“Além de
convidar à corrupção, nosso sistema tributário estimula a guerra fiscal
Por Affonso
Celso Pastore
Uma das atitudes
mais contraproducentes é a de afrouxar o esforço para corrigir uma situação que
se afigura como insustentável. Tenho uma reação muito negativa quando ouço que
“uma reforma da Previdência mais branda já seria um progresso”, porque “afinal,
assim ganhamos algum tempo”. A mania de “deixar para depois” talvez seja a
principal razão pela qual o Brasil está aprisionado na armadilha do lento
crescimento, que nos prende há algumas décadas a uma expansão pífia da renda
per capita.
Não é difícil
ver o que nos espera se nos contentarmos com uma reforma do tipo “meia-sola”.
Muito em breve o teto de gastos deixaria de ser cumprido, e o crescimento
explosivo da dívida pública só poderia ser evitado com o aumento de impostos
ou, simplesmente, com a emissão de moeda, ambos piorando ainda mais as já
precárias perspectivas de crescimento. Mais dramático ainda, é que mesmo
aprovando integralmente a excelente proposta do governo ainda teremos de
realizar um enorme esforço para colocar o País na rota do crescimento
sustentável. Abordo aqui dois dos inúmeros desafios que temos pela frente.
O primeiro é a
necessidade de uma reforma nos impostos sobre bens e serviços, unificando o
IPI, o ICMS, o PIS e o Cofins em um único IVA nacional, cobrado onde o produto
é consumido, e não onde ele é produzido. Há uma distância enorme entre essa
proposta, defendida por Bernard Appy, e a forma envergonhada de um IVA federal
atualmente discutida no Ministério da Economia. O segundo é uma corajosa
abertura da economia ao setor externo, não somente derrubando as tarifas sobre
as importações, que no Brasil superam as de qualquer país que tenha criado uma
indústria competitiva, mas fazendo profunda limpeza na proteção não tarifária,
como os índices de conteúdo nacional, entre muitos outros.
Além da enorme
complexidade de nosso sistema tributário, que é um convite à corrupção, ele
estimula a guerra fiscal entre Estados. Os maiores compradores de automóveis
residem nos centros urbanos do País, que na sua maioria se situam na franja
litorânea onde estão também os portos nos quais são embarcados os veículos
exportados. Porém, em nome de gerar empregos, o Estado de Goiás criou um
estímulo para atrair uma montadora. É como se as laranjas produzidas em São
Paulo fossem transportadas para a serem esmagadas transformando-se em suco em
Minas Gerais voltando em seguida para São Paulo onde o suco será consumido ou
exportado. Este, apesar de ser um exemplo hipotético, resume o que a quase
totalidade dos Estados vem fazendo. São Paulo, que até recentemente recusara-se
a entrar nessa guerra, a ela vem aderindo alegremente em nome de gerar
empregos.
Além da perda de
receita agravar a precária situação fiscal dos Estados, tais distorções
tributárias são responsáveis pela ineficiência da indústria: no sistema atual
os créditos tributários gerados em um Estado não são recuperáveis no Estado de
destino, e uma de suas vítimas são as exportações. Como o governo responde a
reivindicações do setor privado, que são tanto maiores quanto mais intensas
forem as distorções, cria-se um regime de compadrio, no qual o maior estímulo
dado aos empresários é dirigir-se a Brasília, com “sugestões” para resolver o
problema. Se os governantes fossem motivados a atingir o bem-estar da sociedade
como um todo, resistiriam a tais pressões. Mas infelizmente um dos seus
principais (se não o principal) objetivos é a manutenção do poder, o que os
leva a praticar o compadrio, favorecendo a empresa e ignorando o bem comum.
O governo
precisa se convencer de que tem vários desafios. O primeiro é batalhar pela
aprovação de uma versão robusta da reforma da Previdência, de forma a estancar
a crise fiscal, que ainda está em estado latente, mas que não permanecerá nele
para sempre. O segundo é definir um programa de reformas do qual, no mínimo,
constem a abertura da economia e a reforma tributária. O único objetivo
socialmente aceitável de uma reforma tributária é reduzir as ineficiências, e
ao fazê-lo cortar o poder dos grupos de pressão para obter uma “ajuda” fiscal
ou creditícia às empresas mais próximas do poder político. E o único objetivo
da abertura da economia é aumentar a produtividade da indústria, dando aos
empresários o estímulo socialmente correto que é, através da busca do lucro
para seus acionistas, retribuir à sociedade com o crescimento da produtividade
do trabalho.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário