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sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Uganda, aqui





“Uganda, aqui
      
Por Pedro Fernando Nery

Uganda é um dos países mais pobres do mundo. É mais pobre que a Zâmbia, o Senegal, o Zimbábue. É tão pobre que tem cerca de metade do PIB per capita do Sudão. Ou de Bangladesh. Quase um terço daquele da República do Congo.

Muita gente mora em Uganda: entre 40 e 44 milhões, uma das maiores populações da África. Uganda é atrasada: chamou recentemente atenção da imprensa internacional quando o primeiro-ministro Ruhakana Rugunda tentou criar um imposto sobre mídias sociais, ou quando foi perguntando se pretende mesmo introduzir a pena de morte para homossexuais.

A miséria de Uganda parece distante daqui. Seu PIB per capita foi equivalente a 15% do PIB do Brasil em 2018, na estimativa do Banco Mundial (mesma proporção da projeção do governo americano para 2017).

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Economistas costumam dividir a população de acordo com sua renda, útil para analisar a desigualdade ou efeitos de uma política pública. Ordena-se todos os cidadãos do mais rico ao mais pobre, dividindo a população em fatias de acordo com sua posição.

Um corte usual é o em quintis. A população é dividida em 5 grupos, cada um correspondendo a 20%. Essa foi uma divisão comum no debate da reforma da Previdência no Brasil, evidenciando que esses gastos poucos chegam nos mais pobres.

Em 2018, o quintil mais pobre da população tinha renda média equivalente a 18% da renda média nacional – pelos dados de Daniel Duque, da FGV. Somente um pouco acima dos 15% de Uganda.

Muita gente mora no quintil mais pobre: são 42 milhões de brasileiros.

Quando falamos nos quintis ou nos 20% mais pobres, frequentemente não fica claro do que estamos falando. Existe uma Uganda no Brasil, uma multidão equivalente à população do país africano que tem renda média próxima à daquele país.

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Se a Uganda é o país que mais se aproxima aos dados de população e renda do quintil mais pobre do Brasil, a Espanha é que mais adere a esses dados para os 20% mais ricos. O quintil mais rico brasileiro teria renda média um pouco maior à da Espanha, e uma população um pouco menor.

Quando se criticou a progressividade do déficit previdenciário com dados como o que expõe que somente 10% dos recursos chegam ao quintil mais pobre e 40% vão para o quintil mais rico, houve chiadeira. A posição relativa dos mais ricos, por não os tornar ricos em termos absolutos, seria irrelevante.

Mas a verdadeira questão é sobre quem priorizar. No caso desses dados, referentes a centenas de bilhões de déficit da Previdência urbana e do funcionalismo, eles indicam que destinamos 40% para nossa Espanha, e somente 10% para a nossa Uganda.

E sem reforma, sobrariam cada vez menos recursos para políticas mais pró-Uganda, como o Bolsa Família: quase 70% vai para Uganda, menos de 1% vai para a Espanha. A transição demográfica agindo sobre um gasto gigantesco e obrigatório aumentaria o muro anti-Uganda no Orçamento.

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Erguemos outros muros contra nossa Uganda, e a agenda de reformas tem de ser uma agenda para derrubá-los. Na trabalhista, reduziu-se o elevado piso de produtividade para ingresso no mercado de trabalho formal, com as novas jornadas (como a intermitente) e a reformulação do processo trabalhista. Falta o sinal verde do STF. Não há emprego quando a produtividade esperada é menor do que o custo esperado. Trabalhadores menos escolarizados e menos experientes são os punidos.

Os mais jovens predominam na Uganda daqui, sendo meritórios também os projetos para diminuir a sua taxa de desemprego, ainda ao redor de 30%. É o caso da Nova Lei do Primeiro Emprego, projeto do senador Irajá, e do pacote de Rogério Marinho aguardado para novembro. Democracias avançadas diferenciam os encargos para trabalhadores jovens.

Uganda também enfrenta o muro do consumo, erguido por um sistema tributário que lhe exige mais do que é cobrado por Espanha. A reforma tributária da PEC 45 prevê a devolução dos tributos pagos pelos mais pobres, um expressivo ganho de renda.

Contudo, remete o mecanismo a um projeto de lei complementar: melhor seria se o texto da PEC já fosse dotado de eficácia, cabendo à lei a possibilidade de alterar o mecanismo, mas não sendo necessária para criá-lo. Nesse sentido, a proposta de reforma tributária da oposição é mais ousada. Aliás, ainda que menos madura no tocante à simplificação e à eficiência, deveria estar recebendo mais atenção, inclusive dos círculos liberais. A Emenda 178 faz a promessa de desonerar os mais pobres, compensando sobre os mais ricos, mantendo a carga tributária total inalterada. Também é agenda para Uganda.”

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