“Bem além do R$ 1 trilhão
Por Pedro Fernando Nery
A reforma da Previdência não acabou. Continuam em tramitação
no Congresso Nacional proposições “satélites”, sejam enviadas pelo governo ou
iniciadas pelo Parlamento. A principal delas é a PEC paralela, que facilita a
adesão de Estados e municípios à reforma: com ela, o impacto da reforma da
Previdência para as finanças do Estado brasileiro iria bem além do R$ 1
trilhão.
A PEC paralela repete a bem-sucedida tramitação da reforma
da Previdência do funcionalismo no governo Lula. A Proposta de Emenda à Constituição
é paralela porque foi criada, no Senado, concomitantemente à PEC principal da
reforma. É um mecanismo de “economia legislativa”: permite que o Senado altere
trechos da PEC principal sem fazer o todo voltar à Câmara, o que atrasaria em
meses a promulgação da parte principal, a parte que ambas as Casas já
concordaram. Com a PEC paralela, volta à Câmara somente o que é modificado.
E o que é modificado? Principalmente, as regras válidas para
Estados e municípios. Até a reforma, as aposentadorias e pensões desses
servidores eram regidas pela Constituição, como a dos federais. Na reforma, a
Câmara passou essa atribuição aos Estados e municípios. Se o arranjo pode ter
facilitado a expressiva votação que a reforma recebeu, dificultou o ajuste nos
Estados. E eles podem quebrar.
Com a reforma aprovada, o Estado ou município que quiser
aderir às regras válidas para servidores federais precisa de um pacote e votar
diversas medidas no Legislativo local. A depender do tema, precisa-se de uma
emenda à Constituição estadual ou lei orgânica, uma lei complementar ou de uma
lei ordinária. Para governadores ou prefeitos com pouco apoio no Legislativo,
as tarefas podem ser hercúleas demais, diante da proximidade de grupos
organizados que pressionam contra, do calendário com eleições locais em 2020 e
da falta de tradição de tratar do tema – complexo. A reforma aprovada também
dificultaria o aumento de alíquotas de contribuição nesses entes.
Se não conseguirem reformar, a prestação dos serviços públicos
mais essenciais ficará prejudicada. Cada brasileiro já aporta R$ 1 mil por ano
apenas para cobrir o déficit das previdências estaduais (da ordem de R$ 100
bilhões). O déficit atuarial de Estados e municípios – o déficit nas próximas
décadas – é de cerca de R$ 5 trilhões (mais de R$ 20 mil por brasileiro!), não
muito menos impressionante que o déficit atuarial no regime do INSS.
De fato, a reforma aprovada atinge apenas uma minoria dos
servidores: mais de 80% dos servidores em regimes próprios são estaduais ou
municipais. Para serem alcançados, serão necessárias mais de 5 mil reformas
pelo Brasil, porque diversas propostas têm de ser aprovadas para cada um dos
mais de 2 mil regimes próprios.
No Brasil, Estados e municípios não decretam falência. É inevitável
que ao menos parte da conta volte para a União – o que fez a economista Selena
Peres chamar a mudança de jogo do joão-bobo. Vai e volta, e a volta é um risco
importante, talvez ainda pouco compreendido, para a dívida pública e o teto de
gastos.
A solução da PEC paralela é equilibrada. A decisão da Câmara
não é revertida: Estados e municípios continuam tendo a atribuição para tratar
de previdência. Mas a adoção das regras federais é facilitada e estimulada. É
facilitada porque precisa apenas da aprovação de uma única lei ordinária
(maioria simples), desde que o projeto seja de iniciativa do governador ou
prefeito. E a aprovação da lei no Estado alcança também todos os municípios.
E é estimulada porque os que aprovarem as regras da União
são premiados. Na reforma já aprovada, houve uma mudança importante para o
federalismo brasileiro na Constituição. Fica impedido que a União faça
transferências voluntárias, conceda avais e até empréstimos em bancos públicos
para o Estado ou município que descumprir regras previdenciárias, o que poderia
abranger inclusive a regra de equilíbrio financeiro ou atuarial. Na PEC
paralela, há uma libertação: o Estado ou município que fizer a reforma é
premiado e se livra das proibições.
Em dez anos, o impacto seria de R$ 350 bilhões caso as
regras da União valessem para Estados e municípios – pelas contas do governo.
A paralela também traz ganhos fiscais para a União: apesar
de alterações em alguns pontos da reforma da Previdência aprovada, há ajuste
pelo lado da receita. As renúncias ao agronegócio exportador e parte das do
Simples são revistas. As das filantrópicas são mantidas, mas deverão ser
compensadas pela União, convite à fiscalização mais efetiva.
E com neutralidade do ponto de vista fiscal, a paralela
autoriza o Benefício Universal Infantil: integração de quatro políticas
públicas, com foco na primeira infância e na extrema pobreza, proposta por
pesquisadores do Ipea.”
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