“Uganda, aqui
Por Pedro Fernando Nery
Uganda é um dos países mais pobres do mundo. É mais pobre
que a Zâmbia, o Senegal, o Zimbábue. É tão pobre que tem cerca de metade do PIB
per capita do Sudão. Ou de Bangladesh. Quase um terço daquele da República do
Congo.
Muita gente mora em Uganda: entre 40 e 44 milhões, uma das
maiores populações da África. Uganda é atrasada: chamou recentemente atenção da
imprensa internacional quando o primeiro-ministro Ruhakana Rugunda tentou criar
um imposto sobre mídias sociais, ou quando foi perguntando se pretende mesmo
introduzir a pena de morte para homossexuais.
A miséria de Uganda parece distante daqui. Seu PIB per
capita foi equivalente a 15% do PIB do Brasil em 2018, na estimativa do Banco
Mundial (mesma proporção da projeção do governo americano para 2017).
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Economistas costumam dividir a população de acordo com sua
renda, útil para analisar a desigualdade ou efeitos de uma política pública.
Ordena-se todos os cidadãos do mais rico ao mais pobre, dividindo a população
em fatias de acordo com sua posição.
Um corte usual é o em quintis. A população é dividida em 5
grupos, cada um correspondendo a 20%. Essa foi uma divisão comum no debate da
reforma da Previdência no Brasil, evidenciando que esses gastos poucos chegam
nos mais pobres.
Em 2018, o quintil mais pobre da população tinha renda média
equivalente a 18% da renda média nacional – pelos dados de Daniel Duque, da
FGV. Somente um pouco acima dos 15% de Uganda.
Muita gente mora no quintil mais pobre: são 42 milhões de
brasileiros.
Quando falamos nos quintis ou nos 20% mais pobres,
frequentemente não fica claro do que estamos falando. Existe uma Uganda no
Brasil, uma multidão equivalente à população do país africano que tem renda
média próxima à daquele país.
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Se a Uganda é o país que mais se aproxima aos dados de
população e renda do quintil mais pobre do Brasil, a Espanha é que mais adere a
esses dados para os 20% mais ricos. O quintil mais rico brasileiro teria renda
média um pouco maior à da Espanha, e uma população um pouco menor.
Quando se criticou a progressividade do déficit
previdenciário com dados como o que expõe que somente 10% dos recursos chegam
ao quintil mais pobre e 40% vão para o quintil mais rico, houve chiadeira. A
posição relativa dos mais ricos, por não os tornar ricos em termos absolutos,
seria irrelevante.
Mas a verdadeira questão é sobre quem priorizar. No caso
desses dados, referentes a centenas de bilhões de déficit da Previdência urbana
e do funcionalismo, eles indicam que destinamos 40% para nossa Espanha, e
somente 10% para a nossa Uganda.
E sem reforma, sobrariam cada vez menos recursos para
políticas mais pró-Uganda, como o Bolsa Família: quase 70% vai para Uganda,
menos de 1% vai para a Espanha. A transição demográfica agindo sobre um gasto
gigantesco e obrigatório aumentaria o muro anti-Uganda no Orçamento.
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Erguemos outros muros contra nossa Uganda, e a agenda de
reformas tem de ser uma agenda para derrubá-los. Na trabalhista, reduziu-se o
elevado piso de produtividade para ingresso no mercado de trabalho formal, com
as novas jornadas (como a intermitente) e a reformulação do processo
trabalhista. Falta o sinal verde do STF. Não há emprego quando a produtividade
esperada é menor do que o custo esperado. Trabalhadores menos escolarizados e menos
experientes são os punidos.
Os mais jovens predominam na Uganda daqui, sendo meritórios
também os projetos para diminuir a sua taxa de desemprego, ainda ao redor de
30%. É o caso da Nova Lei do Primeiro Emprego, projeto do senador Irajá, e do
pacote de Rogério Marinho aguardado para novembro. Democracias avançadas
diferenciam os encargos para trabalhadores jovens.
Uganda também enfrenta o muro do consumo, erguido por um
sistema tributário que lhe exige mais do que é cobrado por Espanha. A reforma
tributária da PEC 45 prevê a devolução dos tributos pagos pelos mais pobres, um
expressivo ganho de renda.
Contudo, remete o mecanismo a um projeto de lei
complementar: melhor seria se o texto da PEC já fosse dotado de eficácia,
cabendo à lei a possibilidade de alterar o mecanismo, mas não sendo necessária
para criá-lo. Nesse sentido, a proposta de reforma tributária da oposição é
mais ousada. Aliás, ainda que menos madura no tocante à simplificação e à
eficiência, deveria estar recebendo mais atenção, inclusive dos círculos
liberais. A Emenda 178 faz a promessa de desonerar os mais pobres, compensando
sobre os mais ricos, mantendo a carga tributária total inalterada. Também é
agenda para Uganda.”
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