“Não está no
mundo
POR MERVAL
PEREIRA
O argumento para
o adiamento do julgamento na Segunda Turma do STF do habeas corpus a favor do
ex-presidente Lula, baseado na suspeição do então juiz Sérgio Moro, não parece
plausível. A alegação de que não haveria tempo para o julgamento, pois o
processo de Lula estava em último numa fila de mais 10 processos, não
corresponde ao cotidiano das Turmas do Supremo, que analisam às vezes até 30
processos num dia.
O fato é que
ministros estão incomodados com a ilegalidade das novas provas, diálogos
publicados pelo site Intercept Brasil entre Moro e o chefe dos procuradores de
Curitiba Deltan Dallagnol. A questão é tão difícil que nem mesmo a defesa de
Lula apensou os diálogos ao pedido anterior, havendo uma interpretação de que
provas ilegais podem ser usadas para beneficiar o réu.
É possível que, quando retomarem o julgamento,
no segundo semestre, algum ministro proponha à Segunda Turma levar o caso para
o plenário do STF. O ministro Facchin, como relator, pode decidir
monocraticamente, mesmo já tendo votado.
Várias vezes o
STF, e também o Superior Tribunal de Justiça (STJ), negaram pedido semelhante,
embora por motivos diferentes. Desta vez, a alegação da defesa de Lula é que,
ao aceitar ser ministro de Bolsonaro, Moro havia demonstrado sua parcialidade.
Os diálogos não estão nos autos. E o que não está nos autos, não está no mundo,
como diz um provérbio jurídico com
origem no Direito romano.
Antes das
revelações do Intercept Brasil, o
ministro Edson Fachin considerou que a defesa deveria ter apresentado o pedido
ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ressaltando que o Supremo já havia
negado o habeas corpus em outras ocasiões.
A ministra
Cármen Lúcia, que hoje preside a Segunda Turma, afirmou que o fato de Moro ter
aceitado o convite para o novo governo não pode ser considerado, por si só,
prova suficiente de sua parcialidade.
O julgamento
está cercado de fatores políticos, à revelia dos ministros do STF, que o tornam
mais delicado do que normalmente já é, por tratar-se de um ex-presidente da
República.
Embora o
ministro Sérgio Moro tenha sido atingido pelas suspeitas lançadas pelos
supostos diálogos, mesmo que não tenham comprovação de veracidade, a Operação
Lava-Jato não perdeu o apoio popular, e Moro é o ministro mais popular do
governo.
O presidente Bolsonaro
desde o início bancou o apoio a seu ministro, visto como um Super-Homem pelas
ruas. Esse é um trunfo político que Moro tem, no momento em que a definição do
caso parece ser mais política do que jurídica.
Bolsonaro, por
sua vez, só tem a ganhar com o apoio à Lava-Jato. Montou-se novamente na
sociedade o clima de combate à corrupção contra o petismo. Nesse contexto, a
libertação do ex-presidente pode ser interpretada pela maioria da população
como leniência com a corrupção.
O general Villas Bôas, ex-comandante do
Exército, que indicou dois generais para assessorar o presidente do STF, Dias
Toffoli, voltou ao Twitter fazer defesa enfática de Sergio Moro assim que os
primeiros diálogos foram publicados. Como tinha feito anteriormente, antes do
julgamento pelo pleno do STF de um habeas corpus para Lula.
“Momento
preocupante o que estamos vivendo, porque dá margem a que a insensatez e o
oportunismo tentem esvaziar a Operação Lava Jato, que é a esperança para que a
dinâmica das relações institucionais em nosso país venha a transcorrer no
ambiente marcado pela ética e pelo respeito ao interesse público. Expresso o
respeito e a confiança no Ministro Sergio Moro.”
Dias depois, o
general Augusto Heleno, Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) deu
uma declaração pública contra Lula em um café da manhã que Bolsonaro oferece a
jornalistas no Palácio do Planalto. Com direito a soco na mesa e à afirmação de
que Lula merecia pegar prisão perpétua, pena que não existe no Brasil.
Toffoli nomeou
seu assessor o general Fernando Azevedo e Silva, que depois foi chamado por
Bolsonaro para ser ministro da Defesa. Na posse, agradeceu ao presidente do
Supremo e à Procuradora-Geral da República Raquel Dodge “a disposição de atuar
como catalisadores da estabilidade institucional de que o país tanto
precisa".
O substituto no
STF é o general Ajax Porto Pinheiro, um dos ex-comandantes das tropas da missão
de paz da Organização das Nações Unidas no Haiti, como tantos outros militares
que atuam no governo Bolsonaro.
É essa
“estabilidade institucional” que está em jogo no julgamento do Supremo.”
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