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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O anonimato no Brasil




Por Zé Carlos

(continuação)


O anonimato no Brasil

Pelo menos que eu saiba, não temos leis específicas voltadas para o anonimato e principalmente quando se trata do anonimato da internet. Eu não sou  especialista em leis, embora tenha convivido tanto com elas durante minha vida, que sei mais ou menos a maneira com elas funcionam. Portanto, perdoem-me aqueles que são especialistas se me atrevo escrever um pouco sobre o assunto. Como concordo que “somente ideias podem suplantar ideias”, que venham aquelas que podem suplantar as minhas (digo minhas porque estou escrevendo, embora, não haja nada de original nelas, apenas não cito todos os seus autores para não ficar maçante), e o mundo agradecerá.

No Brasil, havia uma Lei de Imprensa (Lei 5250/67) que o Supremo Tribunal Federal tornou inconstitucional e prevendo que “No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, radio-repórteres ou comentaristas”. Agora,  o tema do anonimato e o seu choque com a manifestada liberdade de expressão, ficou restrita ao que prevê a Constituição Federal e aos Código Civil Código Penal.

Dizem os doutos que estes códigos devem ser interpretados à luz da Constituição Federal que expõe o tema do anonimato da seguinte forma, no seu Artigo 5, que trata dos DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, da seguinte forma:
...............
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
...............

Visto assim, isoladamente, o que os constituintes queriam dizer é que, você pode se expressar livremente, desde que se identifique de alguma forma. Ou seja, o indivíduo ao chegar numa reunião dos Alcoólicos Anônimos diria:

- Oi, meu nome é Adão Filho de Deus Pereira, RG n° 000001, CPF 001.001.001-01, sexo....

Ao qual os companheiros responderiam, depois de duas ou três horas de identificação de todo o grupo:

- Olá, Adão! Seja bem-vindo!

Isto sem contar que deveria haver um funcionário para conferir os documentos do Adão, para ver e fazer uma entrevista para verificar se ele não seria um laranja do Romário que se recusou a usar o bafômetro quando pego pela polícia.

Mas vamos em frente e citemos mais a nossa Constituição:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

No Art. 5, citado acima ainda temos:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;


Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Art. 222.

......

§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

..........

Citamos artigos que deveriam serem inteligíveis para todo cidadão. Como reconciliar tantos direitos á privacidade, à liberdade, respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, o sigilo das fontes, se não podemos nos expressar sem dizer o nosso nome?

Como muitos já descobriram, se leram tudo, há um conflito entre as normas constitucionais, no que se refere ao anonimato, que, penso eu, nenhum autoridade judiciária poderia, a seguindo, condenar alguém pelo simples fatos de se expressar ou recusar a se expressar sem dizer o seu nome. Tudo vai depender do que é expressado ou deixar de sê-lo.

E hoje, no mundo da internet, onde as coisas são ditas aqui ou alhures na velocidade da luz, fica muito mais difícil o julgamento de se o ato anônimo é bom ou mau, mesmo que se tenha uma capacidade maior de informação a respeito das leis. Por exemplo, quando eu comecei a pesquisar um pouco para escrever estas leigas linhas sobre o tema, eu fui à internet, como um anônimo, pois ninguém me pediu documentos para navegar, e procurei a Constituição do Brasil. Encontrei uma centena delas, desde as mais desatualizadas até as que incluem emendas que nela foram feitas ao longo do tempo, mostrando que Lei pode e às vezes deve evoluir com o tempo.

Nesta procura agradável eu descobri que a palavra “anonimato” só aparece uma vez em todo o texto constitucional, enquanto, “liberdade” aparece 19 vezes, ligada a palavras como “consciência”, “associação”, “expressão”, “reunião”, “imprensa”, “de aprender”, “informação” e outras. Talvez isto seja uma deixa do constituinte para dizer que a liberdade é mais importante do que o anonimato. Se tanto se preza a liberdade, uma delas é aquela que o ser humano tem de ser livre para, escolhendo assim, não se identificar em suas várias ações.

Os estudiosos do direito dizem que quando há um conflito entre normas que tem o mesmo valor dentro de uma hierarquia de leis que não entendo muito bem, isto é uma matéria  que deve ser tratada pela Hermenêutica. É um palavrão medonho, mas, ele é explicado, linguisticamente, pela sua associação com o deus Hermes da mitologia grega, daí “hermenêutica”. Conta-se que o Hermes era um “leva e trás” entre os deuses e a sociedade dos mortais. Era um carteiro ou talvez um estafeta com mais experiência. As mensagens não eram bem escritas, tendo muitas falhas e sua tarefa era ajudar em sua interpretação. Ou seja, ele era um interpretador das mensagens, e sem ele dificilmente haveria comunicação eficiente entre as partes. Daí ter sido dado o nome de Hermenêutica ao “exame do saber sobre os pressupostos, a metodologia e a interpretação do direito”. Dizem então que: “Em qualquer campo da hermenêutica, esse exame será uma forma de comunicação mediativa. O intérprete do direito mediará a relação que existe entre o sistema jurídico e a sociedade. A lei não fala, o intérprete é que faz a lei falar, sendo portando uma espécie de “médium”. A hermenêutica constitucional é entendida como o saber que se propõe a estudar os princípios, os fatos, e compreender os institutos da Constituição para colocá-la diante da sociedade.”

Colocando em miúdos, a lei, para ser aplicada em certas ocasiões, precisa-se até recorrer a sessões espíritas para ser realmente justa. Seria muito simples se o art. 5, IV, da Constituição brasileira pudesse ser aplicado na forma em que está escrito, mesmo supondo que “anonimato” fosse algo que pudesse se definir de forma clara e límpida. Aqueles que abrem suas penas para escrever que o anonimato é um crime ou é um ato de covardia, ou estão agindo de má fé, ou nunca estudaram uma linha de direito. Mas vamos em frente.

(continua)

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