo de sol ou de chuva ou casamento de viúva. Ps. Lembro sempre do cafezinho na casa de Dona Lourdes de seu Adnisio. Era assim que a gente chamava o zoto lá na minha terra. Eu era Carlinhos de Pretinha. Mamãe era Pretinha de Zé Barros e assim por diante. .

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 07/05/2014

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