POR CARLOS ANDREAZZA
Para que reste logo assentada a constituição deste escriba,
aquilo que dá regência a este texto: não acredito em liberalismo econômico sem
liberalismo político. Não numa democracia. Para que fique ainda mais claro, com
aplicação prática: não acredito na vitalidade – na viabilidade – de um projeto
de reformas liberais do Estado que não tenha os princípios da democracia
liberal como um valor inegociável.
Tampouco creio ser possível, no mundo real, atrair
investimentos – investimentos, não especulações – para um solo obviamente
instável, inseguro; chão cujo desequilíbrio é forjado artificialmente por uma
fábrica de crises institucionais que tem centro no próprio presidente da
República.
Quem botará dinheiro – para valer, para ficar – nisso aqui?
A rigor, objetivamente, desconfio do interesse de o
bolsonarismo, fenômeno autocrático, investir num programa liberal na economia –
algo estrutural, com corpo de longo prazo – para além da geração das condições
básicas mínimas para um voo de galinha capaz de assegurar a reeleição de Jair
Bolsonaro em 2022. Não será preciso muito... Dado o fosso em que nos afundamos,
uma breve reação na curva da geração de empregos faria boa parte do serviço.
Argumento nenhum desmonta a minha suspeita – com alicerce histórico
– de que a intenção bolsonarista, nem um pouco original, seja usar o liberal
econômico para conquistar alguma descompressão fiscal, algum fôlego para
gastar, para fazer obras; e depois: tchau. Não seria novidade. É o que os mais
espertos entre os populistas fazem.
Muito mais grave do que a recessão econômica é a depressão
política que nos ata, pelo menos, desde 2013. É difícil supor que a primeira
possa ser superada – com consistência, com fundamentos – sem que resolvamos a
segunda. Eu diria: é impossível. Pergunte-se, portanto: será este governo – que
opera em guerra constante, que planta conflitos como alimento, que está em
campanha permanente, que radicaliza, que avança no racha do “nós contra eles”,
que é a própria antipolítica – apetrechado para vencer uma doença política sem
precedentes em tempo democrático (e da qual talvez seja a mais alta febre)? Ou
seria vocacionado para ardê-la ainda mais?
Como não citar, a propósito, a fábula bolsonarista recente
do leão e as hienas? O leão! O presidente leão. O rei da selva. Rei da selva –
e (ao mesmo tempo, num arranjo improvável) vítima. Ele, o dono do pedaço,
impedido de imperar plenamente por uma concertação golpista de hienas – as
próprias instituições da República, os instrumentos de mediação e fiscalização;
incluída a imprensa. O maldito establishment que não deixa o homem reinar acima
dos marcos republicanos e da democracia representativa.
Para que não haja dúvida: o cenário – divulgado por Jair
Bolsonaro em vídeo – expressa real inconformismo ante a teia impessoal que
regula o ímpeto do governante por se espalhar. Para que não haja dúvida: as
hienas são a institucionalidade – os freios e contrapesos que limitam o abuso
de poder.
Não tem como dar certo.
Na já célebre entrevista à jornalista Leda Nagle, aquela em
que falou em recurso a algo como um novo AI-5, Eduardo Bolsonaro declarou
também que o que faz um país forte não é um Estado forte; mas indivíduos
fortes. Belo, né? Concordo. Há, porém, uma armadilha totalitária na formulação.
Vejamos. Quem fala em novo AI-5 fala numa medida de exceção que,
obrigatoriamente, suprime – cassa – garantias individuais. Certo? Quem fala em
novo AI-5 fala, pois, em Estado forte; obrigatoriamente. Fala, por óbvio, em
Estado forte na mão – obrigatoriamente – de indivíduos fortes; porque alguém
precisará operar a máquina forte. Certo?
Daí por que se pergunte: quais são os indivíduos fortes de
Eduardo Bolsonaro, os que controlariam o Estado? Os leões da família.
Governantes fortes.
Isso tem passado; e não é bonito.
Podem me chamar de pessimista. Prefiro o lugar do prudente;
do cético. Não importa. Tenham-me na conta do pessimista. Há, contudo, inegável
lastro histórico na análise que proponho. Não existe liberalismo econômico sem
liberalismo político. Não na democracia. É a história que ensina. O primeiro,
sem o segundo, é o paraíso para o autocrata. Não acredito em liberalismo
econômico em terra de leão. Mas acredito em liberalismo econômico na boca do
leão; sendo sabido – e me desculpo por imagem tão franca – por onde sai o que
pela boca entra.
Alguém duvida de que liberal – por ora
instrumento necessário – também seja hiena, um inimigo, sob a mentalidade
bolsonarista? A história – sempre ela – ensina. A história ensina também que
não terão sido poucos os liberais que, caindo no conto do autoritário liberal,
legitimaram e financiaram projetos autocráticos de poder. Projetos autocráticos
de poder que não tardariam, chupada meia laranja liberal, a descartar o saco
liberal todo como bagaço.”
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