“A Moro e
Dallagnol ainda restará a opção pelo voto
POR JOSÉ
NÊUMANNE
Esta semana começou
com a divulgação de pretensos diálogos por Telegram entre o ministro da Justiça
e Segurança Pública, Sergio Moro, e os procuradores da força-tarefa da Lava
Jato, coordenados por Deltan Dallagnol, revelando um pretenso acordo entre eles
na condução de um processo da operação. Se forem verdadeiras – e nada até agora
pode ser dito em contrário, com a agravante de os acusados em suas
manifestações não as terem negado –, essas conversas, só pelo que foi divulgado
até agora, são nitroglicerina pura na política, na Justiça, no governo e no
Brasil.
As alegações
apresentadas são desprezíveis. O jornal online The Intercept Brasil, que
publicou as mensagens, é veiculado no País, desde agosto de 2016, pela empresa
americana First Look Media, criada e financiada por Pierre Omidyar, fundador da
eBay. E editada pelo advogado também americano, especialista em Direito
Constitucional e ex-jornalista do diário britânico The Guardian Glenn
Greenwald; pela cineasta, documentarista e escritora Laura Poitras; e pelo
jornalista investigativo (natural dos EUA) Jeremy Scahill, especialista em
assuntos de segurança nacional e autor do livro Blackwater: The Rise of the
World’s Most Powerful Mercenary Army. Greenwald é casado com o brasileiro David
Miranda, eleito vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL) e, atualmente, deputado federal na vaga de Jean Wyllys, que renunciou à
cadeira na Câmara para sair do País, onde se dizia ameaçado. Adversária do
impeachment da petista Dilma Rousseff, a publicação não é certamente imparcial.
E daí? A Constituição federal garante o direito de qualquer veículo de
comunicação exercer livre manifestação de opinião, desde que não publique
mentiras.
A parcialidade
questionada pela notícia, que explodiu como uma bomba de efeito devastador
domingo (9/6), à noite, é a do ex-juiz da 13.ª Vara Criminal de Curitiba, em
teoria pilhado em combinações estratégicas com procuradores federais em ação
sob seu julgamento.
Conforme o que
foi publicado até agora e na expectativa de que novos fatos venham a ser
revelados pelo responsável pela divulgação, esse herói nacional, por mercê de
seu desempenho na operação em tela, teria interferido no trabalho do MP. A
iniciativa feriria o princípio básico da isenção do julgador, proibido de
manifestar qualquer parti pris na tarefa de decidir quem tem razão: o
Ministério Público, que, em nome do Estado, acusa o suspeito, e a defesa do
acusado. Caso sejam mesmo autênticas as mensagens trocadas entre Moro e
Dallagnol, levando em conta o fato de os outros diálogos até agora revelados
não representarem abusos de conduta, mas apenas opiniões pessoais, a revelação
é grave.
A eventual
inclinação do juiz a aceitar os argumentos dos procuradores, em detrimento das
negativas apresentadas insistentemente pelos defensores de Lula, os levará a
pedir a anulação da sentença em primeira instância do processo sobre
recebimento de propina e ocultação de patrimônio do triplex do Guarujá. Não
implica, contudo, a automática inocência do réu, que dependerá de serem
reformadas decisões unânimes de duas instâncias superiores, a segunda e a
terceira, sobre o caso. De igual forma, a presunção tem sido contestada em
outras varas. Há nova condenação do mesmo réu em idêntico juízo, da lavra da
substituta eventual de Moro, Gabriela Hardt, e que o substituto permanente,
Luiz Antônio Bonat, já encaminhou para ser julgada na Oitava Turma do Tribunal
Federal Regional da 4.ª Região, em Porto Alegre. Assim, Lula responde a sete
processos. No mais recente, o juiz Vallisney de Oliveira, da 10.ª Vara da
Justiça Federal em Brasília, o tornou réu com Palocci e Paulo Bernardo, sendo o
trio acusado de ter acertado receber US$ 40 milhões (R$ 64 milhões, à época) em
propinas pagas pela empreiteira então presidida por mais um réu, Marcelo
Odebrecht.
Ou seja, é bem
longo e árduo o caminho perseguido pela defesa de Lula para soltá-lo. A ser
provado em processo judicial, que costuma ser lento e complicado, o que foi
revelado até agora mais prejudica Moro e os procuradores da Lava Jato, em especial
Dallagnol, do que beneficia o presidiário mais famoso do Brasil, pilhado em
vários passeios pelo Código Penal. Mesmo que The Intercept Brasil não tenha
esgotado sua munição contra o ex-juiz da Lava Jato, será difícil a escalada do
Himalaia de acusações por Lula, a não ser que a divulgação tenha sido
autorizada por um juiz. Aí, a permanência de Moro no Ministério da Justiça
ficaria insustentável. E isso dependerá menos da reação da opinião pública, que
o idolatra e não confia nas instâncias superiores do Judiciário, às quais
caberá julgá-lo, mas das circunstâncias políticas, que poderão levar o
presidente Jair Bolsonaro a abrir mão do justiceiro, se passar a ser
considerado suspeito de parcialidade.
Assim, até
novembro de 2020, daqui a um ano e meio, quando o decano do Supremo Tribunal
Federal (STF), Celso de Mello, se aposentar, é de duvidar que mesmo uma mão
forte do chefe do governo bastaria para alçá-lo ao pináculo da Justiça,
mantendo a promessa que até agora, tudo indica, mantém. Até então, o herói
popular das manifestações de rua de 2016 para cá terá muitas noites para
lamentar a mistura de infantilidade, soberba e senso de impunidade que conduziu
seus surtos de adolescência leviana e bastante tardia. Seu companheiro em
travessuras virtuais, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan
Dallagnol, também lastimará o instante em que acreditou na lorota de que o
aplicativo russo é um meio de comunicação pessoal à prova de hackers. Estes
dificilmente serão identificados. Pois, talvez seja de bom alvitre avisar que a
experiência pregressa não autoriza expectativas favoráveis no caso.
A seus
carrascos, que ora comemoram, é útil lembrar que restará a Moro e Dallagnol a
saída pelo voto, pois parecem manter a devoção popular.”
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