“Reforma ficou
maior
Por Pedro
Fernando Nery
O impacto fiscal
da nova versão da reforma da Previdência é maior que o da versão inicial. É
verdade que com as modificações trazidas pelo relator Samuel Moreira o impacto
direto nos dez primeiros anos caiu de R$ 1, 2 trilhão para R$ 900 bilhões.
Contudo, essa análise ignora a retirada do texto da capitalização, que
necessariamente provocaria perda de arrecadação e aumentaria o déficit – em um
montante desconhecido.
A capitalização
traria o chamado déficit de transição. O modelo, em que cada um poupa para si,
se contrapõe à repartição, em que cada um recolhe tributos para pagar os atuais
benefícios – como no INSS. Assim, a capitalização é considerada superior à
repartição quanto à formação de poupança (juros mais baixos) e à ausência de
subsídios cruzados (mais igualdade).
Entretanto, é
difícil migrar de um regime de repartição para um de capitalização. Os
benefícios já concedidos devem continuar sendo pagos, ao passo que arrecadação,
ou parte dela, não existe mais. Como os trabalhadores em atividade deixam de
recolher total ou parcialmente os tributos que pagam os inativos, o déficit
aumenta. Os recursos que migram dos tributos (repartição) para a poupança
individual (capitalização) precisam ser cobertos pelo Tesouro. O déficit total
é acrescido do novo déficit, o déficit de transição.
O custo da
transição da capitalização na reforma não foi conhecido, porque na verdade a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) não criava o novo regime, só autorizava
que futura lei complementar o fizesse.
Em diversas
declarações, o ministro Paulo Guedes sugeriu que o custo seria limitado, porque
o regime seria limitado aos jovens. A proposta teria o duplo objetivo de criar
um regime de capitalização e combater o desemprego da juventude, desonerando
dos salários a contribuição do INSS.
Entretanto, a
PEC de reforma enviada pelo governo não restringiu a capitalização aos jovens.
No limite, a transição poderia custar nos dez primeiros anos mais de R$ 7
trilhões – caso incluísse todos os trabalhadores.
É evidente que
esse é um exemplo extremo, mas com a redação inicial havia uma chance não
negligenciável de os moldes da capitalização ser decidido por outro governo. A
título de ilustração, o governo FHC emendou a Constituição em 1998 para prever
a capitalização no serviço público, que só foi decidida no governo Dilma, em
2012.
O financiamento
da transição é o real desafio com a capitalização, objeto de várias críticas
impertinentes nos últimos meses: da lenda urbana de que o Chile virou campeão
internacional de suicídios com o modelo à afirmação de que a maioria dos países
desistiu desse regime.
Na verdade,
alguma forma de capitalização é prescrita por organismos como o Banco Mundial e
a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e adotada em democracias
avançadas famosas pelo Estado de Bem-Estar Social, como Austrália, Canadá,
Reino Unido, Suécia e Noruega.
De fato, a
mudança idealmente precisa de autorização na Constituição, exigindo PEC. É
possível talvez fazê-la por simples projeto de lei ou medida provisória com
saídas mais engenhosas como via FGTS (vide texto Capitalização sem o trilhão,
do professor Hélio Zylberstajn, publicado recentemente no jornal) ou alguma
desoneração condicional a depósitos em previdência complementar.
Não deveria ser
problema, porém, que a proposta fosse revisitada com maior detalhe em nova PEC.
Afinal, como sugere o ministro, há a intenção de que os filiados ao novo regime
de Previdência, por capitalização, sejam também filiados a uma nova legislação
trabalhista – apelidada de carteira de trabalho verde e amarela.
A carteira verde
e amarela foi a principal proposta das eleições para um dos temas mais
negligenciados do debate público: a altíssima taxa de desemprego jovem (que era
alta mesmo no período áureo do mercado de trabalho). O problema está
diretamente relacionado a chagas como a violência urbana e a pobreza infantil
(muitos pais de crianças pobres são jovens).
Em muitos países
o custo de contratar jovens é menor. Não no Brasil, em que estão sujeitos
inclusive à mesma alíquota patronal para o INSS, de 20% – uma das maiores do
mundo (a média no G-20 e América do Sul é menos da metade, 9%).
Caso não se
restrinja à desoneração da folha, a carteira verde e amarela de Guedes
precisaria de modificação da Constituição, para aproximar a legislação
trabalhista brasileira da de países em que é mais flexível, como Nova Zelândia,
Austrália, Chile e EUA. Assim, a capitalização pode em breve retornar à
discussão.”
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