“Lula e Bolsonaro
Por Denis Lerrer Rosenfield
O Supremo Tribunal, em mais uma decisão contraditória com
outra decisão anterior sua relativa à prisão em segunda instância, termina por
criar uma insegurança jurídica que contribui para piorar a sua imagem perante a
sociedade. A libertação de Lula da Silva, assim como a de outros criminosos,
aparece como uma amostra de que a impunidade segue valendo para os ricos, para
os que têm condições de pagar recursos inesgotáveis em cada uma das quatro
instâncias do Judiciário. Infelizmente, conforme a tradição penal brasileira,
os pobres serão os mais prejudicados, por não terem recursos para pagar advogados
caros que atuam por anos, se não décadas, para os seus clientes. Os
“garantistas” conseguiram fornecer, assim, uma grande garantia: o crime
compensa para os poderosos!
Do ponto de vista político, algumas considerações se impõem
imediatamente. A primeira é que os grandes ganhadores da decisão do STF são
Lula e o presidente Jair Bolsonaro, ou seja, o petismo e o bolsonarismo. Como
ambos agem segundo a concepção do político baseada na distinção entre “amigo e
inimigo”, o “nós contra eles”, numa luta que adquire contornos existenciais,
como se a eliminação do outro devesse ser a regra, eles vão surgir como os
principais protagonistas das eleições de 2022. Entrarão na arena um de olho no
outro, como se nenhuma outra alternativa fosse possível. Pode-se, nesse
sentido, esperar um acirramento dessa disputa nas redes sociais.
A segunda é que convém observar que Lula continua impedido
de se candidatar, pois a decisão do Supremo versa somente sobre a prisão após
condenação em segunda instância, não tem por ora nenhuma repercussão no que diz
respeito à Lei da Ficha Limpa. Lula pode manifestar-se politicamente, mas não
pode ser candidato. Isso significa que deverá atuar por intermédio de um
candidato laranja, o que diminui em muito a possibilidade de êxito eleitoral
para o PT. Dito isto, Lula exerce um tipo de liderança carismática, muito
abalada pela corrupção no exercício do Poder, mas ainda assim importante do
ponto de vista político.
Terceira: as primeiras reações de Lula e do PT sinalizam
para a radicalização. Conforme foi noticiado, o ex-presidente estaria se
reaproximando do MST e já anunciou que não fará nenhum movimento em direção ao
centro do espectro político. Além de Lula e o PT sofrerem hoje grande rejeição
da sociedade, tal postura não ajudará a agregar votos dos que rejeitam
Bolsonaro, mas tampouco querem a volta do radicalismo e da corrupção de
outrora. Se seguir nessa linha, o PT se voltará apenas para os já convertidos,
perdendo a persuasão relativamente aos que dele não são próximos. Mais importante:
fortalecerá Bolsonaro como candidato preferido destes, fazendo o jogo do
presidente, que só esperava que isso viesse a acontecer.
Quarta: Bolsonaro e o bolsonarismo estão sempre em busca do
“inimigo” e o seu inimigo do coração é Lula. Observe-se que nos últimos tempos,
seja a propósito da Argentina ou do Chile, sempre aparece o espectro da
esquerda, do Foro de São Paulo, isto é, do PT e de Lula, que estariam agindo
para abalar a ordem conservadora ou liberal. Os discursos de Bolsonaro e as
mensagens de seus filhos sempre são contra a “esquerda”, o “petismo”, e assim
por diante. Acontece que isso era ainda muito abstrato, considerando que Lula
na cadeia era apenas um fantasma do que foi. Os dirigentes petistas,
desorientados, seguiam as ordens desencontradas do seu “líder”. Agora o
bolsonarismo ganha um inimigo real, aquele que deve eliminar nas próximas
eleições.
A quinta é que os bolsonaristas estavam ao léu, precisando
bater em alguém, criar um conflito qualquer, desperdiçando energia em suas
brigas internas, rachando o PSL, afastando generais importantes, criticando a
imprensa e os meios de comunicação em geral, vociferando na esfera
internacional, sobretudo, recentemente, na América Latina. Eis que uma
oportunidade única surge: Lula fora da cadeia. Dessa maneira, a tendência será
de reagrupamento dos bolsonaristas, incluídos alguns de seus críticos, em torno
do presidente, como o único capaz de enfrentar e vencer o PT. Diria que a
libertação de Lula cabe como uma luva na estratégia do presidente. Suas
declarações aparentemente desencontradas e contraditórias têm método. E o seu
“método” começará a cobrar dividendos.
Sexta: Bolsonaro precisa de Lula para esmagar o centro. Seu
objetivo consiste em reunir em torno de si todos os que não aceitam a volta de
Lula e do PT ao poder. Ganhou as eleições por isso e espera poder repetir essa
mesma fórmula. Com Lula na cadeia estava difícil, pois não seria fácil o
convencimento acerca da real ameaça petista. Agora, contudo, o cenário é outro,
uma vez que a sua situação ideal se pode concretizar: enfrentar em 2022, em
segundo turno, um candidato laranja petista/lulista. Seria o sonho realizado.
Se for o próprio Lula, será um pouco mais difícil, mas exequível. Se fosse uma
candidatura de centro, a sua posição estaria ameaçada.
Sétima: as alternativas de centro para as próximas eleições
ficam prejudicadas. A polarização entre Bolsonaro e Lula tende a reduzir o
espaço de outras candidaturas, na medida em que terão de desbravar caminho
seguindo uma estratégia de não radicalização, porém sabendo radicalizar contra
a radicalização. Deverão saber esgrimir com as armas dos adversários,
transmitindo a mensagem de que essas armas não são as mais apropriadas para o
Brasil. Deverão ser capazes de mostrar que vale a pena perseverar nos
compromissos e diálogos próprios da democracia, sem namorar inclinações
autoritárias. As candidaturas já anunciadas direta ou indiretamente de João
Doria e Luciano Huck deverão adotar uma estratégia condizente com esse novo cenário
político. Se a lógica do bolsonarismo e do petismo prevalecer, estando então
revigorados, esses outros candidatos não serão naturalmente alternativas.
Deverão construir o seu protagonismo.”
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