“Guedes quer novo direito
Por Pedro Fernando Nery
Associado a “corte de direitos” (46.400 ocorrências no
Google), “retirada de direitos” (47.200) e “perda de direitos” (51.900), Paulo
Guedes apresentou a PEC do pacto federativo, que inclui um novo direito no art.
6.º da Constituição (o artigo contém o rol dos direitos sociais). É o direito
ao equilíbrio fiscal intergeracional, que condicionaria os demais.
É como um direito a ter direitos por parte das próximas
gerações. Com uma dívida se aproximando de 80% do PIB, os brasileiros que
nascem herdam juros altos e uma carga tributária maior, que inibem a criação de
oportunidades para que prosperem. Nessa ótica, perdem também direitos, porque
cortes em políticas públicas serão necessários para quitar a dívida deixada por
gerações anteriores.
A dívida já é de R$ 20 mil por brasileiro. Mesmo com a
reforma da Previdência, a dívida seguirá crescendo algo como 1 ponto porcentual
por ano na dinâmica atual de PIB modesto. O próprio governo prevê que até o fim
do atual mandato seguirá incorrendo em déficits primários (a diferença entre a
arrecadação dos tributos e as despesas primárias, isto é, antes de se
considerar qualquer gasto com a dívida). Para 2020, o déficit é previsto em
cerca de R$ 120 bilhões.
Na verdade, a Constituição já possui mecanismos de proteção
a gerações futuras e restrições ao endividamento da geração presente.
Mas eles estão colocados em artigos menos centrais e em
linguagem menos acessível do que na proposta de Guedes. O texto original de
1988 proíbe que se deixe dívida sem um legado de investimento – uma ótima
definição de equilíbrio fiscal intergeracional. Mas a redação da chamada regra
de ouro é demasiado técnica e um convite ao esquecimento por parte dos
operadores do direito: “São vedadas a realização de operações de créditos que
excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante
créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo
Poder Legislativo por maioria absoluta”.
Há ainda a previsão de equilíbrio atuarial nas previdências,
mas as definições não são simples. A PEC da reforma da Previdência definiu como
“garantia de equivalência, a valor presente, entre o fluxo das receitas
estimadas e das despesas projetadas, apuradas atuarialmente, que, juntamente
com os bens, direitos e ativos vinculados, comparados às obrigações assumidas,
evidenciem a solvência e a liquidez do plano de benefícios”. Novamente, não é
um texto de ganhar corações e mentes para o problema da dívida.
A PEC de Guedes pauta o tema em um artigo com cláusulas
pétreas da Constituição e o associa a um direito: o de nossos filhos e netos.
Nessa narrativa, os beneficiários pelo ajuste fiscal e o equilíbrio
orçamentário deixam de ser bancos e o mercado para ser as gerações futuras. A
saúde das contas não é um fim em si mesma.
O Prêmio Nobel Jean Tirole relaciona a dificuldade de fazer
reformas com o que é chamado na psicologia de “efeito da vítima identificável”.
Nosso cérebro tem mais empatia com vítimas claramente identificadas (uma pessoa
que se aposentará mais tarde, um servidor que terá redução de jornada, uma
empresa que perde subsídio) do que com vítimas definidas de forma mais vaga,
que seriam “vítimas estatísticas”. Na PEC de Guedes, o equilíbrio das contas
passa a ser direito de outros brasileiros, os mais jovens.
Caso aprovada, será apenas a segunda vez que nossa
Constituição presentista usa alguma variação do termo “geração”. Hoje, consta
somente no capítulo do meio ambiente, que prevê que todos têm direito a um meio
ambiente equilibrado, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo
e preservá-lo para as próximas gerações. Por que não estender a lógica a uma
economia saudável?
Na coluna Aviões que vão cair, exploramos como direita e
esquerda no Brasil têm discursos contraditórios quando o assunto é as próximas
gerações. Uma tem se apegado mais ao discurso na questão fiscal, menosprezando
a ambiental – e vice-versa.
Contudo, o direito das próximas gerações ao equilíbrio
fiscal não é necessariamente uma ideia de direita, embora esteja sendo usada
para legitimar o atual ajuste fiscal. O princípio poderia ser usado, por
exemplo, para pautar agendas como um aumento da carga tributária focado em
grupos subtributados e bem posicionados na distribuição de renda, assim com o
corte de renúncias tributárias.”
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