Por Carlos Sena (caso verdade)
(*)
Entrei num ônibus com destino ao
Ministério da Saúde. De repente, por entre uma e outra cadeira, um celular. Não
tive dúvidas, apanhei o bicho e fiquei esperando alguém me ligar procurando por
ele. Fiz isso porque sei quanto um celular perdido causa de transtornos a quem
o perdeu. Passei a manhã todinha e ninguém me ligou. Uma só chamada não houve.
Eu já fiquei pensando bobagem, algo tipo: será que essa porra presta? Será que
não é um telefone roubado e jogado por aqui? Mas, roubado não poderia ser
porque era bonito o bicho - daqueles que você logo sabe que não foi comprado na
feira de Caruaru. Se não me engano até androide era. Não poderia ter sido
roubado porque quem rouba não joga um celular de fora pra dentro do ônibus.
Almocei e fiquei de butuca. Nada, nadica de nada! Nem ligação errada
houve. Já no final da tarde, observei
que tinha uma ligação perdida. O nome não me interessava, pois eu sabia que não
era pessoa do meu conhecimento. Mesmo assim tentei retornar. Nada. A ligação
tocou tanto que deu caixa postal. Deixei quieto, pois além de "dar ter que
arreganhar é foda", pensei. Nem que eu não tivesse o que fazer, mas, fazer
o quê, então? Como se diz na minha terra, "eu estava procurando sarna pra
me coçar"...
Terminado o expediente, já no
ônibus de volta pra casa o bendito telefone toca. Alvíssaras, pensei. Alô,
respondi. "Ora porra, por que você não me responde" - Disse uma voz
do outro lado da linha. Com a zoada do ônibus em movimento não pude dizer o que
a pessoa do outro lado merecia. Juro que tive vontade de "avoar" o
bicho pela janela do ônibus, mas não o fiz. Fiquei só vivo com os desaforos que
ouvi. Mas, barco perdido, bem carregado. Quando desci do ônibus o tal celular
toca de novo. Mais impropérios o caba começou a me dizer. Ei, cara,
interceptei. Você em vez de me agradecer por ter achado essa porra desse
celular, vem me dizendo desaforos? Foi aí que o caba pensou que tinha feito
merda. Mais que pensou - teve certeza.
- Quem é que tá falando?
(perguntou o cara do outro lado)
- Sou eu!
- Eu quem?
- Não vou lhe dizer, cara,
respondi.
Quando o meio de campo dessa
conversa tava emboloiado, ele, finalmente, disse que estava ligando para sua
esposa e ela não o atendia. Foi então que ele percebera que sua mulher tinha
perdido o celular, pois nem ela mesma, àquela altura, tinha sabido disso. Com a
conversa já nivelada, ele me disse que não estava entendendo o porquê de sua
esposa não ter retornado suas ligações. Dito diferente: a esposa perdeu o
celular, mas, até então não se dera por conta. O marido disse que ligou pra ela
o dia todo, mas sem retorno. Eu levei as cacetadas em nome da esposa que, meio
lesa, não dera por conta da perda do celular. Marcamos um ponto perto de onde
moro e, mais tarde, os dois chegaram em um
carro para pegar o celular. Mil desculpas, mil perdões. Mas a esposa do
caba tinha cara de lesa, de desligada, tudo fazia crer. Depois de tudo eu
pensei: vai Carlos Sena, dar uma de bom samaritano! Mas eu não sei fazer
diferente, pois foi assim que mamãe me ensinou.
Se outros eu achar, farei o mesmo para devolver ao dono. Afinal, eu e
muitos somos do tempo em que pai e mãe ensinava, não deixava nossa educação ser
feita por empregadas, nem por veículos de televisão. A gente chamava papai e
mamãe, diferente de hoje que os filhos chamam
de "velho e velha"...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 23/04/2013
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