“Prisão por decisão de segunda instância
Por Ives Gandra da Silva Martins
O Supremo Tribunal Federal (STF), por 6 votos a 5, ao
decidir que não poderia haver prisão, em execução de sentença, senão após o
trânsito em julgado, privilegiando o disposto no artigo 5.º, inciso LVII, da
Lei Suprema, teve, no pronunciamento do ministro Dias Toffoli – que reiterou
sua posição anterior a favor da tese vencedora – o voto de desempate. Está o
referido dispositivo constitucional assim redigido: “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (...)”.
A justificação, todavia, levou tranquilidade ao Poder
Legislativo federal, na medida em que declarou que o referido inciso do artigo
5.º não é uma cláusula pétrea, visto que o Código de Processo Penal, em seu
artigo 283, permite prisões independentemente de qual seja a instância da
decisão judicial. Em sua fundamentação, fez questão de realçar que são inúmeras
as prisões sem trânsito em julgado permitidas, como preventiva, provisória,
cautelar, civil e até mesmo administrativa, sem intervenção do Judiciário, como
é o caso das de membros das Forças Armadas.
A sinalização do ministro Toffoli – em julgamento que foi
acompanhado pela esmagadora maioria da população brasileira – deve ser mantida
nos dois próximos anos, pois que até a aposentadoria do ministro Celso de
Mello, prevista para fins de 2020, a composição do pretório excelso será a
mesma. Minha convicção de que dificilmente qualquer dos ministros alterará sua
posição decorre do fato de que as referidas ações de controle concentrado
vinham sendo amplamente discutidas em universidades, congressos, livros e
artigos de juristas, levando cada ministro a cuidadoso exame dos fundamentos de
sua interpretação.
Ora, no momento em que o julgamento – o mais acompanhado da
História do Brasil – foi realizado cada um dos supremos julgadores trouxe sua
refletida e definitiva opinião sobre a matéria, razão pela qual a possibilidade
de alteração de sua posição é praticamente nenhuma.
Nada obstante o apaixonado debate entre doutrinadores e
juízes a respeito do tema, quero trazer para reflexão de meus escassos leitores
dois aspectos que me parecem de particular relevância. O primeiro deles é que
as duas teses jurídicas em questão são consistentes.
A primeira, de que o trânsito em julgado implica a presunção
de inocência até que esse evento ocorra, tem seus seguidores, à luz de um
argumento, além de outros, de fácil compreensão até por não operadores do
Direito. Como alguém inocente, enquanto não transita em julgado uma decisão
condenatória, pode cumprir a execução de pena, nessa condição? Como um inocente
pode ser preso como culpado, sendo ainda inocente?
A tese contrária também se justifica, à luz de três
fundamentos, entre outros, de fácil compreensão para leigos: 1) a possibilidade
de recorrer a quatro instâncias (primeira, segunda, STJ e STF) leva muitos
processos à prescrição da pena, pela lentidão da Justiça; 2) nas duas primeiras
instâncias é que se discute toda a matéria fática; 3) os tribunais superiores
(STJ e STF) só reexaminam questões jurídicas, e não mais matéria de fato, salvo
fatos novos, relacionada aos processos, com o que o reexame não impediria a
aplicação da pena pela última instância em que toda a matéria fática pode e
deve ser reexaminada.
À evidência, nas duas correntes há inúmeros outros
componentes que eu poderia abordar, mas para efeitos deste artigo e de sua
compreensão, principalmente para pessoas não formadas em Direito, apresentei os
de maior facilidade na compreensão.
Hart, em seu famoso livro The Concept of Law, em 1961 (Ed.
Clarendon), declara que “direito é aquilo que a Suprema Corte diz que é”, pois,
a segurança jurídica só se obtém pela certeza da decisão judicial na aplicação
da lei. E no controle concentrado – ações diretas, declaratórias, de descumprimento
de preceito fundamental ou repercussão geral– a decisão tem efeito impositivo
sobre as instâncias inferiores e sobre a administração pública em geral.
Compreende-se, pois, que, em face da harmonia e
independência de Poderes estabelecidas no artigo 2.º da Carta da República, a
segurança é proposta pelo Poder Legislativo e, nos casos expressos previstos na
Lei Suprema, pelo Executivo, mas a certeza é determinada pelo Judiciário.
Ora, nessa linha, o último voto do ministro Toffoli abriu
indiscutível espaço para a presunção de legalidade de eventual explicitação
legislativa, ao declarar – na decisão por 6 votos a 5 – que o “trânsito em
julgado” não é cláusula pétrea, para efeitos de prisão de condenados em segunda
instância.
Quando das conversas com os amigos e constituintes Bernardo
Cabral, Ulysses Guimarães e Roberto Campos, assim como com os ministros Moreira
Alves, Sydney Sanches e Francisco Rezek, da máxima Corte, à época da
Constituinte – na oportunidade escrevi pequeno livro para 66 constituintes
intitulado Roteiro para uma Constituição, veiculado pela Editora Forense –,
defendia a tese de que os tribunais superiores deveriam ter a função de dar
estabilidade às instituições, cabendo às instâncias inferiores fazer justiça. É
o que ocorre com a Suprema Corte dos Estados Unidos e com os tribunais
constitucionais dos regimes parlamentares europeus.
Creio que o pretório excelso ganharia em relevância perante
a Nação e deixaria de ser objeto de manifestações populares, em que o debate
ideológico se faz presente, se sua competência fosse semelhante à verificada na
maioria dos países em que a democracia não sofreu ruptura depois da 2.ª Guerra,
ou seja, exclusivamente constitucional. Foi o que propugnei naquele opúsculo de
1987.
Pessoalmente, entendo, ao concluir este artigo, que se o
Congresso Nacional aprovar a execução de sentença a partir da decisão de
segunda instância em matéria penal, por 6 votos a 5 a Suprema Corte confirmará
sua constitucionalidade.”
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