Por Carlos Sena (*)
O que seria uma RECEITA PARA O ANO NOVO?
Talvez não ter sido tão feliz no ano velho, seja um primeiro ponto dessa receita. Ou, em tendo sido feliz, monitorar a legitimidade dos acontecimentos, das conquistas, principalmente dos afetos, acima de tudo do AMOR. O difícil de uma “RECEITA DE ANO NOVO” é que nenhuma delas serve pra mais de uma pessoa e, deste modo, cada uma tem que se repaginar nas bordas do tempo; refazer-se em cada volta do relógio; recompor-se em cada estação: talvez sendo verão no outono, Primavera no verão, Inverno no outono, ou não! Talvez se mantendo ativo pela certeza de que mesmo o relógio parado duas vezes por dia marca certo.
A vida é um grande presente que todos têm que se encontrar como parte, mas sem se perder do todo. Talvez a receita mais “genérica” possa sair dessa combinação PARTE X TODO! Parte que envolve:
a) Os jovens na relação dos mais velhos, pela riqueza da troca e pelo fascínio da juventude;
b) Os filhos na relação dos pais, mas os pais vivendo sem se anular por conta dos filhos;
c) Os gays na relação dos héteros, mas se mantendo o respeito entre ambos, pela certeza de que não se escolhe gostar de homem ou de mulher, como se escolhe um suco de frutas;
d) Os diferentes na relação dos iguais, pela certeza de que só se cresce na convivência entre os contrários, inclusive se exercita paciência e respeito pelo outro, que, acertadamente, é feliz sendo o que é. (Flores diferentes vivem juntas)
e) As mulheres na relação com os homens, pela convicção de que o machismo deve ser combatido, posto que macho não ama mulher, quem ama mulher é homem.
f) O dia na relação da noite, as estrelas na relação com o céu, o claro na relação do escuro, o alto na relação do baixo, o "NÃO" na relação do "SIM" e repousando sobre o talvez...
Como se pode perceber, o holístico faz parte da vida em seus princípios de sabedoria. Nesse viés, onde a prática se torna fundamental, sugerimos, ousadamente, uma “receita de ano novo”:
a) Tome um banho fresquinho e deixe as águas correrem sobre o seu corpo. Imagine que são cachoeiras que estão levando pra longe seus malogros, seus desencantos, seus momentos difíceis do ano que passou.
b) Ligue o som com músicas incidentais cheias de leveza e “viagem” na sua imaginação recolocando sonhos e consolidando suas vitórias alcançadas, inclusive consolidando seu amor por que você ama. Solte-se e se monte num cavalo alado que posse te levar aos quatro cantos do mundo até que você descubra que há um quinto mundo: O SEU.
c) Observe suas mãos, seus pés, seu rosto, seu corpo e veja com ele tem ensinamentos pra te oferecer. Se houver rugas, certamente houve tempo vivido; se não houver estranhezas observe como nós não observamos seus movimentos tão cheios de riqueza. Observe quão rico é o seu paladar: um coquetel de frutas ele é capaz de identificar todos os sabores...
d) Comece a dizer que ama quem você realmente ama. Comece a percorrer caminhos que sempre te meteram medo por algum motivo. Permita-se ao romper do dia por ele mesmo.
e) Não faça tanto o que os outros querem, mas o que você quer pra você. Ouça-se mais, ame-se mais.
f) Procure, neste ano, uma religação com Cristo, se é que ainda não a tem como deve. Não se trata de religião, mas de religação com o altíssimo bem ao seu jeito.
g) Permita-se ver menos televisão e ver mais o outro no parque, na rua, no ônibus. Permita-se menos às redes sócias. Elas tem lá seu valor, mas muitos estão dando valor de mais e isto leva à solidão consentida, ao fuxico socializado como se informação fosse.
h) Não se preocupe em fazer diferente, mas ser diferente, pois a vida às vezes nos chama a isto. Contudo, ser diferente só é bom se a gente se mantiver o mesmo para saber a diferença.
i) Desperte para as coisas mais simples – essas são, certamente, o substrato da vida. Ser complexo é fácil. Ser simples é que não é, posto que nos expõe como somos para os outros que só sabem ser o que não são.
Assim, “PARTE X TODO” poderá conviver durante toda a vida nos alimentando em nossas dimensões, sem que nos percamos do caminho. Vários são os caminhos, mas poucos saberão o caminho que melhor acondicione sonhos e objetivos de vida. Só cada um. Assim, talvez a gente consiga minar um pouco o individualismo tão em moda. Quando as partes existem ignorando o conjunto, fica estabelecida a cultura do isolacionismo que, se não é tão bom no prisma da natureza geral, imaginem na social. Esta, quando sozinha, estimula a violência e perde o substrato emocional quando, com o tempo, fica reconhecida pela solidão galopante. Só há uma receita de ano novo: o ano não tem idade. Nós é que construimos nossa ilusão com ela a tiracolo, pela absoluta falta de competência para sermos feliz com solidariedade.
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(*) Publicado no Recanto de Letras em 01/01/2012
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