“O Big Toffoli
Por Fernando Gabeira
Numa semana muita dura e cheia de
eventos, pensei em trazer um tema novo. Já falei de Bolívia e Chile, comentei a
saída de Lula e me debrucei, sem ânimo, sobre a invasão da embaixada da
Venezuela em Brasília. Isto me interessou, pois poderia usar de novo a palavra
quiproquó, tão sonora e fora de moda.
Sinceramente, meu tema de
preferência era um chamado projeto Nightingale, no qual o Google é acusado de
vender milhões de dados médicos e hospitalares das pessoas para grandes
empresas do setor. A coleta e venda de informações é um grande negócio no
mundo. Tende a ser o mais interessante, pois os dados valem dinheiro, sobretudo
em grandes quantidades.
Iria refletir um pouco sobre a
privacidade num mundo do Google e das redes sociais quando soube que o
presidente do STF, Dias Toffoli, agora por um artifício legal, tem acesso aos
dados financeiros de 600 mil contas de pessoas e empresas.
Ele proibiu a UIF (antigo Coaf)
de partilhar esses dados com os órgãos de investigação. Um absurdo sem nome.
Tenho escrito sobre isso e, para dizer a verdade, com pouca repercussão. É um
ato de exceção. Os próprios funcionários da OCDE que estiveram no Brasil dizem
que a medida de Toffoli está em contradição com as normas e os compromissos
internacionais do Brasil.
Toffoli não se interessa por
isso. Seu objetivo era congelar as investigações sobre Flávio Bolsonaro e
impedir que a Receita continuasse pesquisando os movimentos financeiros de sua
mulher e da mulher de Gilmar Mendes. Ele não se contentou em paralisar
investigações. Ele quer acesso a todos os dados coletados pela inteligência
financeira.
É o Big Toffoli navegando pelas
contas de todo mundo, conhecendo os segredos financeiros que ele mesmo impede
de serem investigados adequadamente. Como é possível o país conviver com essa
barbaridade? Mesmo os aliados de Toffoli deveriam temer essa concentração de
poder. Nos últimos tempos, aproximou-se de Bolsonaro para salvar a pele do
filho senador. Mas, no passado, foi um funcionário do PT, um assessor de José
Dirceu.
Acho que tanto o PT como
Bolsonaro deveriam temer Toffoli. A quem servirá com esse acesso ilimitado aos
dados pessoais e empresariais? Pode usá-los para fulminar Bolsonaro ou mesmo
para enrascar mais ainda seu partido de coração, que é o PT.
Em muitos lugares do mundo, a
Justiça se move na tentativa de preservar a privacidade das pessoas, acossando
o Google e o Facebook, entre outros. Aqui no Brasil é diferente. É a própria
Justiça que invade a privacidade alheia, na pessoa do presidente do STF. Não se
trata mais nos trópicos de reduzir o poder das gigantescas empresas, mas de
ampliar ao extremo o poder pessoal de Toffoli.
Num mesmo ano, Toffoli salvou
Lula e Bolsonaro. Lula porque foi dele, fiel advogado do PT, o voto de Minerva
que acabou com a prisão em segunda instância. E Bolsonaro, porque foi ele quem
tirou as nádegas do jovem Flávio da seringa do controle de operações
financeiras.
Podemos falar tudo de Lula ou
Bolsonaro. Mas ninguém apanha mais do que eles nas redes ou na imprensa. Ambos
reclamam, Bolsonaro tira verbas publicitárias de quem o critica; Lula, volta e
meia, se lembra do controle social da imprensa. Mas nenhum dos dois chegou ao
ponto de Toffoli: instalar uma delegacia, convocar Alexandre de Moraes como seu
braço policial e partir para cima de quem o critica, com polícia revistando
casas e computadores.
Lula precisou de Toffoli.
Bolsonaro também. Mas eles ignoram, talvez, que Toffoli seja muito mais do que
um simples auxiliar para encrencas. Diante da vulnerabilidade dos líderes
populistas que polarizam o Brasil, ele vai construindo seu universo pessoal de
poder. E um poder mais persuasivo que o deles.
Toffoli é o Big Toffoli. Assim
com os homens e, além disso, é o único que tem poder de acessar os dados
financeiros de quase todo mundo. Digo quase todo mundo, porque não me incluo
nesses 600 mil. Minha conta bancária é de uma monotonia tediosa. Mas não me
inibo em defender a privacidade dos outros, ricos ou pobres.
Em 13 anos de oposição, o PT
nunca me fez mal. Espero o mesmo de Bolsonaro. Ambos têm seguidores agressivos.
Mas nenhum pode como Toffoli mandar a Polícia Federal vasculhar meus
computadores, incluir-me nos detratores do Supremo.
A democracia tropical, com a sua
incessante troca de favores, está parindo um monstro. Uso a expressão num
contexto institucional. Pessoalmente, Toffoli até se parece com um desses
candidatos por quem suspiram velhas senhoras em busca de bons moços para votar.
Mas a ampliacão do seu poder pela
captura de dados financeiros o transforma num Big Toffoli.”
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