“Emergência fiscal
Por Ana Carla Abrão
Emergência é um termo que cai como uma luva na atual
situação fiscal dos entes federados brasileiros, em particular dos Estados e
municípios, que continuam – em sua ampla maioria – passando ao largo do
processo de consolidação fiscal que começou a ganhar corpo na União em 2015 e se
estabeleceu de forma clara a partir de meados de 2016. Bem verdade que mesmo na
União esse movimento foi machucado pelos reajustes salariais do funcionalismo
público federal aprovados na segunda metade de 2016, quando o País já estava
afundado na sua maior recessão. Mas, se há algum lado bom nisso tudo, esses
reajustes serviram para reforçar o descompasso que vem caracterizando a
trajetória das despesas de pessoal no setor público no Brasil e para escancarar
a dualidade do nosso mercado de trabalho – com o excesso de proteção de algumas
categorias no setor público contrastando com a vulnerabilidade no setor
privado.
As propostas de emenda constitucional (PEC), apresentadas
pelo governo na última semana, jogam luz nessa situação ao se concentrarem no
controle dos gastos públicos e em mecanismos que possam levar a uma melhor
gestão fiscal de União, Estados e municípios. Uma delas, apelidada de PEC
emergencial, visa à implantação de medidas transitórias e permanentes que
reduzam gastos obrigatórios e, consequentemente, abram espaço para o aumento do
investimento público. Afinal, os gastos públicos obrigatórios vêm crescendo de
forma contínua enquanto os recursos para investimento mínguam a cada ano,
comprimidos que estão por avanços nos gastos com pessoal – ativos e inativos,
em todos os níveis da Federação e em todos os Poderes.
A PEC emergencial se concentra em eliminar uma longa lista
de aberrações fiscais que se acumularam ao longo do tempo. Boa parte dessas
aberrações surgiu como reação à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e
encontrou um porto seguro nos Tribunais de Contas dos Estados e até mesmo no
Supremo Tribunal Federal. É uma pena precisarmos de uma PEC para estabelecer
conceitos que já deveriam estar consolidados, mas não é bem assim que funciona
o Brasil depois de 1988. Há que se reconhecer, portanto, que esse conjunto de
medidas enfrenta distorções conhecidas há anos e que merecem uma correção se
quisermos avançar na direção de uma gestão fiscal responsável no Brasil.
Lembremos, contudo, que o que vale não é o que entra no Congresso, e sim o que
sai de lá. E o que sai dependerá da qualidade do texto que entrou e da
capacidade política desse governo.
As medidas que constam da PEC emergencial são relativamente
simples. Buscam reduzir o espaço de irresponsabilidade fiscal de gestores que
usam o orçamento público como instrumento de distribuição de benesses via
aumentos retroativos, vantagens, auxílios ou verbas indenizatórias que passam
ao largo das restrições fiscais e impõem limitações e exigem avaliação de
impacto das isenções tributárias, corrigindo uma tendência de se distribuir
outro tanto dos orçamentos públicos para setores específicos, sem data de
validade e sem nenhuma garantia de retorno social. Além disso, a PEC coloca os
poderes autônomos na mesma linha do Executivo, chamando-os à sua
responsabilidade fiscal e corrigindo o tratamento até aqui desigual em que
Judiciário e Legislativo (principalmente nos entes subnacionais) ignoram a
crise e deixam para os orçamentos da saúde, educação e segurança pública toda a
conta do desequilíbrio fiscal.
Mas é na situação de emergência fiscal que algumas medidas
ganham relevância ainda maior. Tanto pela linha de receita – com a vedação à
concessão ou ampliação de incentivos de natureza tributária – como na de
despesas (com o congelamento dos gastos com pessoal e a redução da jornada de
trabalho com proporcional redução de salários), devolve-se ao gestor público
mecanismos de correção dos desequilíbrios fiscais, alguns deles que lhe foram
suprimidos por diversas ações diretas de inconstitucionalidade que mutilaram a
LRF desde sua promulgação.
Causa espanto, contudo, a exclusão dos membros do
Judiciário, do Ministério Público, da carreira diplomática e das carreiras
policiais das vedações a promoções e progressões no regime de emergência
fiscal. Esse ponto mostra que, mesmo quando o conceito correto prevalece, não
resistimos às pressões corporativistas e tendemos a reforçar as castas e os
privilégios num País em que a maioria agoniza. Ou seja, na emergência fiscal de
um País quebrado, são sempre os mesmos a conseguir tratamento especial enquanto
a grande maioria agoniza na fila sem direito a atendimento.”
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