“Orgulho e preconceito
Por Ana Carla Abrão
Orgulho e Preconceito é o título do romance da novelista
inglesa Jane Austen, publicado em 1813, que explora com ironia a dependência
das mulheres em uma época onde o casamento das filhas era a única forma de
garantir proteção e estabilidade financeira a uma família de cinco irmãs. Dois
séculos se passaram e muita coisa mudou. Em quase todo o mundo, as mulheres
ganharam independência e espaço, inclusive quando o assunto é finanças. Mas
ainda há um caminho longo pela frente e enquanto ele não for percorrido,
empresas desperdiçam recursos, países crescem menos do que poderiam e o mundo
fica menos diverso do que deveria.
O relatório Mulheres nos Serviços Financeiros 2020 – WinFS
(Women in Financial Services, na versão em inglês), publicado na semana passada
pela Oliver Wyman, é a terceira edição de um trabalho sobre representatividade
feminina na indústria financeira. O estudo deste ano mostra que houve avanços
relevantes quando se considera a força de trabalho das empresas do setor
financeiro. Observa-se uma postura diferente na indústria como um todo, com
recorde de representação feminina nos cargos de liderança.
Ocupamos 20% das posições nos comitês executivos e 23% nos
conselhos de administração de empresas financeiras, um avanço importante se
tomarmos como base os 11% observados nas duas dimensões em 2003, quando o
índice começou a ser calculado. Os avanços surgem também na forma como a
diversidade de gênero passou a ser encarada. Garantir oportunidades para
mulheres de talento leva a melhores resultados e passa a ser reconhecido como
um tema estratégico pela grande maioria das empresas financeiras mundo afora.
Tanto que atração, seleção e retenção de talentos femininos passam a estar
ligados a metas e também à remuneração dos executivos.
Mas há um aspecto adicional a ser considerado na discussão
de diversidade de gênero no setor financeiro que é a preocupação em garantir
equilíbrio também na dimensão cliente. Ampliar oportunidades e equilibrar a
oferta de serviços financeiros com a visão de diversidade e inclusão significa
alavancar recursos e colher resultados. Esse é o passo que falta para que, além
da mudança de atitude em relação à representatividade feminina na liderança e
nos postos de trabalho, possamos também provocar uma nova onda de mudança na
direção de maiores oportunidades para as mulheres de forma geral.
Os números são impressionantes. O WinFS calcula em cerca de
US$ 700 bilhões o potencial de retorno a ser capturado com uma oferta mais
equilibrada de serviços financeiros a mulheres que hoje são investidoras,
gestoras de empresas ou empreendedoras.
Afinal, 2/3 dos orçamentos familiares são controlados por
mulheres; 40% das empresas são geridas por mulheres e 40% da fortuna global é
detida atualmente por mulheres. Além disso, enquanto nas grandes empresas
somente 12% dos gestores das áreas financeiras são mulheres, esse número chega
a 34% nas empresas menores. Por outro lado, a probabilidade de uma mulher
empreendedora ter acesso a um financiamento para a sua empresa é 30% menor do
que a de um homem e sua renda tende a ser, na aposentadoria, 30% a 40% menor do
que a dos homens. Ainda segundo o estudo, mulheres são o grupo de consumidores
com maior deficiência de atendimento no setor de serviços financeiros, apesar
da sua crescente posição de influência nesse segmento.
A provocação vai além ao detalhar alguns cenários. Caso não
houvesse desigualdade salarial entre homens e mulheres e as empresas de seguros
vendessem seguro de vida para mulheres na mesma proporção que o fazem para
homens, o valor dos prêmios na indústria de seguros aumentaria em cerca de US$
500 bilhões. Nas relações de investimento, uma melhor gestão dos ativos detidos
por mulheres geraria US$ 25 bilhões anuais adicionais em taxas de administração
e outras receitas. No crédito, a expansão dos financiamentos ao consumo e
imobiliário e a concessão de crédito para empresas pequenas e médias geridas
por mulheres traria quase US$ 100 bilhões adicionais em retorno nas carteiras
de crédito dos bancos. Ou seja, num mundo em que mais e mais mulheres tomam a
frente das suas finanças, colocá-las no foco pode significar melhores
resultados.
Equilíbrio de gênero no mercado financeiro vai, portanto,
muito além de garantir igualdade de oportunidades de desenvolvimento
profissional para mulheres cujo talento, disposição, comprometimento e
potencial são limitados por barreiras culturais, conscientes ou não. Alavancar
a representação feminina como cliente de serviços financeiros também dá retorno.
Parafraseando Austen e tomando emprestada a sua ironia: trata-se de uma verdade
universal que todo homem solteiro, detentor ou não de uma boa fortuna, busca
uma mulher que saiba gerir suas finanças.”
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