Por Carlos Sena (*)
Amy morreu. Marinês também. Amy tinha voz linda e Marinês também. Amy tomava drogas, Marinês não. Amy se dizia complicada e adorava ser excêntrica no pior sentido da palavra, Marinês não. Amy tombou num Show aqui no Recife. Marinês nunca tombou em palco algum. Amy era Inglesa, Marinês Nordestina/pernambucana de São Vicente Ferrer. Amy morreu drogada, jovem e rica. Marinês morreu de morte morrida, pobre e velha.
Certamente que a grande maioria de brasileiros conhece Amy e talvez nem tenham ouvido falar de Marinês. Pois eu lhes faço um breviário: foi considerada a Luiz Gonzaga de saias. Sua voz aveludada e potente a fez cantar forró como poucas, só rivalizando com Carmélia Alves. Sua turma da MPB é composta, basicamente por Dominguinhos, Genival Lacerda, Luiz Gonzaga, Elba Ramalho e Zé Ramalho, Joquinha Gonzaga, Gilberto Gil, Anastácia, Cremilda, Azulão, Fagner e tantos outros. Um dos melhores CDS ela gravou antes de morrer com a participação da maioria desses artistas. Certa noite, no projeto SEIS E MEIA no teatro do Parque em Recife ela emocionou a todos quando cantou MARINA, sozinha em formato capela. Os presentes se entreolhavam como que a dizer: ela conseguirá? E ela não só conseguiu dar uma nova interpretação dessa música tão conhecida da nossa MPB, como deu show de técnica vocal. A partir dali, quem por acaso duvidasse do talento de Marinês, calou a boca.
Pouco tempo depois desse show (2007), já aos setenta e um anos, mas com a mesma voz aveludada e forte, o “show da sua vida” encerrou em função de um AVC provavelmente deflagrado pela diabetes. Podemos dizer que morreu doce como seu sangue e sua voz. Enterrou-se em Campina Grande - cidade por ela cantada várias vezes. Pobre? Talvez, pois neste país os nordestinos sobrevivem por competência e foi isto que ela foi: competente no seu ofício de cantar. Envelheceu! Diferente de AMY que morreu jovem e, como se suspeita, por conta das drogas. A vida parece mesmo que foi uma droga pra ela em todos os sentidos. Pra Marinês, uma droga sequer não foi encontrada pra curar sua diabetes, mas ela morreu feito vinho que quanto mais velho melhor.
Vi na TV um jovem de Natal-RN dizendo que sua vida não tinha mais muita graça depois da morte de EMY. A gente vê isto porque não tem alternativa, mas ficamos super tristes. Resta-nos perguntar: que vida será essa desse rapaz ao dizer isto diante da morte de uma cantora como WINEHOUSE? Além da sua voz que outros exemplos ela deixaria pra ele e tantos outros no Brasil e no mundo inteiro? Drogas? Sexo? Instabilidade afetiva? Poderão dizer: ninguém tem nada a ver com a vida particular dela, no que também concordamos. Sendo isto verdadeiro, então por que disto? Afinal, morre o cantor, o poeta, o trabalhador, todos morremos. Uma voz que se foi? Dalva de Oliveira se foi. Marinês se foi. Elis se foi. Orlando Silva se foi. Tantos se foram e irão!
Prefiro Marinês. Essa eu conheço sua cepa. O Brasil nem noticiou a morte dela, mas agora vocifera a de EMY. Colonialismo cultural? Preconceito com a nordestina Marinês? Tudo pode ser inclusive nada. Se as duas se encontrarem no céu, não tenho dúvidas que será um sucesso de público e de crítica. De um lado Deus. Do outro Jesus Cristo. Em volta anjos e santos aplaudindo... Quando o pano do show celestial se fechar, uma ave Maria de Schubert falará por nós... Mas será uma sanfona afinada tocada pelo rei Luiz Gonzaga que irá dar o mote da canção que Marinês entoará pra todos nós lá do céu. Marinês e sua Gente é como era anunciada nos shows Brasil afora. "Balanceiro da uzina? Eu não meu bem!" - Refrão de um dos seus grandes sucessos."Pisa na fulô" e "Peba na pimenta" foram alguns dos sucessos lançados pela cantora, que teve intensa produção até a separação de Abdias, na década de 80. Sua discografia contabiliza cerca de 30 discos. Muitos deles transformados em CDS.
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(*) Publicado no Recanto das Letras em 24/07/2011
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